Em tempos modernos onde o mapeamento de uma cidade é feito por GPS, ou através de poderosos satélites que são capazes de fotografar até mesmo uma pessoa na rua, de uma maneira relativamente simples, fica difícil imaginar como eram feitas as medições do passado. Mas na cidade de São Paulo, e algumas de suas vizinhas, as formas rudimentares de mapeamento ainda existem, mesmo que boa parte delas estejam relegadas ao esquecimento e ao abandono. Vamos a elas!
Os Marcos de Meia Légua:
Os marcos de légua são resquícios do tempo do Brasil colônia. Embora os marcos sejam de datas mais recentes, no final do século 19, a demarcação destes locais já eram conhecidas pelo menos desde 1769. Foi quando o território da cidade de São Paulo foi demarcado de maneira formal, mediante uma carta de sesmaria conhecida como Marco de Meia Légua. Medida de distância antiga, a légua equivale a 6600 metros. A “meia légua” são portanto 3300 metros.
Foram demarcados os pontos cardeais para assinalar a área da cidade, tendo como início o antigo Largo da Sé. Destes marcos, três são conhecidos e apenas dois sobreviveram até a atualidade. São eles: rua França Pinto (marco sul), rua Silva Bueno (marco sudeste), Avenida Celso Garcia – na época Estrada da Intendência – (marco leste) e algum ponto da rua Voluntários da Pátria (marco norte).
1) VILA MARIANA
Instalado na rua França Pinto já bem na esquina com a rua Domingos de Morais, o marco é um verdadeiro sobrevivente. Bastante danificado pelo tempo e pelo vandalismo, o marco de meia légua da região fica ao lado de um ponto de táxi. Suas quatro faces possui inscrições com distâncias para os pontos que estão a norte, sul, leste e oeste dele. Uma das faces indica a distância para São Paulo, outra para Pinheiros e Santo Amaro, então um município independente, e a outra para Santana.
Abaixo, mais fotos deste marco (clique na foto para ampliar):
2) IPIRANGA
Talvez o mais bem cuidado dos marcos, o marcador de légua do Ipiranga é o único que está protegido por um pequeno cercado. Localizado na altura do número 375 da rua Silva Bueno, é uma espécie de “corpo estranho” da rua.
Poucas são as pessoas que sabem o que aquele marco representa. Não há qualquer identificação oficial explicando aos pedestres e há quem pense que se trate até de uma lápide antiga. Se for para representar um túmulo, representa muito bem a morte de nossa memória histórica.
Abaixo, mais fotos deste marco (clique na foto para ampliar):
3 e 4) BELENZINHO E SANTANA
Destruídos, estes dois marcos hoje só existem nos anais da história. O mapa acima, de 1916, mostra a região do Belenzinho quando o marco ainda existia (a seta aponta para o local onde ele estava instalado). Ele ficava na esquina da Avenida Celso Garcia (mais anteriormente Avenida da Intendência) com a Rua Catumbi.
De todos os marcos era considerado por muitos o mais importante. Tanto que na época influenciou até o nome da região, também chamada como Marco (vide mapa acima). Outra referência importante para este marco era a Chácara Kirsten que ficava muito próxima a ele. Esta chácara foi na época o maior orquidário de São Paulo. O marco foi destruído por um caminhão desgovernado em meados dos anos 50, segundo moradores da região.
No caso do marco norte, em algum ponto da rua Voluntários da Pátria, não foi possível encontrar nenhuma referência de onde ele ficava. Exceto se houver alguma documentação mais “secreta” no Arquivo Histórico de São Paulo, é possível que a referência tenha se perdido.
OS MARCOS DA PLANTA DA CIDADE DE SÃO PAULO
Os marcos usados para fazer a planta da Cidade de São Paulo são ainda menos conhecidos do que os marcos de légua. Por serem diminutos e geralmente fixados a uma parede ou muro passam despercebidos dos olhos apressados dos paulistanos.
