O primeiro monumento a homenagear uma mulher negra em São Paulo

Dos inúmeros monumentos que estavam espalhados pela cidade de São Paulo na primeira metade do século 20, nenhum deles fazia uma referência direta à cultura e a identidade negra. Sobravam monumentos para homenagear brancos e até indígenas, este último reconhecido em pelo menos duas esculturas importantes, uma na região central e outra na zona leste.

Nos preparativos para o IV Centenário de São Paulo discutiu-se sobre inaugurar pela cidade diversos monumentos durante o período de comemoração. Das principais obras construídas cito aqui três: uma plenamente conhecida – o Monumento às Bandeiras – obra de Victor Brecheret outra, a escultura do IV Centenário, que infelizmente foi destruída e uma terceira, a Mãe Preta, no Largo do Paissandu.

clique para ampliar

O monumento Mãe Preta foi o último alusivo ao IV Centenário de São Paulo a ser inaugurado. A obra foi confeccionada após a escolha de seu projeto através de um concurso público, vencido pelo escultor concorrente sob o pseudônimo de Ibirapuera. Mais tarde, no anúncio da escolha, foi revelado ser o escultor santamarense Júlio Guerra, mesmo artista que alguns anos depois ficaria ainda mais conhecido por outro monumento paulistano, o Borba Gato.

Com a cobertura da Folha da Noite, antecessora da Folha de S.Paulo, a escultura foi apresentada ao público na manhã de 23 de janeiro de 1955 em uma cerimônia concorrida no Largo do Paissandu. A obra foi instalada ao lado da igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, onde está até hoje.

Recorte do jornal Folha da Noite sobre a inauguração

Apesar da homenagem feita à cultura e identidade negra através desta escultura, a obra de Júlio Guerra não ficou livre de críticas. Representando uma Ama de Leite, o projeto modernista desagradou muitos militantes do movimento negro à época, devido ao exagero no tamanho de seus pés e mãos. Entretanto era algo comum em obras de cunho modernista, como pode ser visto na pintura “A Negra” de Tarsila do Amaral e até mesmo na pintura “Café” de Cândido Portinari.

Outra voz que criticou a escolha do estilo modernista para a estátua foi o jornalista e ativista José Correia Leite. Principal nome da imprensa negra paulista e personalidade histórica do movimento negro brasileiro, Leite disse à época que a escultura não representava a mulher negra, bonita e educada que foi a figura da Ama de Leite.

Críticas à parte o monumento aos poucos foi caindo no gosto da comunidade negra e com o passar dos anos se solidificou como uma grande homenagem de São Paulo aos negros do Brasil.

A escultura no Largo do Paissandu e a sua frente o Centro Comercial Grandes Galerias, mais conhecido como Galeria do Rock, em 1963 (clique para ampliar)

GESTO DO PRESIDENTE MÉDICI CRIOU TRADIÇÃO CELEBRADA ATÉ HOJE

Anos depois da inauguração da estátua, se começou a comemorar o Dia da Mãe Preta, sempre no dia 13 de maio. A iniciativa traz festividades e celebrações religiosas ao redor do monumento.

E o Dia da Mãe Preta foi especialmente celebrado em 1972, ano em que o evento foi agraciado com a importante visita do então Presidente da República, Emílio Garrastazu Médici. A visita presidencial ao local atraiu uma multidão de 10 mil pessoas, que viram o então presidente junto do governador paulista Laudo Natel depositar flores ao pé da estátua. Desde então, tornou-se rotina ver flores e até velas serem depositadas na base do monumento, que não raro é visto com sua base chamuscada.

Monumento Mãe Preta tendo ao fundo a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos (clique para ampliar)

PATRIMÔNIO PAULISTANO

Uma obra de tamanha importância não poderia deixar de ser um patrimônio paulistano. Em 2004 o município de São Paulo, através do Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) tombou a escultura Mãe Preta como patrimônio histórico da cidade.

A obra é confeccionada em bronze e tem sua base em granito. Em três faces da base da estátua existem gravuras e inscrições. No lado esquerdo há a alegoria de um pelourinho, no lado direito imagens da mãe preta e na parte frontal da base o escultor Júlio Guerra reproduziu o poema “Mãe Preta” do poeta Ciro Costa.

O poema Mãe Preta, de autoria do poeta Ciro Costa (clique para ampliar)

Dados técnicos:
MÃE PRETA

Autor: Júlio Guerra
Material: Bronze (escultura) e granito (base)
Altura: 3,5 metros
Inauguração: 23/01/1955
Local: Largo do Paissandu s/n – Centro

Veja mais fotos abaixo (clique para ampliar):

Compartilhe este texto em suas redes sociais:
Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn
Siga nossas redes sociais:
pesquise em nosso site:
Cadastre-se para receber nossa newsletter semanal e fique sabendo de nossas publicações, passeios, eventos etc:
ouça a nossa playlist:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *