A história da Praça do Patriarca

O final do século 19 e a virada para o século 20 foram marcas cruciais para grandes mudanças na região central de São Paulo, com a transformação de uma cidade que se antes parecia pequena, acanhada para uma capital, agora começava a tomar ares mais cosmopolitas embora ainda muito distante de outras capitais sul americanas como Montevidéu e Buenos Aires.

São Paulo ainda era uma capital “baixa” com edifícios que raramente ultrapassavam os três pisos, sendo que nos primeiros anos do século passado a mais alta torre do chamado “triângulo histórico” era a da central telefônica, na Rua Benjamin Constant, como mostra esta foto feita em 1909 onde pode ela se destaca.

Viaduto do Chá e arredores em 1909, com a torre da central telefônica da cidade circulada em vermelho (clique na foto para ampliar)

Assim as mudanças chegaram no então novo século, trazendo planos ambiciosos para remodelar a cidade e modernizando-a, ao gosto de uma elite que deseja espelhar aqui cidades europeias, é verdade, mas que mesmo assim a transformou por completo. Surgiram novos edifícios, novas obras viárias (como o Viaduto Santa Ifigênia), o Theatro Municipal entre tantos outros empreendimentos.

Contudo como pode ser visto na imagem acima, o Viaduto do Chá terminava (ou começava dependendo do lado que você está) em uma área um tanto quanto “apertada” do centro velho, junto à ruas Líbero Badaró que nem pode ser vista na foto. Era necessária uma remodelação daquela área, dando mais abertura para o viaduto e facilitando a circulação de bondes e veículos.

A fotografia abaixo, de 1912, mostra o quando era estreita a conexão do Viaduto do Chá com a Líbero Badaró, observe como era tudo muito estreito e sem opções de escoamento de tráfego:

Ao fundo, do outro lado do viaduto, os teatros São José e Municipal

Para resolver esse problema a câmara municipal inicia alguns debates sobre o que fazer para aliviar a saída do Viaduto do Chá do lado do centro velho, já que do lado oposto o viaduto terminava na esplanada do Theatro Municipal (que em 1928 teria alterada sua nomenclatura para Praça Ramos de Azevedo), bem espaçosa.

Foi assim que surgiu o projeto que criaria um largo ou uma praça do lado do centro velho do Viaduto do Chá, demolindo algumas construções ao redor da saída da ponte e ampliando a área, desafogando a área da Rua Líbero Badaró e o acesso às ruas Direita, Quitanda e São Bento, a época das mais movimentadas vias de toda a cidade. A área destas ruas acima citadas era conhecida pelos paulistanos como “Quatro Cantos” por ser o único cruzamento do centro velho em ângulo reto.

Nesta foto de 1910 é possível observar os prédios que foram demolidos para a construção da praça (seta vermelha) e a sede antiga do Mappin, (que sobreviveu até meados dos anos 1950) ao fundo (seta azul) como referência. (clique na foto para ampliar)

Assim sendo surge em 1912 o que viria a ser a nova praça do centro velho, ainda sem nome. As edificações na região, precisamente na Rua São Bento, Direita e Líbero Badaró, são desapropriadas e ali surge uma área aberta ainda sem qualquer melhoria que a faz parecer realmente uma praça pública.

A demora da prefeitura paulistana em realmente dar um ar de praça ao novo espaço aberto gera críticas da imprensa, que lamenta a lentidão do poder público em urbanizar de fato o local. O primeiro passo do governo municipal, no entanto, não é remodelar a área da futura praça e terminar as obras de vez, mas batizar o local, sendo em 24 de abril de 1922 oficializado o nome de: Praça do Patriarca José Bonifácio, inspirando-se no fato daquele ano se comemorar o centenário da Independência do Brasil. Abaixo você confere a publicação da lei.

Com isso, já havia se passado toda uma década e a tal praça ainda não podia ser chamada de fato como uma praça.

Embora com nome a quase praça segue parada e sem novidades, com novas críticas da imprensa e da população com a morosidade pública. Somente três anos depois do “batismo” a prefeitura paulistana se movimenta para finalmente estruturar e adequar a área, que ficava cada vez mais movimentada de gente e de veículos, reflexo de uma cidade que crescia mais e mais.

Abaixo, duas publicações: a primeira do jornal Correio Paulistano, em 20 de fevereiro 1925, com a sessão ordinária da Câmara Municipal daquele ano, onde finalmente são aprovadas as verbas e as especificações para a configuração da Praça do Patriarca José Bonifácio. A segunda, do jornal O Combate, com críticas da morosidade e com uma breve descrição do projeto da praça, que teria sido idealizada por Rudge Ramos.

Assim, 13 anos depois de sua abertura, o espaço finalmente recebe as obras que lhe darão o ar de uma praça de fato, um atraso gigantesco que é bem típico das obras públicas do Brasil. Com a verba liberada a obra de urbanização do largo vazio se acelera e é concluída no início do ano seguinte, em 13 de janeiro de 1926, com a inauguração do monumento projetado por Ramos de Azevedo, no centro da nova praça, batizado de Lampadário.

Na galeria a seguir é possível conferir a nota no jornal sobre o lampadário e duas imagens com ele em destaque no centro da praça (clique nas imagens para ampliar):

Uma vez concluída de fato a Praça do Patriarca rapidamente se transformou em um popular local do centro paulistano, com a valorização da região que recebe a partir deste momento uma leva de novas edificações, entre elas a nova sede das Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo (IRFM) que é inaugurada em 1939 no espaço da antiga Rotisserie Sportsman. Na praça que já tinha a sede antiga do Mappin, chega também outros importantes estabelecimentos como a Casa São Nicolau.

Praça do Patriarca em 1936, com destaque para as obras da futura sede das IRFM ainda em construção

A PRIMEIRA REFORMA DA PRAÇA:

A Praça do Patriarca não fica muito tempo com sua configuração original que surgiu em 1926. Na década seguinte começa uma nova reformulação da capital, agora liderada pelo novo prefeito de São Paulo, Francisco Prestes Maia (1938 a 1945). É dele em conjunto com o engenheiro João Florence de Ulhôa Cintra o famoso Plano de Avenidas de São Paulo, divulgado em 1930 e que prometia mudar a cara da cidade por completo.

Nessa reformulação surgirá em 1940 a Galeria Prestes Maia, instalada sob o Viaduto do Chá onde um dos acessos, o principal, se dará pela Praça do Patriarca. Assim o belo lampadário projetado por Ramos de Azevedo é demolido para dar lugar a entrada da galeria.

A Praça do Patriarca em meados da década de 1940 já com o acesso da Galeria Prestes Maia e sem o lampadário (clique para ampliar)

A SEGUNDA REFORMA DA PRAÇA:

Apesar da lamentável remoção do lampadário, que não foi transferido para nenhum outro lugar da cidade, a praça continuou bonita com seu mosaico português e a charmosa entrada da galeria. O local também já tinha se consolidado como um importante ponto final de várias linhas de ônibus paulistanas, algo que perduraria até os anos 2000. A praça estava consagrada como uma das principais da cidade, talvez apenas atrás em relevância da Praça da Sé.

Na década de 1950 dois novos edifícios vão mudar completamente a cara da praça, mesclando arranha-céus modernos com os prédios antigos. A velha sede do Mappin e o pequeno edifício de esquina com a Líbero Badaró, vizinho à igreja de Santo Antônio, são demolidos dando lugar respectivamente ao Edifício Barão de Iguape (1959) e o Othon Palace Hotel (1954).

Nesta mesma década uma mudança para pior: sai a pequena e charmosa entrada da galeria Prestes Maia existente desde sua abertura, para uma nova entrada de linhas retas e pouco atraentes. A fotografia abaixo mostra a nova entrada e logo atrás dela o Edifício Barão de Iguape. Já o Othon está bem no canto direto da foto.

A Praça do Patriarca em 1959 / Foto: Arquivo Nacional (clique para ampliar)

Outra importante mudança na praça só viria em 1972. Demorou para alguém se tocar do fato que fora o nome, não havia qualquer lembrança ao patriarca da Independência do Brasil no local. As referências antigas estavam escritas na base do já demolido lampadário, que tinha o brasão da cidade de São Paulo em uma de suas faces e a homenagem a Bonifácio em outra.

Assim com a proximidade das celebrações do sesquicentenário da Independencia do Brasil, a comunidade libanesa em São Paulo doa um monumento para a cidade, o Monumento a José Bonifácio, que é instalado bem diante da saída da galeria, no centro da praça. A fotografia abaixo, do início da década de 1990, mostra onde a escultura ficava originalmente.

clique na foto para ampliar

A década de 1990 mostrada na fotografia é, sem dúvida, o ápice da decadência da Praça do Patriarca. Pode-se dizer que ela foi reduzida a um apertado calçadão com pouco área livre para o que se espera de uma praça, com inclusive uma banca de jornal ocupando um bom espaço dela.

A instalação de coberturas para os pontos de ônibus também contribuíram para a degradação da praça, que só seria revitalizada anos mais tarde em uma terceira, e até o momento derradeira, reforma.

A TERCEIRA REFORMA DA PRAÇA:

No início dos anos 2000 surge a discussão para recuperar a praça, que estava feia, suja e largada. Ideias são propostas e eis que em 2002 uma reformulação controversa transforma o local por completo. Sai a estrutura construída na década de 1950 e entra uma nova em aço.

O projeto desenvolvido na gestão da prefeita Marta Suplicy (2001 a 2005) foi idealizado pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha (*1928 +2021). Desde então a praça mantém a nova configuração, sem alterações, mas até hoje a nova cobertura divida opiniões quanto a sua praticidade e beleza.

A Praça do Patriarca atualmente (clique para ampliar)

CURIOSIDADES

1 – Durante a Revolução Constitucionalista de 1932 a Praça do Patriarca foi um importante ponto de arrecadação da campanha “Ouro para o Bem de São Paulo”. Ali foi instalado um grande totem em madeira com a imagem de um bandeirante e a frase “ouro é vitória”, para estimular a doação do nobre metal para os esforços revolucionários.

2 – Originalmente o local era chamado de “Praça do Patriarca José Bonifácio”. Contudo eram poucos os que chamavam pelo nome completo, sendo que até anúncios só usavam a forma curta. Sendo assim, em 1953, o nome oficial foi alterado para apenas Praça do Patriarca.

3 – As escadas rolantes instaladas em 1955 no acesso da Galeria Prestes Maia pela Praça do Patriarca, foram as primeiras da cidade. Naquela época as pessoas marcavam de ir até lá para conhecer e andar na novidade.

Totem instalado para a campanha do ouro da Revolução Constitucionalista, em 1932

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

* Correio Paulistano – Edição de 25/4/1922 pp 5
* Correio Paulistano – Edição de 26/4/1922 pp 5
* Correio Paulistano – Edição de 23/9/1924 pp 7
* O Combate – Edição de 6/3/1925 pp 1

GALERIA – VEJA MAIS FOTOS DA PRAÇA DO PATRIARCA (clique para ampliar):

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Respostas de 9

  1. Na foto da praça em 1936, reparei no telhado em estilo francês do predinho que deu lugar ao Othon Palace Hotel. Muito bonito esse telhado. Ainda há alguns desse tipo no Centrão, mas são poucos. Imagino o Centro-velho ainda hoje com esses telhadinhos! Um charme sem comparação!

  2. O Atual projeto ficou otimo. Contrapoe-se a esplanada da Praca Ramos e a nova esplanada na Praca dos Correios. Nao creio que tenha perdido nada com as mudancas.

    1. Essa estrutura é horrível. Assim como toda a modificação entre os anos 50 a 70. O aspecto de de abandono e sujeira que tomou conta. Praça degradada poluição visual instalada e péssima modificação de fachadas dos prédios que não foram demolidos.

  3. Decada de 70…na minha infancia..lembro do onibus MBB 321….do banco de sangue
    .que ficava ao lado da igreja de Sto Antonio….e dos muitos onibus das empresas na praça..muito bacana.

  4. Muito bonita a história da Praça do Patriarca, mesmo com sua lamentável decadência.

  5. E a Marta Suplício deu o golpe de misericordia no que restava de gosto arquitetônico tolerável, sem respeitar a lei de reformas a menos de 50 metros de bens tombados (igreja de Santo Antonio)…

  6. “ápice da decadência”….
    Acho que vc não anda indo a pé do viaduto do chá até a Praça da Sé e vendo o que a praça do patriarca se tornou
    Só falta colocar placa de “subsede da Cracolandia” nela

  7. As fotos do incêndio do MAPPIN Stores em janeiro de 1922 nos mostra ainda inteiro o quarteirão onde hoje está a Praça do Patriarca .

    Inclusive a foto da liquidação dos salvados do incêndio também.

    O jornal Correio Paulistano da época mostra a liberação de recursos para as últimas desapropriações para abertura da Praça.
    Inclusive mostra que foi demolido em abril de 1922, conforme relatório da Câmara Municipal.

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