Banco Mercantil de São Paulo – O primeiro a ter sede na Avenida Paulista

Hoje a mídia se refere ao centro financeiro de São Paulo como sendo a Avenida Brigadeiro Faria Lima, mas, em um passado muito recente, este título pertencia à Avenida Paulista, como anteriormente era o centro da cidade nas Ruas Boa Vista, XV de novembro e imediações.

Estes movimentos aconteceram por diversos motivos, mas não são muito diferentes dos que levaram a Paulista a perder este posto. Uma boa referência é uma entrevista dada pelo banqueiro Gastão Eduardo de Bueno Vidigal(*23/3/1919 +7/8/2001) em dezembro de 1969 quando ele explica que alguns dos motivos que teve para mudar a sede do banco do centro para a Avenida Paulista foram os congestionamentos no centro da cidade e a saturação do centro bancário tradicional. Interessante também é o fato de que não existiam naquela época terrenos no centro com tamanho suficiente para a construção de novos e grandes prédios diante das posturas municipais vigentes. Outro fator surpreendente levado em conta é que na época os terrenos na Avenida Paulista eram mais baratos que os do centro. 

Rua XV de Novembro em 1954, primeiro coração financeiro da cidade (clique para ampliar)

O lote onde foi construído o prédio que seria a nova sede do banco foi adquirido em 1965 e as obras – encomendadas ao engenheiro e arquiteto Adolpho Lindenberg – se iniciaram no ano seguinte. A então Construtora Adolpho Lindenberg Ltda. era composta pelos sócios Adolpho Lindenberg, presidente, Alberto Luis du Plessis, engenheiro responsável pelas obras e Plínio Vidigal Xavier da Silveira responsável pela área financeira.

Na foto: Plínio Vidigal, Adolpho Lindenberg e Alberto Luis du Plessis

*¹ A Construtora Adolpho Lindenberg Ltda começou sua trajetória em meados de década de 1950, construindo casas e, depois, tornou-se conhecida por seus edifícios residenciais de luxo. Igualmente foi responsável pela construção de prédios comerciais em diferentes cidades do Brasil. Construiu vários prédios importantes na Avenida Paulista como os vizinhos do Mercantil, a antiga sede do Banco Real (hoje desfigurado e com o nome de Brazilian Financial Center), a sede paulista do antigo Banco Bozano Simonsen (hoje uma agência do Banco do Brasil). Também os edifícios Eluma, e Quinta Avenida.

Dentre tantas obras importantes da construtora podemos citar duas muito conhecidas, a do Casa Grande Hotel no Guarujá e o Hotel Tropical de Manaus.

Consta que Dr. Gastão teria enviado um desenhista para a Itália e França para avaliar o que havia de mais moderno nas instalações bancárias naqueles países. O fato é que das mãos de Adolpho Lindenberg e sua equipe de arquitetos é que saem os desenhos arquitetônicos daquele que seria o símbolo de solidez da instituição. O trabalho em equipe da Adolpho Lindenberg , seus arquitetos e engenheiros, enfim, deram forma e vida ao projeto idealizado pelo banqueiro.

Uma das marcas registradas da construtora sempre foi o acompanhamento de perto das obras pelos seus diretores, sendo o engenheiro Alberto du Plessis o responsável, não só pela engenharia do projeto, mas também pelo acompanhamento da obra.

Projeto do edifício sede do Banco Mercantil de São Paulo (clique para ampliar)

Assim como era o Mercantil com relação aos seus clientes, “o Dr. Adolpho tinha a arquitetura e a construção como uma vocação. E demonstrava interesse, o talento e a disposição para acompanhar cada detalhe de cada obra, como um artesão perfeccionista e minucioso.” Estas características do arquiteto construtor se casavam perfeitamente com o estilo do dono do banco que fazia periódicas visitas à obra aos domingos. O resultado foi uma obra perfeita em todos os detalhes.

O cronograma de entrega sofreu certo atraso por conta de um incêndio que ocorreu em março de 1968 e que o balanço do banco o descreve como tendo sido um princípio de incêndio, entretanto uma testemunha de época diz ter sido um incêndio de proporções consideráveis. 

Na foto o edifício em meados da década de 1970

O fato é que a sede do Banco Mercantil de São Paulo sai do centro e inaugura a fase bancária da Avenida Paulista com o novo prédio em 1º de setembro de 1969. A obra sempre simbolizou a solidez e o orgulho da instituição durante toda a sua existência como nos mostram várias capas de seus relatórios anuais.

Já em maio de 1971, o banco assina o contrato para a construção de um segundo prédio, anexo ao primeiro, na Rua Itapeva esquina com Rua Carlos Comenale. Interessante que neste segundo prédio não é só a diferença da qualidade nos acabamentos (por exemplo, as esquadrias que já não são de vidro duplo com as persianas embutidas), mas também o recuo em relação a Rua Itapeva em sequência ao recuo do prédio vizinho por conta do túnel que se faria construir no plano de pistas inferiores por toda a Paulista, que não vingou. São Paulo Antiga já tratou deste assunto no artigo “A Paulista do futuro que ficou no passado”.

Nesta o foto andar térreo do edifício, com destaque ao seu luxuoso ambiente

Este segundo prédio acabou ficando pronto somente nos primeiros anos da década de 1980 e, já em 1983, foi instalado um heliponto que tomou parte dos dois prédios sobre o pergolado que os cobre. 

Com relação a este pergolado, para quem vê de fora, os prédios têm 13 andares, porém as janelas do 13º. andar são “falsas”, por assim dizer, uma vez que por trás delas nada existe além de instalações que abrigam a casa de máquinas dos elevadores, e de outro espaço de acesso, onde, por acaso, ficava a barbearia à disposição dos funcionários; afinal, cabelos compridos e barba, nem pensar!

Hoje o prédio mantém seu estilo austero, mas nas mãos de um outro banco que em nada lembra a manutenção dos tempos do Mercantil quando a aparência era impecável e alguns detalhes refletiam a austeridade do banco. Uma reforma praticamente trocou a cor do prédio que passou a “brigar” com as pedras que revestem a fachada.

Na sequência de imagens: Gastão Eduardo Vidigal, um ícone entre os banqueiros brasileiros (Crédito: BANAS/1969).

Outro bom exemplo, entre inúmeros, do que foi feito com o prédio foi a intervenção no andar térreo que poderia ter se transformado em um espaço cultural, mas que foi parcialmente descaracterizado pelo novo proprietário para abrigar uma agência bancária de gosto duvidoso. 

Detalhe de manutenção, entre outros, eram as persianas de todas as janelas que estavam sempre na mesma posição, sendo abertas e fechadas simultaneamente pela manhã e no início da noite dando aos passantes da avenida sempre a mesma e uniforme visão externa do prédio. Infelizmente hoje é apenas mais um prédio na Paulista, com seus vidros sujos, seu jardim frontal fora do estilo do conjunto e suas referências históricas apagadas.

O interior era de igual sobriedade com as áreas da diretoria e atendimento aos clientes elegantemente decoradas – segundo relatos orais – pelo decorador Terry Della Stufa, um dos profissionais mais badalados da época que dotou o interior do prédio com uma elegância atemporal. O cofre forte para uso dos clientes era um espetáculo à parte, não só pelo estilo e acabamentos, mas também pelo atendimento que era prestado. Só restaram as lembranças.

Na foto a também luxuosa sala do cofre (clique para ampliar)

Depois do Mercantil de São Paulo vários bancos instalaram suas sedes na Paulista e, assim como ele, muitos desapareceram do espaço físico ou do sistema financeiro… Banco Real, Banco Sumitomo, Banco de Tokio, Banco Sudameris… Das sedes de bancos, hoje restam poucas.

Agora, ao passarem pela esquina da Paulista com Rua Itapeva e se depararem com o prédio do número 1450 poderão imaginar quantas histórias não se passaram naquele prédio cujo banco tinha como lema “o mais alto padrão em serviços”.

Veja mais fotos do interior do edifício na galeria (clique na foto para ampliar):

OUTRAS EDIFICAÇÕES DO GRUPO:

Outro prédio do grupo Mercantil de São Paulo, que está igualmente muito descaracterizado (hoje, Edifício VIVO SP II), também seguia o mesmo estilo da sede da Avenida Paulista, era o CPD do banco na marginal do Rio Tietê (Avenida Otaviano Alves de Lima, 2.650), cujo projeto data de 1973 e cuja construção também foi confiada a Adolpho Lindenberg.

As imagens abaixo mostram como era e como está atualmente o antigo CPD do banco:

Para não ficarmos somente focados nos prédios do banco, a própria casa de Gastão Eduardo em muito se assemelhava às construções de seu antigo império.

Consta que já no fim de sua vida mandou construir um anexo no terreno de sua casa que seria uma réplica de seu escritório no banco, inclusive com um elevador nas mesmas dimensões dos elevadores do banco. Não é preciso dizer que a casa do banqueiro foi um projeto e construção da Adolpho Lindenberg.

Notas:

*¹ Na época as construções consumiam uma enorme quantidade de madeira e o prédio, ainda em construção, sofre um incêndio pouco antes de sua entrega. O acidente, porém, não interrompe o cronograma das obras.

*² O Banco Mercantil de São Paulo funcionou de 09/01/1939 até 14/01/2002 – A marca FINASA pertencia ao grupo.

Curiosidade: Medalha comemorativa dos 30 anos do BMSP (clique para ampliar)

Crédito das fotografias internas do edifício: Alain Burgier e Gil Prates

Bibliografia:

60 anos de história – Influências – Olhares paralelos sobre a evolução da sociedade e da arquitetura. (Edição comemorativa dos 60 anos da Construtora Adolpho Lindenberg). Maiá, Mendonça. A&A Comunicação Ltda., 2014

A construção de um ícone Imobiliário (Edição comemorativa dos 65 anos da Construtora Adolpho Lindenberg). Edição Construtora Adolpho Lindenberg

Revista BANAS Nº. 817 – 15/12/1969

Jornal VALOR – Edição de 08/08/2001 – Finanças pp C3

Revista FINASA No. 10 – Maio/Junho 1994

O Banco, São Paulo e o Brasil. Walter Fontoura. Ventura Cultural Ltda., São Paulo, 1999

O Estado de S. Paulo – Edições de 07/01/1969 e 02/09/1969

Revista Manchete – Edição 474 de 20 de maio de 1961 pp 72, 73

Larmod: tecidos decorativos nos interiores do Brasil (1971-1979)

Tese de pós-graduação em têxtil e moda – Ricardo Ferreira de Oliveira Lima, Link visitado em 10/04/2022

Agradecimentos:

* Adolpho Lindenberg Filho
* Alberto du Plessis Filho
* Cosimo Monticelli
* Fábio Penteado de Ulhôa Rodrigues
* Rafael Carlos Lima Oliveira

Curiosidade:

O autor deste artigo trabalhou no Banco Mercantil de São Paulo de 1982 até o final de sua existência. Todo o material representativo da história do banco e acumulado durante este período foi recentemente doado ao Museu Bradesco, banco que adquiriu o BMSP em 2002. A fotografia abaixo mostra o autor em seu ambiente de trabalho aproximadamente em 1994.

Compartilhe este texto em suas redes sociais:
Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn
Siga nossas redes sociais:
pesquise em nosso site:
Cadastre-se para receber nossa newsletter semanal e fique sabendo de nossas publicações, passeios, eventos etc:
ouça a nossa playlist:

17 respostas

  1. Interessante.

    O Mercantil empresta seu nome a outro imovel no Centro, O Mercantil Finasa na Libero Badaro, 377. Alguma relacao com este ?

