Casa Di Franco

Mais uma loja do triângulo da cidade de São Paulo, que teve sua importância esquecida pelo tempo, mas que, agora, resgatamos.

Na foto: fachada da Casa Di Franco, Rua São Bento

Estávamos no início do século XX e São Paulo, apesar de ainda bastante provinciana em comparação ao Rio de Janeiro, tinha uma vida artística bastante importante, com diversos teatros espalhados pela cidade, além de algumas lojas, na época, chamadas de “casas” que comercializavam instrumentos musicais e partituras.

Naquela época e até algumas décadas atrás, o estudo de música, mais concentrado no piano e no violão, fazia parte da educação complementar, em que os jovens e, principalmente, as senhoritas tinham como dote o aspecto artístico de tocar um instrumento musical. O ensino acontecia em casa ou fora. Hoje é raro de se ver, mas ainda é possível encontrar fachadas onde há uma placa indicando “Leciona-se piano” ou “Leciona-se violão”.

A Casa Di Franco era uma destas lojas e seu proprietário, Antonio Di Franco, italiano de Aversa (Região de Nápoles) chegou muito jovem ao Brasil em 1896, com 19 anos, para trabalhar com aquilo que o apaixonava, a música.

Na fotografia: Antonio Di Franco

Iniciou suas atividades fabricando violões na Travessa do Brás (atual Rua Jairo Góis) e depois bandolins, quando, em 1906, o negócio passou a ter a denominação “A. Di Franco” em seu novo endereço na Rua do Gasômetro.

Em agosto deste mesmo ano se casou com Emma Rangoni, filha do jornalista e advogado Domenico Rangoni (não confundir com o padre Domenico Rangoni que dá nome a uma rodovia da baixada santista), um homem muito ativo na comunidade italiana, que prestava assistência jurídica aos imigrantes, foi o fundador do jornal “Messagero” em 1891 e da Companhia Editora Ítalo-Paulista que editava a revista “Italia e Brasile”, além de manuais para imigrantes em São Paulo e Bolonha (Itália), participando também da comissão de educação no “Congresso delle societá e altre istituzioni italiane” (1904), secretário da junta executiva do hospital Umberto I (Matarazzo) entre outros trabalhos.

Sua atividade comercial progrediu, o que possibilitou a abertura de uma loja, o “Estabelecimento Musical A. Di Franco” na Rua São Bento. Já em 1910 anunciava ser fornecedora do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo – o que demonstra a credibilidade já conquistada e que seria crescente uma vez que quando de sua morte, em 1921, a revista Pasquino Mondano classificou a loja como sendo “il centro dell’intellettualitá musicale di San Paolo”.

A loja comercializava tudo que era relativo a música, como partituras dos mais diversos editores,  sendo representante de  Schott Frères de Bruxelas e A. Calzelli de Paris. Posteriormente passou a ter sua própria oficina gráfica onde também editava partituras.

vista do interior da loja (clique na foto para ampliar)

Trabalhava com instrumentos musicais e seus acessórios, sendo que o destaque ficava por conta dos pianos, uma vez que era representante exclusivo de algumas marcas de pianos como Cecilian e Colby-Pianos e mais tarde dos alemães Blüthner, além de ser importador de outras marcas. Até hoje podem ser encontrados pianos com letras incrustadas que apresentam “A. Di Franco – Importador São Paulo” ou “A. Di Franco & Cia. São Paulo”.

pianos expostos para venda (clique na foto para ampliar)

Como referência da importância da loja em sua época e não apenas da sua a participação no mundo da música, a Casa Di Franco abrigou a exposição de trabalhos de diversos artistas, tais como Antonio Rocco (1916) e Di Cavalcanti (1920) que lá fez uma exposição de caricaturas.

Em sua passagem por São Paulo, em 1917, o mais famoso tenor de sua época e, quem sabe, de todos os tempos, Enrico Caruso, visitou a Casa Di Franco no dia seguinte de sua primeira récita (24/9/1917) quando fez e presenteou uma caricatura para Antonio. Além de tenor, Caruso era caricaturista.

Caricatura de Antonio Di Franco por Enrico Caruso

Antonio Di Franco adoeceu na Europa durante uma viagem quando foi negociar a representação de outras marcas de pianos na Alemanha.

Retornou ao Brasil pouco antes de falecer, em novembro de 1921, mas as atividades da loja continuaram sob a administração de seu genro Giovanni Campassi onde também artistas musicais frequentavam e tocavam, como Ernesto Nazareth, Tubinambá, Eduardo Santos, entre outros, incluindo o maestro Gaó (Odmar Amaral Gurgel) que iniciou sua careira na Casa Di Franco como pianista.

demais instrumentos à venda no estabelecimento (clique para ampliar)

A Casa Di Franco acabou desaparecendo, diante do crescimento de outra loja mantida por Giovanni Campassi, a Casa Sotero, à qual dedicaremos outro artigo em breve.

Veja mais fotos da Casa Di Franco (clique na foto para ampliar):

Extra: Abaixo veja uma fotografia atual de um piano comercializado à época pela Casa Di Franco:

Bibliografia:

* Italianos no Brasil, Franco Cenni – Livraria Martins Editora, São Paulo. 1959
* Enciclopédia Itaú Cultural CASA Di Franco (São Paulo, SP). In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Link visitado em 02/04/2020
* Jornal A Fanfulla
* Revista Paquino Mondano
* Enciclopédia Musical Brasileira

Agradecimentos:

* Sávio Gonçalves Luthieria em pianos. Goiânia (GO) – Link
* Martinho da Silva Prado

Compartilhe este texto em suas redes sociais:
Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn
Siga nossas redes sociais:
pesquise em nosso site:
Cadastre-se para receber nossa newsletter semanal e fique sabendo de nossas publicações, passeios, eventos etc:
ouça a nossa playlist:

29 respostas

  1. Maravilha, existe até uma coincidência tive um genro da cidade dele Aversa belíssimo trabalho restaurando esse tema

  2. Eu tenho a partitura duma canzonetta italiana publicada pela casa A. Di Franco que é parte integrante de minha primeira compra no Sebo do Messias quando a loja estava no início da Rua da Glória: a música é particularmente bonita e se chama “Primavera di Bacci” (Primavera de Beijos): foi impressa em 1910.

  3. Sr. José Vignoli, que bela matéria!!! O catálogo da A. di Franco, após passar para Campassi & Camin (Casa Sotero/CEMB), pertence agora aos editores Irmãos Vitale. Eu tenho diversas imagens de logotipos da A. di Franco e em uma delas consta que a casa foi fundada em 1904. Ela esteve sediada em 02 números na Rua São Bento: nº 50 e nº 59. Aguardo ansiosamente pela matéria sobre a Campassi/Sotero. Um forte abraço.

      1. Caro Marcelo, Não sei dizer. Minha ligação familiar é com os Di Franco e os Campassi. Os Campassi tem pouquíssima informação, então dependemos de pesquisar.

      2. Marcelo, boa tarde. Sei apenas que o nome era Pedro Camin. Além de editor (em conjunto com G. Compassi), também era compositor. Abraços

        1. Opa… Corrigindo: G. Campassi (em algum momento, ele aportuguesou o nome de Giovanni para João Campassi).

        2. Marcelo, boa tarde. Complementando a informação… nome completo é Pedro Angelo Camin. Abraços.

  4. Nos anos 50 talvez já não existisse
    Época da casa Beethoven. Vitale. Bevilacqua
    Wagner.

    1. Odilon, boa tarde. Onde era a Casa Vitale (Rua Quintino Bocaiúva) hoje é a Casa Amadeus. Abraços.

  5. Sr. José… Campassi & Camin – CEMB na Av. Brig. Luiz Antônio nº 51 e nº 68 (como G. Campassi & Cº), também na Rua Líbero Baradó nº 135 e depois na Rua Taguá nº 14 e nº 20 * Casa Sotero de Souza – Rua Direita nº 37 e nº 47, Rua Líbero Badaró nº 135 e depois na Rua São Bento nº 195. São Paulo também teve a Casa Levy (Rua da Imperatriz nº 34 e depois Rua XV de Novembro nº 33 e nº 50-A), Casa Manon (primeiro na Rua Boa Vista nº 162 e depois na Rua 24 de Maio – não lembro o número), Casa Wagner (Rua Líbero Badaró nº 388), F. De Rosa (Rua Álvaro de Carvalho nº 5-A), Casa Bevilacqua (Rua São Bento nº 14 e nº 26 e depois Rua Direita nº 13, nº 17 e nº 115), G. Ricordi & C./Parlophon (Av. Brig. Luiz Antônio nº 21), A Musical (Rua João Briccola nº 36), Casa Beethoven (Largo da Misericórdia nº 36 e Rua Direita nº 25), Casa Vitale (Rua Quintino Bocaiúva nº 234), ARS/Andrade & Renzetti (Ladeira São Francisco nº 22 A e Rua Bom Pastor nº 147), Casa Mignon (Rua General Carneiro nº 30), Casa Christoph (Rua São Bento nº 35), Mangione (Rua Brigadeiro Tobias nºs 96 e 102), Editora Tupy (Rua 7 de Abril nº 176). Se o senhor tiver informações sobre estas Casas Editoras de música, será maravilhoso conhecer as histórias. Abraços.

    1. A casa Levy ainda continua, e é bom lembrar que as atividades culturais promovidas pelos irmãos fora intensa. Inclusive, estou para pedir que afinem meu piano, kk

      1. Ao que pude saber o nome Casa Levy foi preservado, mas sem ligação com os proprietários originais. A confirmar.

      2. Mário, boa tarde. Tens razão. A Casa Levy ainda está em plena atividade, com sede na Rua Girassol. No site deles tem um vídeo muuuuuito bonito com a história da casa. Abraços!!

    2. A Casa Mignon era a antiga Casa Pietro Mascagni. Ela foi adquirida pelo maestro Francisco G. Russo, que também foi proprietário da Casa Wagner.

    1. As fotos das quais publicamos algumas. Partituras ainda podem ser encontradas nos sebos. Ainda é possível encontrar pianos em funcionamento e recentemente restaurados. Por incrível que pareça existe mais material sobre a Casa Di Franco do que de sua – de alguma forma – sucessora Casa Sotero que chegou a existir inclusive no Shopping Iguatemi de São Paulo.

    2. Nada da loja em si. Ao menos temos estas fotos e as partituras que ainda podem ser encontradas e são utilizadas até hoje, além dos pianos que também podem ser encontrados.

  6. Magnífica matéria! Nossos antepassados italianos contribuíram muito para São Paulo. Parabéns, Prof. José Vignoli e à “São Paulo Antiga”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *