Milton Bednarski, nosso adeus a um grande amigo

˝Ninguém sai vivo da vida˝

Quando fui informado do falecimento do grande Dr. Milton Bednarski, esta frase acima foi a primeira coisa que me veio a cabeça, lembrança do dia que eu o encontrei pessoalmente pela primeira vez. E recordo-me até hoje do quanto foi demorado e difícil para o conhecer.

Porém, antes de contar como foi nosso primeiro contato e o início de nossa amizade, apresento a vocês a biografia deste ilustre paulistano

Dr. Milton Bednarski em 2014 (clique na foto para ampliar)
Dr. Milton Bednarski em 2014 (clique na foto para ampliar)

Paulistano nato, nascido no bairro do Bom Retiro, Milton Bednarski viveu toda a sua vida neste bairro, o qual sempre amou. Quando criança viveu com seus pais na esquina da rua Bandeirantes com Afonso Pena, e na vida adulta, até seus derradeiros dias, em um edifício da rua da Graça.

Foi ainda na adolescência que Bednarski desenvolveu uma paixão enorme pela investigação policial e pela história dos crimes. Ele trabalhava como encadernador na empresa de seu pai, onde um dos principais clientes era a polícia paulista. Ali, deliciava-se folheando os processos que encadernava e um deles em especial chamou-lhe tanto a atenção, que o motivaria a seguir carreira na polícia: o crime da mala.

A tragédia de 1928, onde Giuseppe Pistone matou, esquartejou e despachou sua mulher em uma mala, choca até hoje, mas em Milton Bednarski despejou não só uma curiosidade juvenil, mas que se transformaria em uma das grandes obsessões de sua vida.

Milton Bednarski em viatura da polícia, anos 50 (clique para ampliar)
Milton Bednarski em viatura da polícia, anos 50 (clique para ampliar)

O amor pela investigação policial levou-o a juntar-se a Polícia Civil em 1947. Surgia ali a brilhante carreira daquele que considero, sem hesitar, o maior investigador de polícia da história de São Paulo.

Brilhante é o mínimo que se pode dizer de sua trajetória como policial. Em toda sua carreira Milton Bednarski fez mais de 600 prisões, que com toda a certeza fez de nossa São Paulo uma cidade muito mais segura.

Entre estas 600 prisões, inclui-se alguns dos mais perigosos e temíveis criminosos de nossa história, como Chico Picadinho, Bandido da Luz Vermelha e o excêntrico Gino Meneghetti.

Em sua trajetória como policial civil, ostentou até seus últimos dias um currículo que dificilmente será superado, mas que será sempre lembrado e admirado. Durante 20 anos, integrou as equipes da Delegacia de Roubos do Departamento de Investigações, posteriormente Divisão de Crimes contra o Patrimônio do DEIC.

Dr. Milton Bednarski em seu escritório, início dos anos 1980 (clique para ampliar)
Dr. Milton Bednarski em seu escritório, início dos anos 1980 (clique para ampliar)

Mesmo após aposentar-se da Polícia Civil na primeira metade da década de 80, Bednarski não deixou jamais de ser um investigador persistente e brilhante.

Formou-se em direito e continuou a pesquisar e investigar muitos dos crimes que ajudou a desvendar, e estudou muitos crimes que eram anteriores a sua entrada na polícia, como o Crime da Rua Apa, a vida de Febrônio do Brasil ou mesmo a tragédia do Cine Oberdan.

Tal aprofundamento nos estudos fez de Milton Bednarski uma pessoa única. Sabia de cor todos os crimes que solucionou e conhecia de cabeça a data de grandes casos policiais paulistas. Não foram poucos os casos que, mesmo encerrados pela polícia há décadas, foram pesquisados paralelamente por ele de maneira particular em seus dias de folga. Todos estas pesquisas eram catalogadas, encadernadas e guardadas em seu escritório com muito zelo.

Visitar seu escritório aliás, era uma experiência única, quase surreal, de tantas coisas interessantes e, algumas vezes, bizarras que ele possuía.

