A história de Thereza de Marzo e o Aeródromo Ypiranga

Fora dos meios aeronáuticos, ou até mesmo dentro deles, um nome parece não ser muito conhecido ou até mesmo divulgado.

Amante da aviação e sua história, faço aqui o meu mea culpa, uma vez que, ao escrever sobre o pioneiro do voo a vela no Brasil, tive que citar o nome do local do acidente que o vitimou da mesma forma que estava escrito (Tereza de maio) no jornal da época. Não encontrei nenhuma referência, mas fui em frente, na esperança de que algum leitor pudesse ter alguma informação.

A estratégia, se é que podemos chamar assim, deu certo e agradeço aos leitores Antonio Roberto Camargo e Marcos da Silva Carneiro que acabaram “me apresentando” a aviadora Thereza de Marzo, primeira mulher a receber um brevê no Brasil. Uma história fascinante, que pode ser encontrada na internet e em programas dedicados à aviação, mas que é desconhecida do grande público, apesar de seus feitos. 

clique na foto para ampliar

De forma muito breve, Thereza de Marzo e a conhecida aviadora Anésia Pinheiro Machado tiraram o brevê no mesmo dia 9 de abril de 1922, porém, Thereza voou no dia 8, ou seja, antes de Anésia que voou no dia 9 obtendo assim o brevê número 76 enquanto o de Anésia o de número 77. O que fez Anésia ser mais lembrada é o fato de ter continuado a voar por muitos anos mais, ao passo que Thereza parou de voar solo, depois de se casar com seu instrutor Fritz Roesler, em 1926.

Na imagem acima, o brevê de Thereza de Marzo

O casal era bastante conhecido, afinal, o casamento civil “foi paranymphado” pelo então prefeito de São Paulo, Pires do Rio. Mas os tempos eram outros e dizia seu marido que em uma casa não havia espaço para dois aviadores e, assim, Thereza parou de pilotar. Apesar disso ela não se afastou do mundo da aviação. Continuou voando com seu marido e seu casamento durou 45 anos, até a morte de Fritz, que era lembrado por ela com muito carinho.

Na foto Thereza de Marzo e seu marido Fritz Roesler

Thereza foi muito ativa e presente quando da chegada dos aviadores portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral em 1922, participando de diversas recepções, inclusive com a aviadora francesa Adrienne Bolland, a primeira mulher piloto contratada pela empresa Société dés Avions Caudron, a marca de seu avião, um Caudron G3 de 120Hp, carinhosamente batizado de “São Paulo” e que foi adquirido através de subscrição popular organizada pelo jornal A Tribuna de Santos.

Mas e o tal Campo Thereza De Marzo?

Para meu espanto, descobri que, naquele início de século, a aviação civil era uma atividade que atraía muita gente e parecia ser interessante até mesmo investir naquele tipo de atividade. Na cidade de São Paulo tínhamos muitos campos de aviação e uma intensa programação de “domingos aéreos” onde os mais abonados podiam fazer voos panorâmicos com os mesmos ases que se apresentavam em “arriscadíssimos vôos” como dizia uma crônica da época. A revista ARIEL chegou a promover concursos onde o prêmio eram voos panorâmicos e, para promovê-los, chegaram até a expor um dos aviões dos irmãos Robba em plena Praça do Patriarca.

Para ilustrar, posso citar no início da década de 1920 a existência do campo dos irmãos aviadores João e Henrique Robba, em Santana, do Aeródromo Brasil na altura da Rua Pamplona com Rua Estados Unidos, outro campo em Indianópolis do aviador Orton Hoover, além de outro citado na Vila Olimpia e de espaços que eram usados para apresentações aéreas como o Prado da Mooca e a Sociedade Hípica Paulista em Pinheiros. Lembremos que o atual aeroporto de Congonhas surgiu somente em 1936 de uma pequena pista de 250 metros aberta por uma empresa privada chamada S/A Auto Estradas. Foi neste ambiente que Thereza resolve abrir o seu próprio campo de aviação, já em companhia de seu instrutor e futuro marido, Fritz Roesler.

Nota do jornal “A Gazeta” em 08/09/1922

O empreendimento chamava a atenção da imprensa que, através do jornal “A Gazeta”, informava em agosto de 1922 que estava próxima a inauguração do “Aeródromo Ypiranga” de Thereza de Marzo. Finalmente, no domingo dia 15 de outubro de 1922, com a presença e apresentação de diversos aviadores, incluindo a própria Thereza, foi inaugurado o campo, com a presença de um grande público que pode comprar os ingressos com antecedência. Para se chegar ao lugar, existia uma linha de bonde que servia o Ipiranga, facilitando o acesso. Era só pegar o bonde 20 “Fábrica”. Mas onde ficava efetivamente este campo de aviação? Para nossa surpresa, a entrada ficava na esquina da Rua Silva Bueno com Rua do Grito, ou seja, jamais qualquer um de nós poderia imaginar hoje que, neste movimentado lugar, existiu um campo de aviação.

No local funcionava a Escola de Aviação Ypiranga de Fritz Roesler, com um hangar, oficinas, 14 aviões e 4 simuladores de voo. Não era pouca coisa! Foi neste mesmo aeródromo que ocorreu o acidente que vitimou Guido Aliberti, conforme artigo publicado anteriormente aqui no São Paulo Antiga.

Não sabemos quando o aeródromo deixou de funcionar, mas fica aqui mais um registro de uma São Paulo que nos surpreende com tantas histórias e de uma mulher paulista que merece ser sempre lembrada pelo seu espírito aventureiro e sua carreira de tanto sucesso. 

Salve Thereza de Marzo!

Informações:

  • A grafia de seu nome aparece diferente em várias ocasiões, mas preferimos manter a que aparece pintada no hangar de seu campo de aviação, “Thereza de Marzo”.
  • Thereza de Marzo nasceu em 4 de agosto de 1903 e morreu em São Paulo em 9 de fevereiro de 1986.
  • Os restos mortais de Thereza de Marzo Roesler descansam no cemitério do Araça, em São Paulo. 
  • Em 2006 foi fundado o Grupo de Escoteiros do Ar Thereza de Marzo nas instalações do PAMA SP no Campo de Marte. Por alguma razão o nome do grupo escoteiro que ainda existe foi mudado
  • Uma fábrica de bolsas chamada “House of Caju” tem um modelo em homenagem a Thereza de Marzo.
  • Na década de 1970 Thereza morava na Rua Alfredo Pujol, 1.751. Hoje lá existe um prédio residencial “Ilha de Lançarote” e nenhuma referência à aviadora.
  • Adrienne Bolland (1895-1975) foi pioneira na travessia dos Andes entre outras façanhas aéreas
  • A revista ARIEL era editada por Campassi & Camin. Vide https://saopauloantiga.com.br/casa-sotero/
Thereza de Marzo em fotografia de 1922

Bibliografia consultada:

  • A Gazeta – Edições de 08/09/1922 e 16/10/1922
  • O Combate – Edição de 13/10/1922
  • Diário Nacional – Edição de 09/03/1928
  • O Estado de S. Paulo – Edições de 08/04/1972, 07/07/1971
  • Revista da Semana, Julho 1922 – Col. José Vignoli
  • Revista Ariel – Outubro 1926 – Col. José Vignoli
  • A Vida Moderna, Edição de 22/04/1922
  • A Cigarra – Ano 1922 edição 188 e 1927 edição 303

Artigo atualizado em 12/07/2021

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15 respostas

  1. Parabéns pelo registro de uma grande pioneira da aviação e longeva também para aquela época! Admiro seu trabalho…continue assim, ao lado do querido jornalista que poderia nos informar como anda a reforma do instituto SP Antiga. Agradecida

  2. Interessante esse fato do aeródromo. Fiquei curiosa e consultei o mapeamento SARA 1930, que foi produzido entre os anos de 1928 e 1933, e não aparece nada que se pareça com um aeródromo no local próximo ao indicado no texto (R. do Grito X Rua Silva Bueno). Será que teria o aeródromo deixado de existir antes dessa data? Pode ser que sua existência tenha sido realmente muito breve.

    1. Não temos registro do encerramento das atividades do aeródromo, mas não deve ter tido vida longa. Interessante também lembrar que eram pistas curtas e de terra o que pode dificultar ainda mais a localização via SARA.

  3. Muito obrigado Sr. Jose. Uma estória maravilhosa (ou história) que eu como aviador nunca ouvira.

  4. Parabéns Vignoli bela reportagem, sou um ex ‘FABIANO’ e como outros não conhecia-mos a historia da Thereza de Marzo, obrigado.

  5. Sou paulistano e não conhecia esta linda história. Parabéns e meu muito obrigado pelo enorme trabalho de descobrir e divulgar esta linda história!
    Milton de Souza Sanches

  6. Uma pequena correção. O voo solo.de Thereza de Marzo foi um dia antes do voo de Anésia, portanto dia 08 de abril. Os restos mortais de Thereza de Marzo Roesler descansam.no cemitério do Araça, em São Paulo. Em 2006 fundamos o Grupo de Escoteiros do Ar Thereza de Marzo nas instalações do PAMA SP no Campo de Marte. Bem próximo da residência on Thereza de Marzo morou até sua morte em 1986 na Av.Alfredo.Pujol, bairro de Santana.

  7. Puxa, nasci no sacoma e não conhecia também meus avós moravam duas quadras da rua do grito,
    Ok

  8. Uma feliz pesquisa onde se descobre uma corajosa pioneira da aviação brasileira! Parabéns pela reportagem.

  9. Eu que sou ipiranguista desde que me conheço por gente, não sabia da existência desse aeródromo no bairro. Nunca ouvi qualquer referência dos antigos ou de jornais do bairro.
    Obrigado pela informação. Vou repassar ao jornal eletrônico do bairro.

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