O passado operário é um dos grandes legados e marcos do bairro paulistano do Belém/Belenzinho. No início do século 20, um grande número de fábricas de pequeno, médio e grande porte se instalaram por toda aquela região. Eram tecelagens, cotonifícios, fábrica de vidros e cristais, de móveis, laticínios e até de artefatos derivados da borracha.

Indústrias Scuracchio – Atividades no Brás, Belenzinho e interior paulista.
A grande movimentação de trabalhadores fazia do bairro e seus arredores uma área de intensa movimentação. Por ali nasceram empresas que foram e são sucesso até hoje São Paulo afora.
Passada as décadas, hoje são raras as empresas que mantém suas atividades na região, afinal ao longo das décadas da segunda metade do século 20 o bairro sofreu uma transição de área industrial para residencial e de serviços, sendo que muitas das antigas fábricas foram demolidas dando lugares edifícios, escolas e conjuntos habitacionais.
Algumas destas fábricas desativadas se mantiveram de pé mesmo tendo encerradas as suas atividades. Uma delas é o Cotonifício Paulista:
Localizada no atual número 1651 da Avenida Celso Garcia, a empresa foi construída e inaugurada em 1921. Trabalhando com fiação, tecelagem e tinturaria, o Cotonifício Paulista era apenas mais uma das empresas do rico industrial João Baptista Scuracchio.
De origem italiana, Scuracchio fez fortuna no início do século 20 e também era proprietário de empresas como o Lanifício Scuracchio, em Jacareí, e da Manufatura de Chapéus Imperial, essa última sendo localizada no bairro do Brás, na rua Bresser.
O Cotonifício foi uma das grandes empresas brasileiras do setor de tecelagem, tendo em seu auge centenas de funcionários e um total de 400 teares.
Os números vultosos da empresa também faziam com que seus problemas com a classe operário também fossem superlativos. Na final da década de 1920, por exemplo, eram grandes as reclamações quanto a excessiva carga horária de seus funcionários, com jornadas muitas vezes de até 14 horas diárias. Eram constantes as notícias em jornais de época quanto a insatisfação de seus operários.
A fábrica também sofreria um grande incêndio em 1936, tendo um prejuízo à época estimado em 20 contos de réis.
Os anos foram passando e a empresa foi perdendo relevância até que desaparece do cotidiano fabril paulistano na metade do século 20. Apesar do fim das atividades do cotonifício, seu prédio não fora demolido, permanecendo até os dias atuais.
Entretanto a edificação jamais recebeu qualquer manutenção preventiva em todas estas décadas. A bela fachada com traços art déco e o interior da fábrica foram deteriorando-se e por várias ocasiões seu interior foi ocupado e desocupado por pessoas sem moradia. Na última vez que estivemos no local, em 2018, o imóvel estava novamente ocupado.
Existe uma resolução de tombamento do imóvel, mas até o momento o estudo não saiu do papel. Estamos acompanhando.
Veja mais fotos do Cotonifício Paulista (clique na imagem para ampliar):
SOBRE JOÃO BAPTISTA SCURACCHIO:
Um dos grandes capitalistas*¹ de São Paulo da primeira metade do século 20, João Baptista Scuracchio chegou ao Brasil em 1886. Desenvolvendo suas atividades em São Carlos, no interior paulista, ele logo percebe que precisa mudar para a capital para que seus negócios se desenvolvam mais rapidamente.
Brilhante nos negócios logo se tornou proprietário de várias empresas espalhadas por São Paulo e também inúmeros edifícios pela região central paulistana.
O mais famoso deles o Edifício Clube Comercial, na rua Líbero Badaró, que inaugurado em 1930 possuía inúmeros escritórios, associações, salão de baile e por um tempo foi sede da Bolsa de Valores de São Paulo. O imóvel seria demolido na década de 1960 para a construção do Edifício Grande São Paulo.
No Largo do Paissandu, era proprietário do Hotel Municipal cuja construção ainda existe. Na fachada há uma referência ao extinto cotonifício (mais detalhes clicando aqui).
Scuracchio era morador de um dos grandes casarões da Avenida Paulista, sendo que o seu era localizado no atual 2028 desta referida avenida. Benfeitor, foi um dos responsáveis pela construção, em 1918, da Clínica Infantil do Ipiranga. Seu empenho foi fundamental para o combate à epidemia de gripe espanhola o que lhe rendeu o título de cavalheiro da coroa (italiana) em 1922 e a comenda da coroa italiana em 1928.
O empresário também foi um distinto membro da Associação Comercial de São Paulo.
Nota:
*1 – Capitalista(s) -Termo utilizado no início do século 20 que equivale aos termos empresário ou industrial empregado nos dias de hoje. Caiu em desuso.
Bibliografia consultada:
- Correio Paulistano – Edição 24.656 – 1936 – pp 11
- Correio Paulistano – Edição 25.452 – 25/02/1939 – pp 8
- Il Pasquino Coloniale – Edição 1348 – 1936 – pp 12
- Il Pasquini Coloniale – Edição 1490 – 1939 – pp 17
Atualização – 28/01/2019:
Fomos informados pela leitora Rita Azevedo, moradora das imediações do Cotonifício Paulista, que o imóvel da antiga fábrica começou a ser demolido neste final de semana. Estamos acompanhando o caso e traremos mais novidades conforme as recebermos.
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