Uma curiosidade do bairro da Penha de França, na zona leste da capital paulista, envolve os cinemas que lá existiram. Ao contrário das antigas salas de exibição de rua de outras regiões de São Paulo, onde boa parte foi demolida, ali praticamente todos que existiram ainda existem como edificação.
É o caso do Penha Teatro, Penha Palace, Júpiter e do Cine São Geraldo*¹ que irei abordar neste artigo. Todos eles resistiram ao assédio do mercado imobiliário e seguem de pé, embora desempenhando outras funções.
A inauguração do São Geraldo é na primeira metade do século 20, precisamente no ano de 1941. Naqueles tempos distantes ele era chamado de outro nome, Cine-Teatro da Casa das Associações Religiosas da Penha. Apesar de já ocupar a construção atual e ter a configuração externa que é vista na fotografia acima, o cinema era bem mais modesto em seu interior.
Três anos depois de sua inauguração, em 1944, o cinema troca de proprietário, passando a pertencer à empresa Oliveira & Marinucci Ltda, ocasião que o espaço recebe uma reformulação interna e algumas intervenções na fachada, passando a ostentar o nome São Geraldo. Os novos proprietários ficam alguns anos à frente do negócio até que a sala é novamente vendida em meados de 1950.
Novamente o São Geraldo entra em reforma, desta vez com grandes obras que o aproximam mais dos concorrentes da Penha, especialmente o Júpiter, mais luxuoso do bairro e que fora inaugurado em 1949.
Agora sob a administração dos Padres Redentoristas da Penha – que ficarão com o cinema até o seu fim – o São Geraldo recebe mais uma reforma, desta vez bastante ampla que transforma o espaço outrora modesto em uma sala de exibição elegante e atraente, para fazer frente aos concorrentes do bairro.
Nesta reforma, que foi além das estruturas da edificação, o cinema também recebeu um novíssimo projetor, trocou as cadeiras de madeira por modernas poltronas estofadas da marca Brafor, novos banheiros e nova iluminação. A reinauguração foi marcada para 11 de outubro de 1951, quase 10 anos após abrir suas portas pela primeira vez.
Na galeria abaixo algumas imagens do Cine São Geraldo às vésperas de sua reabertura (clique para ampliar):
O São Geraldo com essa reforma teve uma grande evolução como espaço exibidor e passou a dividir mais o público de igual para igual com o grandioso Júpiter. Alguns anos mais tarde, em 1955, um novo cinema chegava ao bairro para deixar a concorrência ainda mais acirrada, o Penha Palace.
A abertura do novo cine na praça 8 de setembro bem maior e mais moderno que o “cinema dos padres“ como era conhecido, colocou-o definitivamente no terceiro lugar entre as salas da Penha, afinal o novíssimo Penha Palace tinha um tamanho colossal com 2300 lugares, ante 1000 do São Geraldo. Outros diferenciais do novato eram a enorme tela de projeção de 19×9 metros e o projetor CinemaScope.
Apesar da concorrência acirrada entre as salas de exibição do bairro, todos eles sobreviveram por décadas em funcionamento. Curiosamente o primeiros dos três grandes do bairro a fechar foi justamente o mais moderno, Penha Palace, que desde 1968 havia sido rebatizado como Penharama. Em seu espaço foi aberto uma filial das extintas Lojas Brasileiras e atualmente uma loja da rede Torra-Torra. Já em 1986 foi a vez do Júpiter encerrar as atividades, dando lugar para a uma filial da loja Besni que até hoje ocupa o espaço.
OS ANOS 1990 E UM NOVO CINEMA NA PENHA
Mantido pelos Padres Redentoristas o Cine São Geraldo foi o mais longevo cinema de rua do bairro da Penha, pois provavelmente a instituição católica tinha recursos para mantê-lo em funcionamento mesmo com cada vez menos público frequentando a sala.
O golpe fatal no “cinema dos padres” aconteceria em 1992 com a inauguração do Shopping Center Penha, que trouxe consigo três salas de exibição. A novidade do novo espaço de compras e a praticidade e segurança de um cinema lá dentro foi arrasador para o São Geraldo que vazio, ultrapassado e decadente encerraria suas atividades na metade da década de 1990.
O SÃO GERALDO NO SÉCULO 21
Felizmente a sanha demolidora que destrói coisas belas ou antigas não tomou o velho São Geraldo de assalto. O cinema foi sobrevivendo até os dias atuais como um estacionamento que ocupava todo seu espaço. Posteriormente, já no início dos anos 2000 o imóvel foi reformado e divido em três partes, sendo que é nesta configuração que ele se encontra até os dias atuais.
No espaço da antiga bilheteria e administração do cinema funciona o 3º Cartório de Registro Civil da Penha, por sua vez na área central e superior do prédio funciona a Escola Coração de Jesus (cursos técnicos profissionalizantes) e a parte principal onde ficava a platéia e a tela funciona um estacionamento.
Passados 82 anos de sua inauguração é triste saber que tal qual a imensa maioria dos cinemas de rua, o São Geraldo não funciona mais. Por outro lado é gratificante saber que o espaço está totalmente preservado em seu exterior e, em parte, no seu interior e não virou igreja.
Nas fotografias abaixo você confere a área da plateia como está atualmente. A primeira mostra o espaço da antiga tela de projeção (centro) e os banheiros nas extremidades, além de parte do espaço dedicado à plateia. Já a segunda imagem mostra o local onde ficava o projetor e as duas entradas de público, agora emparedadas.
DADOS TÉCNICOS:
Cine São Geraldo
Inauguração: 1941 (reformas em 1944 e 1951)
Capacidade: 1000 pessoas (desde 1951)
Proprietários: Padres Redentoristas da Penha
Situação: Desativado
Endereço: Travessa N.Sra. da Penha, 24 – Penha de França
NOTA:
*1 – Existiu outro Cine São Geraldo em São Paulo, este segundo por sua vez ficava localizado no bairro de Perdizes na zona oeste da capital
13 respostas
Que bom ler esse texto e matar a saudade. Vi muitos filmes no Penharama e no São Geraldo.
Tenho 58 anos.
Eu e minha mulher íamos muito nos cinemas de rua de São Paulo. Não conheci estes citados na reportagem, mais íamos nos cinemas do centro.
Ainda gostamos muito de ir ao cinema! Cinema de rua é mágico, e diferente de cinema de shopping center, na minha visão.
Sou empreiteiro, ando muito em São Paulo, por bairros como Pompéia, Perdizes, Lapa, Higienópolis, enfim em toda a cidade, e noto que a cada quarteirão nasce um prédio novo.
Vejo com tristeza, não só no caso dos cinemas, como nossos imóveis antigos, estão vindo abaixo!
É muito bom ver reportagens como essa!
Parabéns!
O Brasil jamais teve uma cultura cinéfila como a americana, o que explica a derrocada dos poucos cinemas ainda existentes, quase todos concentrados em shopping centers, e posso estar enganado, mas com o avanço dos streamings eu acredito que até mesmos estas estão com os seus dias contados.
Parabéns, Douglas por reviver as coisas boas nesta linda e maravilhosa cidade. São Paulo.
Minha Penha querida, amo a Penha apesar de estar esquecida pelas autoridades governamentais.
Matéria interessante porém foi desnecessário e inoportuno o comentário “…e não virou igreja.” dado que quem criou, manteve e cuida foi a igreja através dos padres. A pergunta que faço é “E se tivesse tornado uma igreja o espaço ocupado para estacionar carros, qual o problema?”
Me refiro as igrejas evangélicas que costumeiramente desfiguram os antigos cinemas por completo, basta você verificar todos os velhos cinemas que se tornaram templos na avenida Celso Garcia.
Parabéns pela Reportagem, adorei conhecer esses detalhes.
Conheci e foi o cinema onde quase fui barrado e quase não me deixaram entrar aos 18 anos. Acharam que eu era de menor. Kkkk Tive que apresentar RG. Mas minha namorada, 16 anos, que era de menor, conseguiu entrar sem problema. Kkkk Eu tinha cara de criança e ela parecia ser mais velha. Isso aconteceu em 1976.
Como saber os filmes exibidos por esses cinemas?
Semana que vem vai passar e.t. ! Não perca
Ah que saudade… Assisti muitos filmes lá na minha infância nos anos 80!!! Principalmente os vários filmes dos Trapalhões! Época de ouro!!! É muito Triste que não existe mais.
Recado aos Padres….
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As transformacoes nao estao de tanto mal assim. Exibicoes em Teatro de Cinema nao trazem mais bilheteria como outrora.
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A abertura do espaco para estacionamento, ainda que mal aproveitado, vislumbra a possibilidade de se adicinar espaco de escritorio. Aqui, ate o Escritorio Compartilhado faria sentido ( Co-Working para os Doutrinados do Imperialismo Yankee ).
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Basta retirar o estacionamento, nivelar o piso, e instalar jiraus de aco a volta do perimeto do estacionamento, reforcar as varandas com vidro estrutural.
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Ficaria infinitamente melhor , e com mais apelativo, do que os predios de escritorio sem inspiracao levantados por incorporadoras, com aquelas peles de vidro sem graca e pasteurizadas.
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Vi muitos filmes dos Trapalhões tanto no São Geraldo, Penharama e Júpiter…podia ir a pé a qualquer um dos três. Estudava na época ao lado da Igreja da Penha . Minha curiosidade é de saber o que fizeram com as poltronas que eram de madeira