Dos vários que existiam espalhados pela capital localizamos apenas três. Um quarto, que sabemos da existência, parece ter sido removido recentemente. Vamos a eles:
1) VILA MEDEIROS
Instalado na parede externa de uma pequena residência da Avenida Boschetti, o marco de numeração RN 36N fica em uma casa tombada como patrimônio histórico da Cidade de São Paulo. A residência é considerada a mais antiga da região e no passado abrigou até um posto médico. Até nossa reportagem ir ao local os moradores desconheciam do que se tratava a marca de ferro na parede. Abaixo uma fotografia da fachada da residência, que mostra como o marco é pequeno (ele está à direita do portão).

Na foto, a seta vermelha indica o local do marco.
2) BELÉM
Encontrar este marco em um monumento não foi fácil. Aliás, mesmo tendo observado esta escultura pela primeira vez pessoalmente em 2008, só recentemente percebi que na base havia um disco do marco da planta da cidade. Ele está no Monumento a Celso Garcia, escultura instalada (e bem mal cuidada) em uma praça da Avenida Celso Garcia, bem diante da entrada do Parque Belém. A seta na foto indica onde está o marco.
Está tão discreto na base e tão escurecido, que jamais reparamos. Retornando ao local foi possível notá-lo. Abaixo uma imagem mais aproximada do marco:
3) RUA DO ORATÓRIO
Este marco foi descoberto pelo leitor Vinicius Campoi, foi ele que notou a existência do marco quando passava pela calçada de uma loja bem na Rua do Oratório, no bairro da Mooca. O marco está instalado nos degraus de entrada do estabelecimento e pode ser conferido nas imagens abaixo.
4) PENHA DE FRANÇA
O marco da Penha é um grande mistério. Ele existia, com certeza, até meados da década de 1980 quando foi feita a fotografia abaixo.
Segundo o fotógrafo o marco ficava na parede externa da igreja velha da Penha, que fica logo na entrada do bairro (vindo do centro) no topo da colina. No ano de 1984 a Cúria Metropolitana de São Paulo decidiu que era hora de colocar a igreja do século 17 no chão. A demolição chegou a ser iniciada e parte da igreja foi destruída. A mobilização de moradores e políticos da região evitou que ela viesse a ser totalmente demolida.
Como o marco de número RN 203N não está mais por lá, é possível que este marco estivesse na parte que foi destruída e depois reconstruída.
5) MUSEU DA IMIGRAÇÃO
E em abril de 2017 acabamos por encontrar mais um destes marcos da planta da cidade. Novamente na Mooca:
Localizado dentro da área do Museu da Imigração, especificamente em seu jardim, este marco é mais dos vários da planta da cidade espalhados pelo município. Embora nossa equipe visite com relativa frequência o museu só agora o localizamos, graças a ajuda da jornalista e especialista em história da Mooca, Elizabeth Florido.
Abaixo mais duas imagens deste marco:
MARCOS DE LIMITES DE MUNICÍPIO:
Os marcos de limite são grandes totens localizados nos antigos pontos extremos da capital paulista, nem no limite desta com algumas das cidades vizinhas. Como são do início do século 20, muitas das localidades citadas nestes marcos ou não existem mais, ou tiveram a grafia de seus nomes alterados ou mesmo os municípios sofreram transformações. Vamos a elas:
1) MARCO N.1
Bem distante do centro da capital paulista, encontra-se o marco N1. Ele fica na divisa entre a Cidade de São Paulo e o antigo município de Juqueri (ou Juquery, na grafia da época):
Muito bem conservado e mantido sempre limpo pela prefeitura de Mairiporã (apesar de oficialmente o marco ser paulistano), o marco mostra uma parte da história de nosso Estado que poucos paulistanos desconhecem.
Até o final da primeira metade do século 20, o município com limite ao norte da capital era o Juqueri, onde era localizado o temível Hospital Psiquiátrico do Juqueri.
No ano de 1948 a cidade foi rebatizada para Mairiporã, que também foi desmembrada e fez surgir outras três cidades: Francisco Morato, Caieira e Franco da Rocha. O Marco N1, portanto, é não só um delimitador geográfico, mas um importante símbolo histórico.
2) MARCO N.4 (demolido)
Embora hoje só tenhamos fotos atualizadas dos marcos N1 e N5, evidente que eles não eram os únicos. Haviam outros que também demarcavam a divisa entre as duas cidades em outros locais. Sabemos da existência de ao menos cinco, mas até o momento de nossa pesquisa só 3 deles foram identificados.
Um deles, que já desapareceu faz alguns anos, é o N4.

Marco N.4 ficava próximo ao Córrego da Traição
Menor que os demais em tamanho, o Marco N4 ficava localizado bem nas proximidades da Vila Olímpia, junto ao córrego da Traição, hoje subterrâneo, sob a Avenida dos Bandeirantes. Não se sabe se foi retirado e guardado ou se simplesmente foi destruído.
3) MARCO N.5
Na Avenida Francisco Morato, altura do número 5100, poucos notam que diante da faixa de pedestres existe este antigo marco de limite do município.

O marco N5 foi recuperado pelo site São Paulo Antiga
O marco número 5 (N5) delimitava a divisa entre os municípios de São Paulo e Santo Amaro. Era neste ponto que a capital paulista terminava (nesta região) e do outro lado do marco estava Santo Amaro, município paulista que na década de 30 foi incorporado à nossa cidade.
No totem é possível identificar não apenas os limites de município, como também os locais que era possível atingir para cada direção:
Observando o marco no sentido de Santo Amaro é possível observar as inscrições “M.Boy” que é o atual município de Embu (das artes) e também a indicação para Itapecerica (da Serra). Do lado oposto observa-se as inscrições São Paulo 10K (distante 10 quilômetros) e Pinheiros 6K (distante 6 quilômetros).
Nota: O N5 esteve vandalizado e pichado por mais de uma década e foi recuperado por um trabalho voluntário realizado pela equipe do site São Paulo Antiga.
MARCO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO
Outro importante marco urbano está na vizinha cidade de São Bernardo do Campo. Muito parecido com o marco de légua paulistano, o de São Bernardo é uma réplica do original, pois aparentemente o primeiro foi destruído de forma acidental. Diferente da capital paulista onde o marco do Belenzinho foi destruído e jamais foi recolocado outro no lugar, ali colocaram outro e junto a ele uma placa de granito que fornece mais algumas explicações.
Na porção frontal do marco lê-se a distância para a Cidade de São Paulo, de 19 quilômetros. Do lado esquerdo é possível ler a inscrição E.E 1.9K, que possivelmente significa a distância até o que era na época a Estrada Estadual, ou a Rodovia Anchieta.
Fizemos a distância entre este marco, instalado na rua Marechal Deodoro e a rodovia e a distância foi mais ou menos esta. Por fim do lado direito lê-se ALT 7567, que possivelmente identifica a altitude da cidade naquele ponto. Tomando por referência a altitude da Estação Ferroviária de Santo André (a mais próxima a este ponto e que era a mesma cidade no passado) a altitude por lá é de 743,650 metros, deduzimos que a numeração é 756,7 metros.
Veja mais fotos do marco de São Bernardo (clique na foto para ampliar):
OS MARCOS DE ITAQUAQUECETUBA
Localizados às margens da movimentada Rodovia Henrique Eroles, bem no início do município de Itaquaquecetuba, os dois grandes marcos de cor azul parecem dois “estranhos no ninho” para quem está próximo a ele.
Mal cuidados, os obeliscos gêmeos são possivelmente os principais monumentos históricos da cidade, mas nem por isso parecem receber alguma atenção das autoridades locais.
A pequena praça onde estão instalados está sempre repleta de lixo e até de despachos. Uma das placas celebrativas do monumento já recebeu tantas demãos de tinta que é impossível de ser lida (foto abaixo). Muitas pessoas pensam que este monumento é o marco da antiga Estrada São Paulo-Rio, inaugurada em 1928, mas na verdade, trata-se um marco rodoviário um pouco mais antigo.
O totem marca a inauguração do que seria o embrião da São Paulo-Rio, a Estrada de Rodagem São Paulo – Jacarei.
Inaugurada por Washington Luiz em 14 de outubro de 1922, a Estrada de Rodagem São Paulo – Jacarehy foi um grande marco no progresso da região, à época ligada a capital de uma forma um pouco mais rudimentar.
A estrada, de fato, não começava ali mas no bairro do Belenzinho, então o limite urbano da capital e dali passava por Penha de França, São Miguel Paulista e só então chegava ao local deste marco, que na época ainda era o município de Mogi das Cruzes.
Com o tempo houve a emancipação de Itaquaquecetuba, em 1953, e o monumento deixou de ser de Mogi para ser da nova cidade.
Entretanto o tempo foi passando e o monumento parece ter caído no esquecimento de autoridades, pois o que era para ser um motivo de orgulho da cidade, já que a nova estrada e posteriormente a estação ferroviária foram os grandes impulsionadores do que viria a ser o novo município, parece não ter muita importância.
Por que lidamos de uma forma tão estúpida com a nossa história ? Fica aqui a pergunta.
Veja mais fotos dos Marcos de Itaquaquecetuba (clique na foto para ampliar):
O MARCO DE MAIRIPORÃ
Construído na mesma época que os já citados marcos existentes em Itaquaquecetuba, o marco presente na Rodovia Fernão Dias está localizado na pista sentido Belo Horizonte – São Paulo e é pouco notada pelos que por ali trafegam.
Colocada em um trecho bastante sinuoso, já teve sua placa de bronze retirada e há mais de uma década não recebe pintura ou manutenção.
O MARCO DO TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO
Localizado no município de Guarulhos, altura do bairro de Bonsucesso, na margem do sentido São Paulo da Rodovia Presidente Dutra, está um marco que se não é tão importante para nossa história como os demais anteriores é, ao menos, muito curioso.
Não se trata exatamente de um “marco esquecido“, mas sim de um marco muito pouco conhecido: o Marco do Trópico de Capricórnio.
Instalado m meados da década de 70 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) serve como referência física a passagem do trópico. Segundo apuramos existem vários destes marcos espalhados pelo Brasil, sendo em alguns lugares em forma de obelisco, como este, ou em forma de placa fixada ao chão (similar a placa de trânsito).
Como ele está próximo a entrada de uma grande empresa, está sempre limpo e bem cuidado. Entretanto, como é possível observar na fotografia, não escapou ileso ao vandalismo e apresenta-se pichado.
Veja mais fotos deste marco (clique na foto para ampliar):
Atualização – Janeiro de 2018: Entre 2016 e 2017 foram realizadas diversas obras neste trecho da Rodovia Presidente Dutra com o objetivo do alargamento da pista, pelas laterais.
Durante a obra o marco foi removido e esperávamos que ele fosse realocado mais junto à nova calçada o que não aconteceu. O São Paulo Antiga contatou por diversas vezes a assessoria de imprensa da Concessionária Nova Dutra sobre o destino do marco e não recebemos resposta.
Atualizaremos o texto caso tenhamos novidades.
MARCO DO CAMINHO DO MAR
Hoje fechado ao tráfego de veículos o Caminho do Mar foi por muito tempo o único elo de ligação entre o planalto e o litoral paulista.
Na década de 1920 em comemoração ao Centenário da Independência do Brasil foram instalados diversos monumentos durante o percurso desta rodovia, entre elas foi instalado também o marco da própria estrada de rodagem, em 1924. O marco (foto acima) está instalado bem próximo ao Pouso Paranapiacaba.
A Rodovia Caminho do Mar (nome oficial) também é conhecida como SP 148.
Este é um trabalho em andamento!
Desde que iniciamos a publicação deste artigo, em julho de 2014, quatros novos marcos foram adicionados através de envio ou sugestões de leitores. À medida que novos marcos forem encontrados, iremos atualizar o texto. Fique de olho.
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