˝Ninguém sai vivo da vida˝
Quando fui informado do falecimento do grande Dr. Milton Bednarski, esta frase acima foi a primeira coisa que me veio a cabeça, lembrança do dia que eu o encontrei pessoalmente pela primeira vez. E recordo-me até hoje do quanto foi demorado e difícil para o conhecer.
Porém, antes de contar como foi nosso primeiro contato e o início de nossa amizade, apresento a vocês a biografia deste ilustre paulistano
Paulistano nato, nascido no bairro do Bom Retiro, Milton Bednarski viveu toda a sua vida neste bairro, o qual sempre amou. Quando criança viveu com seus pais na esquina da rua Bandeirantes com Afonso Pena, e na vida adulta, até seus derradeiros dias, em um edifício da rua da Graça.
Foi ainda na adolescência que Bednarski desenvolveu uma paixão enorme pela investigação policial e pela história dos crimes. Ele trabalhava como encadernador na empresa de seu pai, onde um dos principais clientes era a polícia paulista. Ali, deliciava-se folheando os processos que encadernava e um deles em especial chamou-lhe tanto a atenção, que o motivaria a seguir carreira na polícia: o crime da mala.
A tragédia de 1928, onde Giuseppe Pistone matou, esquartejou e despachou sua mulher em uma mala, choca até hoje, mas em Milton Bednarski despejou não só uma curiosidade juvenil, mas que se transformaria em uma das grandes obsessões de sua vida.
O amor pela investigação policial levou-o a juntar-se a Polícia Civil em 1947. Surgia ali a brilhante carreira daquele que considero, sem hesitar, o maior investigador de polícia da história de São Paulo.
Brilhante é o mínimo que se pode dizer de sua trajetória como policial. Em toda sua carreira Milton Bednarski fez mais de 600 prisões, que com toda a certeza fez de nossa São Paulo uma cidade muito mais segura.
Entre estas 600 prisões, inclui-se alguns dos mais perigosos e temíveis criminosos de nossa história, como Chico Picadinho, Bandido da Luz Vermelha e o excêntrico Gino Meneghetti.
Em sua trajetória como policial civil, ostentou até seus últimos dias um currículo que dificilmente será superado, mas que será sempre lembrado e admirado. Durante 20 anos, integrou as equipes da Delegacia de Roubos do Departamento de Investigações, posteriormente Divisão de Crimes contra o Patrimônio do DEIC.
Mesmo após aposentar-se da Polícia Civil na primeira metade da década de 80, Bednarski não deixou jamais de ser um investigador persistente e brilhante.
Formou-se em direito e continuou a pesquisar e investigar muitos dos crimes que ajudou a desvendar, e estudou muitos crimes que eram anteriores a sua entrada na polícia, como o Crime da Rua Apa, a vida de Febrônio do Brasil ou mesmo a tragédia do Cine Oberdan.
Tal aprofundamento nos estudos fez de Milton Bednarski uma pessoa única. Sabia de cor todos os crimes que solucionou e conhecia de cabeça a data de grandes casos policiais paulistas. Não foram poucos os casos que, mesmo encerrados pela polícia há décadas, foram pesquisados paralelamente por ele de maneira particular em seus dias de folga. Todos estas pesquisas eram catalogadas, encadernadas e guardadas em seu escritório com muito zelo.
Visitar seu escritório aliás, era uma experiência única, quase surreal, de tantas coisas interessantes e, algumas vezes, bizarras que ele possuía.

O escritório de Milton Bednarski, em São Paulo (2014)
Colecionador inveterado, Milton tinha de tudo em seu escritório. Colecionava embalagens de cigarros, uma de suas maiores paixões, além de telefones antigos, cadeados, livros, fotografias e muitos objetos curiosos, adquiridos geralmente nas feiras de antiguidades espalhadas por São Paulo. A cada visita que se fazia em seu escritório, encontrava-se algum novo objeto recém adquirido.
De todas as suas prisões, orgulhava-se muito da que tirou Chico Picadinho das ruas. Sobre Gino Meneghetti, costuma contar as diversas provocações que este fazia aos colegas de Milton na corporação quando não estava preso, como passar diante de algum bar repleto de policiais pelo centro e proferir algumas ofensas aos oficiais da lei.
Nos últimos anos de sua vida, mesmo doente, Dr. Milton Bednarski ia diariamente dar expediente em seu escritório, em um prédio da rua Ribeiro de Lima, no seu amado Bom Retiro.
O meu terceiro avô…
Tive dois avôs maravilhosos e que foram embora muito cedo, mas há anos costumo dizer que fui felizardo o bastante para ter um terceiro avô na minha vida. E esse avô é o meu estimado Dr. Milton Bednarski.
Conheci-o no final de 2010, quando o site São Paulo Antiga ainda dava seus primeiros passos. Cheguei até ele quando pesquisava para o artigo sobre a Tragédia do Cine Oberdan, ocorrida em 1938. Todas os meus resultados davam ele como fonte principal.
Fui até o Museu do Crime, criado por ele na década de 1990, para tentar encontrá-lo e fui informado na recepção, de que ele não ia ao local todos os dias. Deixei um cartão meu com a recepcionista e pedi para que entregasse a ele.
Foram dois meses de hiato entre a entrega do cartão e sua ligação de retorno. Lembro-me de sua voz altiva no telefone, querendo saber o que eu tinha para falar com ele. Me apresentei e expliquei meus motivos e ele convidou-me para uma visita a seu escritório para poder entrevistá-lo na semana seguinte.
No dia marcado eu estava lá, e foi um dia que jamais vou esquecer. Minha visita que duraria uma hora, se muito, acabou durando cinco. Descobri no Dr. Milton, um senhor de então 81 anos, o espírito de um jovem policial e historiador nato.Esse foi o início de nossa amizade que, se dependesse de mim duraria pelo menos uns mil anos.
Nestes seis anos de amizade fizemos de tudo um pouco. Visitamos cemitérios em busca de pistas históricas, comemos em muitos restaurantes e lanchonetes, revisitamos inúmeros palcos de crimes famosos, e ficamos por horas sentados, conversando sobre casos e fatos históricos de São Paulo.
Com Dr Milton Bednarski aprendi mais do que poderia imaginar sobre fatos importantes da história paulista, dos crimes que abalaram São Paulo e principalmente da importância de uma grande amizade.
Em 21 de agosto de 2016, aos 86 anos, Dr. Milton Bednarski nos deixou para sempre vítima de um infarto fulminante. Deixa na família esposa, filha e neta e aqui um amigo órfão de sua rica, querida e sincera amizade. Afinal, como ele me dizia ˝ninguém sai vivo da vida˝.
Muito obrigado, Dr Milton!
Um vídeo que nos deixa ainda mais com saudades do nossa eterno amigo:
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