Houve um tempo em que morar na rua João Teodoro, na região central de São Paulo, parecia um privilégio. Era nas proximidades desta via que estavam boa parte das principais atividades da cidade, como o Liceu de Artes e Ofícios e o Mercado Municipal (estão ambos por lá ainda), além de uma série de outros bons motivos, como a proximidade ao Hospital da Força Pública, a Faculdade de Engenharia e, finalmente, próximo de duas importantes ferrovias (São Paulo Railway e Tramway da Cantareira).
Quase todas as casas antigas desta região, construídas entre o final do século 19 e os primeiros anos do século 20, já foram demolidas em virtude das inúmeras mudanças viárias que já ocorreram por ali, como alargamento das ruas e as obras da então nova estação Tamanduateí (da Cantareira em 1918, hoje já demolida). Mesmo assim, existem duas raras sobreviventes que abordaremos aqui.
Localizadas nos número 638 e 640 da rua João Teodoro, estas residências foram construídas na virada do século 20. Embora não estejam em sua melhor aparência, são raras e legítimas representantes de um período já muito longínquo da história do bairro da Luz e adjacências. Vamos conhecê-las uma a uma.
A mais bonita delas é esta, que fica no número 638. Apesar de estar sem data na fachada ela é dos primeiros anos do século 20, pois já aparece em algumas fotografias que mostram a Estação Tamanduateí que ficava bem diante dela.
Apesar dos anos sem um bom restauro da fachada, ela está em condições razoáveis e apenas suas janelas não são originais, trocadas por duas de alumínio. No mais, tudo está ali ainda: portão de ferro, balaustrada e até mesmo o porão. O que mais “enfeia” a vista são os horrorosos fios da própria rua, que não são aterrados.
Abaixo mais duas imagens do imóvel (clique para ampliar):
Sua vizinha, no número 640, é talvez a mais antiga residência de toda esta região. Construída em 1904, está bem menos conservada que a outra mas mesmo assim mantém quase todos os traços originais.
Sua arquitetura é bem mais simples, tendo menos adornos no frontão e na fachada. Suas janelas originais também foram substituídas por duas menores e de alumínio. Um dos respiros do porão foi removido e transformado em porta, dando acesso ao lugar já pela calçada (parece ser um quarto). Por fim, foram colocadas telhas cobrindo a entrada lateral da casa.
Nas décadas de 1950 e 1960 este imóvel foi residência de Narcisa Almeida (pesquisa sobre esta pessoa ainda em andamento).
Particularmente, temo pelo futuro destas duas residências antigas. Estão em um trecho da rua João Teodoro que o poder público dá pouca ou nenhuma atenção e, por serem lares de pessoas humildes (as duas são pensões), dificilmente terão por parte de seus proprietários condições de serem restauradas (lembre que em ambas as janelas originais de madeira já sucumbiram).
Por isso, defendo a criação de um fundo municipal que seja utilizado para ao menos a manutenção de fachadas de casas antigas de pessoas que não tem condições de fazer por conta própria. Em 2012 percorri a Câmara Municipal para pedir ajuda de dois vereadores para criarem este fundo, mas só recebi chá de cadeira por conta de nossos nobres representantes municipais. Felizmente, para o bem da cidade, nenhum dos dois foi reeleito.
A descaracterização ou demolição destes imóveis representariam uma grande perda pra memória arquitetônica paulistana.
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