      1. Foi lá no Mercantil da Libero Badaró, no início dos anos 80, meu primeiro emprego, como contínuo (office boy intenro), trajando como uniforme um impecável terno preto, sempre fechado, feito sob medida por alfaiate contratado pelo banco, e sapato Paso Doble limpo e engraxado, tudo checado diariamente pelo saudoso Sr. Garcia, chefe da área, na frente do relógio de ponto. Bater cartão, só depois de vestido com o terno. Atraso máximo de 5 minutos, além disso, voltava pra casa. Cabelo comprido e barba, nem pensar. Era assim. E que saudades!!!

  2. Um neoclassicismo de influência da arquitetura fascista , que fez muito sucesso em. São Paulo nos anos 40 em diante

    1. Ideologias à parte, é bem mais bonita que essa arquitetura brutalista art deco predominante desde os anos 40 até hoje.

      1. O art deco teve influência em SP no máximo até os anos 60, quem dera se tivesse influência até hoje… O que temos agora é a predominância da tal “Arquitetura internacional” da qual o modernismo e o brutalismo são crias diretas.

  3. Uma história de uma instituição bem sucedida, que poderia está ainda em plena atividade, artigo muito bom.

  4. Gostei muito do artigo !
    Trabalhei no Mercantil por quase 23 anos !
    E inclusive fui funcionária do Decam e o Sr. Vignoli foi um de nossos diretor !

  5. Foi meu primeiro emprego!! Só podia entrar de vestido ou saia, aí colocava um avental cinza! Trabalhava no andar acima, falava no telefone com todos os gerentes das agências, passando o resultado das propostas financeiras, enviadas por eles!! Tinha 18 anos!! Estudava de manhã, saia correndo da escola IADÊ, que era no final da av.Paulista, para chegar e bater o cartão às 13 horas!! Tempos inesquecíveis ❤️❤️

  6. Onde posso obter arquivos do departamento pessoal de 1976 do banco mercantil de São Paulo comprado agora pelo Bradesco?

  7. Trabalhei, neste grande Banco desde 1969. até 2003 Iniciei em Águas da Prata-SP. e encerrei minha carreira em Campínas=SP

  8. Um artigo maravilhoso, muito bem escrito, muito preciso, à altura do que foi o Banco Mercantil de São Paulo S.A. Parabéns ao José Vignoli. Permitam-me acrescentar um detalhe: quanto ao incêndio referido no texto, eu fui o primeiro a chegar ao local, pois morava perto. Coube a mim telefonar ao pessoal da Diretoria, dando ciência do que estava ocorrendo. A Avenida Paulista, na época, era ainda tão menos voltada aos grandes empreendimentos e às construções de grandes edifícios que eu, para achar um telefone, para ligar ao nosso Vice-Presidente de então, Dr. Luiz de Paula Figueira, precisei ir à pé até o Fasano, na esquina da rua Augusta. O incêndio começou atingindo um estoque de material isolante do sistema de ar condicionado a ser instalado no prédio e afetou mais o elevador da obra, além do recinto onde estava o mencionado material isolante. Curiosidade: o prédio, inicialmente, fora projetado para não ter colunas internas. O Dr. Gastão Eduardo foi quem exigiu que houvesse, ao menos, quatro colunas, pois disse ao projetista: “quem vai trabalhar aqui sou eu e eu quero as quatro colunas”. Pois bem, com o incêndio, o Corpo de Bombeiros exigiu que tais colunas fossem bastante reforçadas.

  9. Trabalhei lá por 4 meses. Por 2 tive que ir com o pé quebrado. Pedi demissão e foi a melhor coisa que fiz pois minha carreira deslanchou depois da minha saída. Lá ficaria estagnado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *