A história dos terraços de Congonhas

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Hoje, voar é uma coisa comum, assim como escolher um programa para se divertir ou um lugar para comer em São Paulo. Algo absolutamente banal. Mas não, nem sempre foi assim e um dos programas mais animados de se fazer em São Paulo, para os paulistanos, era frequentar os espaços do aeroporto de Congonhas.

Embarque do Aeroporto de Congonhas em meados dos anos 1960

Ver aquelas máquinas barulhentas percorrerem a pista, decolando ou aterrissando, e depois apreciá-las bem de pertinho era uma festa, tanto para os adultos como para as crianças.

Mas vamos entender um pouco mais desta história. Congonhas nasceu da necessidade, nos anos 1930, de prover São Paulo de um aeroporto. Várias opções de localização foram estudadas, mas prevaleceu a escolha do engenheiro Paulo Mendes da Rocha (pai do famoso arquiteto) que trabalhava na 3ª. Seção da Diretoria de Viação da Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado de São Paulo.

O local escolhido foi a Vila Congonhas, onde a empresa Auto Estradas S/A, que já comercializava lotes naquela área desde o início da década de 1930, havia montado um campo de aviação. Sua inauguração se deu em 12 de abril de 1936 com uma pista de terra, com 300 metros de comprimento por 40 de largura. O convite para este início de atividades aéreas foi publicado nos jornais e nada menos do que oito mil pessoas assistiram, naquele dia, as evoluções aéreas. Temos que lembrar que este tipo de espetáculo era comum na cidade, atraía muito público e que São Paulo tinha vários outros campos de aviação incluindo aí o da aviadora Thereza Di Marzo, cuja história já contamos anteriormente.

Senhoras da família Di Franco desembarcam em Congonhas em 1956

Inicialmente batizado como “Campo de Aviação da Companhia Auto-Estradas” e, logo depois, por “Campo da VASP”, acabou sendo adquirido pelo Governo do Estado que o batizou de “Aeroporto de São Paulo”, já com uma nova pista de terra e com uma área maior,  dada a compra de dois grandes terrenos vizinhos com área de mais de 870 mil metros quadrados.

A estação de passageiros, como se dizia na época, surgiu de um estudo do engenheiro Prestes Maia em julho de 1937, mas, por conta da II Grande Guerra, os planos foram adiados e, finalmente, arquivados em 1943. Neste plano já eram previstos terraços para o público em geral, porém o que de fato passou a existir foi uma modesta construção com um telhado quatro águas e uma torre de controle no meio.

Em 1947 decidiu-se pela construção de um novo espaço para os passageiros, um terminal, com um corpo central e duas asas, uma norte e outra sul, onde, na parte inferior, ficavam as áreas de embarque e desembarque e na parte superior os terraços, que passaram a ser muito frequentados pela população.

Nesta foto a maquete do projeto do Aeroporto de Congonhas, corpo central com dois pavimentos

No corpo central existia no andar superior um grande espaço que se transformou em um salão de eventos (voltado para a rua) e um terraço (voltado para a pista). Acima deste, havia uma área arredondada onde foi instalado o restaurante, também com um terraço que comportava mesas. O salão de eventos era muito bem utilizado pelos mais diversos tipos de festas, desde baile de debutantes, formaturas, bailes de carnaval e até encontros políticos. O uso era intenso e consta que, em 1962, foram realizadas 72 festas no salão de festas do aeroporto.

No restaurante, considerado como de cozinha “internacional”, foram concessionários mais conhecidos os Srs. Luigi Marchione e depois Francisco Mazza, o “Don Ciccilo”, dono de uma cantina homônima e presidente de uma empresa chamada Restaurante Aeroporto S/A. Eu mesmo frequentei o restaurante no final a década de 1980 quando já não era prestigioso, mas, para mim, a diversão era jantar ao som dos aviões e, de tempos em tempos, receber uma rajada de vento com cheiro de querosene de aviação, vinda das turbinas dos 727 da Cruzeiro, dos “Jatões” da Transbrasil, tendo como pano de fundo o som característico dos Viscount da VASP e dos Electra da Varig… Coisa de quem gosta de aviação.

Na foto o restaurante no Aeroporto que pertenceu a Luigi Marchione

Para quem não queria ou não podia frequentar o restaurante existiam as chamadas “prainhas”, apelido dado – segundo consta – pelos cariocas para denominar os terraços nas alas norte e sul do aeroporto e onde os paulistas iam aproveitar o domingo. Aliás, o jornal O Estado de S. Paulo fez uma matéria em 1966 sobre este passeio típico aos domingos e feriados intitulado “Ver aviões faz o domingo diferente”.

A “prainha” da ala norte (ou internacional), ao lado do Pavilhão de Autoridades, foi a primeira a ser desativada no final da década de 1950, pois, no pátio que dava para a pista foi construído um grande salão (cuja versão final ficou pronta na década de 1970) e que cobriu totalmente a visão da pista; já, a da ala sul (ou nacional) foi desativada na década de 1990 e hoje se vê também a pista totalmente obstruída pela construção que abriga a nova área de embarque.

Na foto, a prainha da Ala Sul

O mesmo aconteceu com o restaurante, tanto do piso superior como o que ficava no térreo, além do terraço do andar do salão de festas, que tiveram suas vistas completamente fechadas por conta das novas construções e ampliações do aeroporto. Para ficar mais claro ao leitor, toda a área da antiga construção voltada para a pista hoje se encontra encoberta.

Eram outros tempos, outra dinâmica, mas vale refletir se aqueles terraços serviriam, inclusive, como inspiração para voos mais altos de toda uma geração.

Boa viagem!

Veja mais fotos do Aeroporto de Congonhas e de suas antigas atrações:
clique na fotografia desejada para ampliar

INFORMAÇÕES ADICIONAIS:

*1 – A área total do Aeroporto de Congonhas é de 1.644.267 metros quadrados
*2 – A pista principal mede 1940 metros de comprimento
*3 – A pista auxiliar mede 1500 metros de comprimento
*4 – O “jatão” da Transbrasil mencionado no texto era o avião BAC One-Eleven
*5 – Francisco Mazza era também presidente do extinto Hotel Pão de Açúcar S/A localizado no bairro de Santa Ifigênia.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
* O Estado de S.Paulo – Edição de 8/7/1966
* Aeroporto de Congonhas – Terminal de Passageiros – Histórias da Construção / Bandeira de Mello, Letícia / Prêmio Editorial, 2006
* Revista da VASP “Céu Azul” (sucessora da Viaje Bem) – Matéria sobre Congonhas assinada por Mário B.M. Vinagre

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