O monumento voador da praça 14 Bis

Já publicamos alguns artigos onde mostramos que os monumentos expostos na cidade de São Paulo tem o incrível poder de se movimentar. Ora estão aqui, ora estão ali ou simplesmente desaparecem, como foi o caso do busto de Henry Ford ou o monumento original de Olavo Bilac.

Em um artigo já publicado sobre outro monumento que desapareceu, um avião da VASP que estava exposto em frente ao Anhembi, eu havia comentado sobre outro avião, desta vez, que ficava exposto na Praça 14 bis, no bairro da Bela Vista. Então, vamos embarcar neste novo voo.

O caça P-47 na praça 14 Bis em 1968 (clique na foto para ampliar)

Quando ainda criança, no caminho para o jardim da infância, eu ficava encantado ao passar pela avenida 9 de Julho e poder ver, na praça 14 bis, Bela Vista, um avião, mais exatamente um caça P-47 Thunderbolt (raio em português), lá exposto. Aquilo me impressionava muito e foi um dos motivos que me levaram a ser um apaixonado pela aviação.

Hoje, sempre que passo por lá, apesar das transformações do local, me vem à lembrança aquele lindo avião que, simplesmente, desapareceu, mas que merece ter sua história contada. Afinal, que fim levou o avião?

Voltando no tempo, a Força Aérea Brasileira (FAB) participou da Segunda Guerra Mundial através do então 1º Grupo de Caça, o conhecido “Senta a pua” que iniciou suas operações aéreas na Itália em 31 de outubro de 1944 operando até o final do conflito em maio de 1945.

A arte “Burning the enemy” mostra dois P-47 da FAB atacando forças alemãs na Itália
Arte de Fabricio Sousa / Divulgação

Para a atuação dos pilotos brasileiros, foram disponibilizados 50 aparelhos do modelo caça bombardeiro P-47 Thunderbolt, dos quais 26 eram mantidos em uso e 24 em reserva, lembrando que 20 foram perdidos no teatro de operações de guerra. Os aviões foram entregues pintados em padrão de camuflagem e à medida que iam sendo substituídos passaram a ter a cor alumínio, afinal, já não havia necessidade da camuflagem com o final do conflito. A identificação dos aviões do grupo de caça era “1” para o comandante, “2” para o Oficial de Operações e “A1 a A6”, “B1 a B6”, “C1 a C6” e “D1 a D6” para as esquadrilhas.

Por sua vez, a praça 14 bis, – que, em 1965, era um lugar muito agradável onde foi instalado o avião então entregue pela FAB para servir de monumento – sofreu diversas e negativas modificações paisagísticas, sendo a principal delas a construção de um viaduto inaugurado em 3 de dezembro de 1970.

O caça na praça 14 Bis em fotografia de Tomomasa Takeda em meados da década de 1960 (clique na foto para ampliar)

Já na época da instalação do monumento o avião foi identificado de forma errada, pois dizia-se que era um exemplar que havia lutado nos céus da Itália e que seu piloto teria sido o coronel Newton Neiva de Figueiredo, um dos oficiais brasileiros mais condecorados e que na guerra usava um Thunderbolt com a identificação “C-3”. Esta versão constava de uma notícia publicada no Estadão e que se baseou em informações da própria aeronáutica, porém, a pintura com a identificação “C-3” era, na verdade, uma homenagem ao coronel Neiva que na época era o Chefe do Estado Maior da 4ª. Zona Aérea (São Paulo) que depois passou a ser o IV COMAR desativado pala FAB em 2017.

Apesar de vários sites sobre aviação e mesmo sobre história do bairro da Bela Vista sustentarem esta versão, o fato é que o avião monumento chegou ao Brasil em um último lote de 25 aeronaves, em 1952, depois de passar por várias unidades da Força Aérea Americana (USAF) tendo sido um dos últimos dos mais de 90 aparelhos daquele tipo operados pela FAB. Em abril de 1953 a FAB fez voar pela última vez um P-47 como caça e os manteve, então, como aviões de instrução. O avião em questão fez seu último voo na base aérea de Fortaleza em 11 de julho de 1957.

Mas isso não tira o brilho do monumento que foi inaugurado no dia 22 de abril de 1965, na Praça 14 bis, sentido bairro centro, e que era cercado por correntes apoiadas sobre antigos projéteis. Posteriormente, em fevereiro de 1966, este cercado foi substituído por uma grade baixa de madeira.

Vista da praça 14 Bis e do caça P-47 em fotografia de Tomomasa Takeda em meados da década de 1960 (clique na foto para ampliar)

Mas o avião enfrentou uma outra guerra, pois foi alvo de bombas em protesto contra a edição do AI-5 em 1968. Em 1978, em um artigo sobre o AI-5, o jornal O Estado de S.Paulo afirma em seu texto que o avião era um “um velho avião C-47*², veterano da Segunda Guerra”. Outra informação equivocada e que só serviu para confundir ainda mais esta história.

Com a construção do viaduto, o avião retirado de lá e passou a ser um monumento na academia da força aérea em Pirassununga, para depois ser levado para o museu da Força Aérea no Campo do Afonsos (RJ), de onde retornou para os Estados Unidos, pois foi comprado por um particular. Hoje faz parte do acervo do Yanks Air Museum em Chino, Califórnia. Aqui no Brasil existem preservados cinco exemplares do P-47 sendo dois no museu do Campo dos Afonsos, um na base aérea de Santa Cruz, um em Curitiba e um na coleção do antigo Museu da TAM em São Carlos.

Mas o futuro do nosso avião monumento é o mais promissor possível, pois está sendo todo restaurado para poder voltar a voar. Agora, fora os monumentos que se movimentam em nossa cidade, temos um que, além de ter deixado o país, vai literalmente sair voando…

Abaixo duas fotografias do avião em dois momentos mais recentes e distintos. Na fotografia da esquerda o avião em exposição estática no Yanks Air Museum. Já na segunda fotografia, que é mais atual, vemos a aeronave desmontada e já sendo restaurada.

Notas:

*1 Não sabemos a que título o avião foi entregue (se doação, comodato etc.) para a prefeitura de São Paulo
*2 C-47 é a denominação militar dos famosos DC-3

Bibliografia consultada:

* Revista AERO Vol. 1 No. 5 e No. 6 – J. Ribeiro de Mendonça, Rio de Janeiro – 1974/75
* O Estado de S. Paulo – 20/01/1965 e 13/9/1978
* Monumentos e esculturas de São Paulo. Secr. Cultura, Esportes e Turismo – Gov. Abreu Sodré. Abril 1968
* Portal do Bixiga
* História da FAB
* Aventureiros do Ar

Agradecimentos:

Tomomasa Takeda – Autor das fotos coloridas da praça 14 Bis.
Yanks Air Museum – Sr./Mr. James Noriega, Curador
Luis Gustavo Gabriel –  www.sentandoapua.com.br

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Respostas de 5

  1. Belíssimo artigo, não sabia que a praça 14Bis, da Bela Vista, tinha esse monumento, não era nascido.
    Servi no IV Comar, em meados do ano 2000, mas antes passei pelo PAMA SP em Santana, se um dia puder passar pelo PAMA, lá tem um arquivo com registro antigos desse parque aeronáutico, muito interessante.

  2. Que bacana! Quando mudei para a av. 9 de Julho, em 1972, o referido viaduto era novo, pois como diz a matéria, foi inaugurado em 1970. Um curioso viaduto, que praticamente liga nada a lugar nenhum, pois nasce na 9 de Julho, segue longitudinalmente sobre a avenida, e desce um km para frente, na própria avenida. Se as coisas funcionassem bem nessa cidade, se poderia até dizer que foi um viaduto que desafogou a circulação viária na praça 14-Bis, que tem várias ruas nela convergindo. Mas aqui é Brasil, a praça sob o viaduto está uma desgraceira total, há anos, e o desrespeito e ainda maior com os pedestres, porque existe agora a obra da estação do metrô da linha 6 – laranja. Aliás, sabem quando eu acho que essa estação vai ser inaugurada? Por volta de 2040! Anotem aí!

  3. O que é estranho é como um avião da Força Aérea Brasileira e da coleção da base de Pirassununga foi parar na mão de um “particular” no exterior. História muito mal explicada e que precisa ser esclarecida.

  4. Me lembro de ver esse avião caça na Praça 14 Bis, pois vim para São Paulo em 1969, e ainda não tirado a réplica desse avião, uma homenagem muito bacana ao Pai da Aviação Alberto Santos Dumont, que também inventou o relógio de pulso, por isso existe o relógio de pulso marca Dumont.

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