Das várias nacionalidades que hoje formam o povo brasileiro uma tem uma história bastante diferenciada, pois sua chegada ao Brasil, em grande parte, se deu não somente por dificuldades econômicas ou falta de trabalho no país de origem, mas sim por conta de um genocídio.
Os armênios, anteriormente, tiveram movimentos que os levaram a deixar sua terra já no ano de 1080. Também nos séculos XVII e XVIII existiram movimentos do povo armênio rumo a Europa, porém, no caso brasileiro, os primeiros armênios que aqui aportaram o fizeram no final do século XIX e mais fortemente nos anos 1920.
Por conta do motivo da fuga, os armênios chegavam ao Brasil com os mais diferentes documentos, sendo os mais comuns os sírios, libaneses, egípcios e otomanos (posteriormente turcos), sem dizer aqueles que aqui aportavam como apátridas.
A religiosidade do povo armênio é talvez a sua maior característica uma vez que a Armênia foi o primeiro estado a adotar o cristianismo como religião oficial no ano 301 DC.
Existe toda uma estrutura religiosa sediada na cidade de Etchmiadzin*¹, na Armênia, e é de lá que emanam por parte do Patriarca da igreja, chamado de Catholicos, as orientações religiosas para as igrejas apostólicas armênias em todo o mundo.
Com uma concentração de armênios chegados em São Paulo, a primeira igreja apostólica foi construída em Presidente Altino, Osasco, em 1932, a Igreja Apostólica Armênia São João Batista onde, até hoje, existe uma importante e ativa coletividade.
Na cidade de São Paulo existem três igrejas que representam a religiosidade da coletividade armênia, a católica (Romana), a evangélica e a apostólica sendo esta última a qual estamos dedicando este artigo.
Tudo se inicia com a chegada ao Brasil, em 1890, do imigrante sírio de família também armênia Rizkallah Jorge Tahanian, mais conhecido como Riskallah Jorge. Mesmo no cotidiano, sem usar o sobrenome armênio, foi um dos maiores beneméritos da comunidade. Iniciou sua vida no Brasil numa oficina que fabricava peças de metal e já em 1898 fundou uma empresa, hoje muito conhecida, a Casa da Boia.
Rizkalaah Jorge recebia os seus conterrâneos recém-chegados ao Brasil, sem bens ou colocação, com muita atenção e os instalava num casarão que possuía no centro de São Paulo. De fato, era um galpão com três andares onde as famílias permaneciam por um tempo até que pudessem iniciar um trabalho para se manterem e prosperarem na nova terra.
Mas esta comunidade que se formava e que era maior a cada dia, precisava manter sua religiosidade, daí as primeiras missas passarem a ser celebradas num espaço, também cedido por Rizkalaah Jorge, na Rua Florêncio de Abreu, 15-A, a mesma rua onde a Casa da Boia se encontra até os dias hoje.
Não encontramos registros, mas relatos orais informaram que as missas, em determinada época, eram celebradas também numa igreja anglicana nas proximidades da estação da Luz.
Em 1924 foi oficialmente organizada a administração da igreja e, neste momento, se iniciam as tratativas para a construção de um templo para abrigar as atividades não só da igreja como também de uma escola, afinal, tradicionalmente, toda igreja armênia tem uma escola sob sua orientação.
Mais uma vez o benemérito entra em ação doando o terreno e custeando a construção da igreja que foi encomendada ao engenheiro Plácido Dall’Aqua*². A pedra fundamental foi lançada em 10 de março de 1937 quando o arcipreste da comunidade era Gabriel Samuelian.
A nova igreja estava localizada na Rua Senador Queiróz, 35, entre as Ruas Barão de Duprat e 25 de março. Consagrada quando os sinos tocaram às 9:45 horas do dia 10 de abril de 1938, a mesma teve vida curta e a escola nem chegou a ser construída, afinal, a Rua Senador Queiróz passou a ser avenida por conta de seu alargamento que foi executado com a desapropriação e demolição do lado ímpar, justamente o lado onde se encontrava a igreja. Diante disso, logo em 1943 a igreja, com apenas 5 anos, teve que ser demolida.
Hoje, nas pistas e calçadas da atual Avenida Senador Queiróz, em frente e entre os números 462 e 482 é onde ficava exatamente esta primeira igreja, precisamente diante do Prédio Felipe Jabur. Este local mereceria uma placa indicando a importância histórica do lugar.
A fotografia abaixo mostra o templo religioso já parcialmente demolido:
Diante desta situação tinha que ser providenciada a construção de uma nova igreja e Rizkalaah Jorge comparece mais uma vez. Desta feita, doou um outro terreno de sua propriedade na Avenida Tiradentes, 847 (hoje, por conta do alargamento e reurbanização da área, o endereço é Avenida Santos-Dumont, 55).
Finalmente, em 25 de março de 1945, as pedras fundamentais de uma nova igreja, cuja construção seria bancada por ele e também da escola, cujos recursos para a construção foram fruto do recebimento de doações entre membros da coletividade foram colocadas.
Desta vez o projeto e a construção ficaram a cargo do engenheiro e arquiteto Michel Elias Mahfuz*³, genro do filho mais velho*º de Riskallah Jorge, casado com Rosa Rizkalaah Mafuz, neta do benemérito. O projeto era bem mais sofisticado do que o primeiro e, inclusive, por pedido do então arcipreste Gabriel Samuelian, teve um domo incluído no projeto.
Devido a importância e o esforço para sua construção, o templo passou a ser denominado como Catedral Apostólica Armênia São Jorge, mais uma vez em referência ao benemérito Rizkalaah Jorge.
Finalmente, no dia 3 de abril de 1949, foi solenemente inaugurada a nova igreja que teve vários elementos decorativos de sua fachada trazidos da antiga e demolida igreja. A inauguração se deu com a presença do Arcebispo K. Karekin, então legado para a América do Sul de S.S. o Chefe Supremo da Igreja Armênia.
Na oportunidade a coletividade doou dois bustos representando o casal de beneméritos e que foram colocados nas laterais da fachada, ao lado da porta principal (que posteriormente foram furtados e jamais encontrados). A comunidade armênia pode então sentir orgulho de possuir um novo templo a altura de sua religiosidade.
A igreja passou por reformas em 1980 e 1996 e numa destas não só os revestimentos externos, mas vários elementos originais de sua fachada, que mostravam todo um detalhamento estético, foram suprimidos. Pode-se perceber, entre eles, as colunas ao lado da porta principal e a placa que fazia alusão aos beneméritos doadores, além de detalhes em relevo. Onde existia um vitrô de forma redonda, por cima da porta, foi instalado um relógio. Perdeu a fachada sua originalidade e parte de sua personalidade.
Nas fotografias acima dois momentos da igreja: A primeira em meados dos anos 1970 e a segunda, já reformada, nos anos 2000 (clique nas imagens para vê-las ampliadas)
Mais recentemente, em 2011, um grande trabalho de restauro trouxe de volta todo o esplendor de seu interior (confira na galeria 3 no final do artigo). Suas pinturas, com motivos bíblicos, nos levam à reflexão e à contemplação o que as tornam ainda mais significativas, durante as celebrações litúrgicas, carregadas de simbologia e emoção.
O São Paulo Antiga pretende retratar em suas páginas a história de todas as demais igrejas armênias, inclusive a localizada na vizinha cidade de Osasco.
GALERIA 1 – A IGREJA DA ANTIGA E O QUE EXISTE NO LOCAL HOJE EM DIA:
GALERIA 2- A CATEDRAL APOSTÓLICA ARMÊNIA ATUALMENTE:
Fotografias: Douglas Nascimento
GALERIA 3 – IMAGENS ANTIGAS
GALERIA 4 – PROCESSO DE RESTAURAÇÃO:
GALERIA 5 – PLANTAS DA CATEDRAL APOSTÓLICA ARMÊNIA:
Notas:
*¹ Etchmiadzin não é um estado, mas é, de certa forma, para melhor compreensão, o Vaticano dos apostólicos armênios
*² Um dos projetos do arquiteto Plácido Dall’Aqua foi a casa da família Scarpa na rua Estados Unidos, Jardim América, São Paulo
*³ Michel Elias Mahfuz foi diretor da fábrica Labor que em 1946 pertencia a sua família
*º Jorge Riskallah Jorge – Morava na Avenida Paulista esquina com Bela Cintra. O prédio que está lá atualmente leva seu nome.
Agradecimentos:
* Ao Primaz da Igreja Apostólica Armênia, Bispo Nareg Berberian, ao Arcipreste Boghos Baronian (que nos acompanhou e deu acesso a biblioteca da igreja) e ao Arcipreste Yesnig Guzelian agradecemos por terem nos recebido com tanta atenção.
* A Lucy Esther Jafferian Distchekenian pelo material iconográfico preservado e que nos foi disponibilizado
* A Monica Nalbandian Marcarian pelas traduções dos textos no idioma armênio
Bibliografia
* Coletividade Brasil-Armênia – Informações históricas e temporais 1860-1947 – Arcipreste Yeznig Vartanian. Editora Sipan, Buenos Aires, 1948 – Coleção José Vignoli
* Breve lembrança de Rizkallah Jorge, um benemérito. Publicação “Mer Djampan”, Osasco, SP Ed. 03/1999
* Armênios no Brasil, folheto Memorial do Imigrante, 10/2000
* Prova escrita: Ponto sorteado N. 12 – Diáspora Armênia no Brasil por Mônica Nalbandian Marcarian, EDF/FEUSP, sem data.
* O Estado de S. Paulo – Edições de 26/03/1937, 01/04/1949, 09/03/1962, 08/06/1972, 04/01/2011
* Correio Paulistano – Edições de 24/02/1945, 27/3/1945, 04/02/1947
* Diário da Noite – Edição de 16/5/1955
Respostas de 23
Fantástico artigo! Muito grato pela inclusão das plantas da Catedral!
Excelente trabalho. Merece uma divulgação ampla.
Obrigado por retratar parte da nossa história na cidade de São Paulo. Sem dúvida um importante artigo para esta coletividade.
Parabéns pela matéria José. Grato pela menção ao informativo MER DJAMPAN o qual fiz parte da equipe de redação. Curioso por você ter uma cópia do material do padre Samuelian. Material bem raro e em armênio ainda por cima. parabéns. um grande abraço.
Como descendente de armênios e tendo sido batizada na Igreja Apostólica Armênia São Jorge, meus sinceros agradecimentos e reconhecimento pelo valoroso trabalho ao historiar e documentar com fotos e plantas a minha Igreja.
Parabens pelo seu excelente trabalho em divulgar dados sobre a colonia Armenia.
Povo trabalhador,competente e muito religioso. Maravilhosos dados sobre a Casa da Boia, aonde adquiri,diversos
itens.
Ari Fiadi
Material maravilhoso! Só fiquei com uma dúvida, a antiga igreja realmente teria que ter sido demolida? Me pareceu que a avenida não passa sobre o local e sim ao lado.
Olá Cristiane,
Se você olhar bem a foto antiga com o prédio da esquina já construído vai notar que a igreja avançava totalmente no que hoje é uma das pistas da avenida.
Muito legal! Parabéns pela matéria
Parabéns pelo conteúdo da matéria e ao povo que seu origem a essa história em nossa cidade
Uma pesquisa muito bem feita.
Excelente artigo! Obrigada por nós trazer parte da história dessa coletividade tão importante pra formação de São Paulo.
Excelente, muito bom ver essa história na íntegra juntando a fé e cultura do povo armenio com a cidade que vivemos e amamos.
Parabéns pela excelente matéria. Um documento com alto valor histórico e sentimental para a comunidade armênia, obrigado.
Muito obrigada Vignoli!!! Adorei
Saudades
Parabens…muito bacana o documentario!!!!
Emocionante saber da nossa história em São Paulo, com tantos detalhes!
Apesar de ter ascendência judaica, parte da minha família é Síria, vindos de Homs, os Kaba, meus tios, mas também os Rizkallah também beneméritos do club Homs, da catedral ortoxa árabe e de pavilhões do lar de idosos Mão Branca. Coincidência, não!
Excelente matéria sobre essa parte da história dos imigrantes armênios, parabéns pelo trabalho!
Poderiamos dizer, um artigo de luxo por tamanha informação , todo e qualquer imigrante sempre será bem-vindo.
Excelente materia, riqueza nos detalhes e bem sequenciada .
Parabéns.
Tenho em casa um hinário em partitura a 4 vozes com cânticos sacros em armênio que adquiri na minha última visita ao Sebo do Messias há uns 20 anos e meio atrás. Pertenceu a alguém com o sobrenome Margelian: era alguém conhecido dos descendentes de armênios que aqui postaram?
Maravilhosa narrativa onde podemos notar ha força de um povo !