O escritório de Milton Bednarski, em São Paulo (2014)
O escritório de Milton Bednarski, em São Paulo (2014)

Colecionador inveterado, Milton tinha de tudo em seu escritório. Colecionava embalagens de cigarros, uma de suas maiores paixões, além de telefones antigos, cadeados, livros, fotografias e muitos objetos curiosos, adquiridos geralmente nas feiras de antiguidades espalhadas por São Paulo. A cada visita que se fazia em seu escritório, encontrava-se algum novo objeto recém adquirido.

De todas as suas prisões, orgulhava-se muito da que tirou Chico Picadinho das ruas. Sobre Gino Meneghetti, costuma contar as diversas provocações que este fazia aos colegas de Milton na corporação quando não estava preso, como passar diante de algum bar repleto de policiais pelo centro e proferir algumas ofensas aos oficiais da lei.

Nos últimos anos de sua vida, mesmo doente, Dr. Milton Bednarski ia diariamente dar expediente em seu escritório, em um prédio da rua Ribeiro de Lima, no seu amado Bom Retiro.

O meu terceiro avô…

Eu e o Dr Milton Bednarski em cemitério abandonado (2013)
Eu e o Dr Milton Bednarski em cemitério abandonado (2013)

Tive dois avôs maravilhosos e que foram embora muito cedo, mas há anos costumo dizer que fui felizardo o bastante para ter um terceiro avô na minha vida. E esse avô é o meu estimado Dr. Milton Bednarski.

Conheci-o no final de 2010, quando o site São Paulo Antiga ainda dava seus primeiros passos. Cheguei até ele quando pesquisava para o artigo sobre a Tragédia do Cine Oberdan, ocorrida em 1938. Todas os meus resultados davam ele como fonte principal.

Fui até o Museu do Crime, criado por ele na década de 1990, para tentar encontrá-lo e fui informado na recepção, de que ele não ia ao local todos os dias. Deixei um cartão meu com a recepcionista e pedi para que entregasse a ele.

Dr Milton exibe embalagem de cigarro de sua coleção (clique para ampliar)
Dr Milton exibe embalagem de cigarro de sua coleção (clique para ampliar)

Foram dois meses de hiato entre a entrega do cartão e sua ligação de retorno. Lembro-me de sua voz altiva no telefone, querendo saber o que eu tinha para falar com ele. Me apresentei e expliquei meus motivos e ele convidou-me para uma visita a seu escritório para poder entrevistá-lo na semana seguinte.

No dia marcado eu estava lá, e foi um dia que jamais vou esquecer. Minha visita que duraria uma hora, se muito, acabou durando cinco. Descobri no Dr. Milton, um senhor de então 81 anos, o espírito de um jovem policial e historiador nato.Esse foi o início de nossa amizade que, se dependesse de mim duraria pelo menos uns mil anos.

Dr Milton em nossa visita ao monumento de Padre Eustáquio, em Poá
Dr Milton em nossa visita ao monumento de Padre Eustáquio, em Poá

Nestes seis anos de amizade fizemos de tudo um pouco. Visitamos cemitérios em busca de pistas históricas, comemos em muitos restaurantes e lanchonetes, revisitamos inúmeros palcos de crimes famosos, e ficamos por horas sentados, conversando sobre casos e fatos históricos de São Paulo.

Com Dr Milton Bednarski aprendi mais do que poderia imaginar sobre fatos importantes da história paulista, dos crimes que abalaram São Paulo e principalmente da importância de uma grande amizade.

Em 21 de agosto de 2016, aos 86 anos, Dr. Milton Bednarski nos deixou para sempre vítima de um infarto fulminante. Deixa na família esposa, filha e neta e aqui um amigo órfão de sua rica, querida e sincera amizade. Afinal, como ele me dizia ˝ninguém sai vivo da vida˝.

Muito obrigado, Dr Milton!

* 1930 + 2016
* 1930 + 2016

Um vídeo que nos deixa ainda mais com saudades do nossa eterno amigo:

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Respostas de 34

  1. Desaparece um importante personagem e protagonista da história de nossa cidade. Como ele, muitos milhares de anônimos, construiram esta cidade, não apenas com tijolos e cimento, mas com sua dedicação pessoal, exemplos, dignidade e respeito.
    Valores que estão cada vez mais raros em nosso país.
    Descanse em paz.

  2. Um linda homenagem, De todos os seus artigos, para mim, esse foi o mais especial.

  3. Realmente é uma perda irreparavel a morte de Milton Bednarski, mas uma foto me despertou curiosidade, onde é esse Cemitério abandonado da foto ????

  4. Tributo glorioso a este paulistano! Que Deus o tenha e conforte seus familiares os quais devem se orgulhar muito…..Douglas, parabéns pelo texto e votos de que sirva como inspiração para futuros profissionais da área investigativa

  5. Acabei de ver que o Dr. Milton faleceu! O conheci há mais de 10 anos! Sou do Bom Retiro, mas me mudei de lá em 2015. Adorava suas histórias, casos e sua memória incrível! Mais uma grande personalidade histórica que se vai…Quem teve oportunidade de conhecê-lo foi privilegiado! Que triste!

  6. Tive o privilégio de conhecê-lo e me considerava amigo dele , eu trabalho na feira de antiguidades do Bixiga , no final , após 1 mês do falecimento dele , todo o acervo foi vendido e eu tive a oportunidade de comprar uma parte do acervo e ver quanta história ele preservou durante todos estes anos , pelo menos uma parte da memória que ele preservou agora irá para outras pessoas que admiram e colecionam os mesmos itens que ele colecionava , SALVE DR MILTOM !!!L!

      1. olá Douglas , bom dia , alguns deles foram vendidos para um colecionador , a maior parte está ainda com a família , agora no final do ano me parece que vão abrir o escritório dele para vender tudo aquilo que restou , se vc quiser , quando isso for acontecer , eu tento lhe avisar por aqui

      1. Douglas , aqui é o Jefferson , Entre em contato comigo , pelo e-mail ou pelo célular que lhe enviei o número no e-mail

        ABS

  7. Nossa, que triste! só ontem fiquei sabendo do falecimento do Dr. Milton, que tristeza, Eu trabalhava no Arquivo do TJSP, e o Dr. Milton fazia pesquisas sobre o antigo ladrão, Ginno Meneghetti, vou avisar um amigo dele perito em Salvador-Bahia sobre o seu falecimento. Olha! fiquei muito triste, pêsames aos familiares.

  8. Que linda reportagem e quão sincero se me apresentou a sua descrição de amizade..Esse senhor deve ter representado muito mesmo para você, e com todo o mérito. Apenas hoje li essa reportagem.Parabéns por nos fazer tomar conhecimento da matéria.

  9. Uma grande perda, tive o privilégio de trabalhar 14 anos no C.C.B.R. (Centro comercial Bom Retiro) no mesmo andar da Escritório do Dr. Milton, Eu era garoto e me lembro de muitas e muitas vezes ir em sua sala e conversar com ele e ver todo o seu grande acervo, ouvir suas histórias de alguns crimes. Descanse em paz amigo!

  10. Gostaria de saber o telefone da filha do Dr. Milton Bednarski. Quem puder me informar, peço entrar em contato.

    1. Olá Marcos , boa tarde , se vc tiver interesse nas coleções que eram do Dr Milton , elas ja foram vendidas , uma parte das coleções está comigo , postais , maços de cigarros e álbuns de fotos
      At
      Jefferson

  11. Que bonita essa amizade!!! Tive oportunidade de viver algo assim com um amigo tardio, Sr. Mauro Morini…um ambientalista, artista, ser humano incrível! Sua história me fez lembrar a minha! Saiba que passo horas no São Paulo Antiga! Que o Dr Milton, seja assim lembrado!

  12. Emocionante o texto. Tive oportunidade de conhece-lo pessoalmente quando trabalhava na TV Cultura, como assistente de cinegrafista, e fomos fazer uma matéria para o programa “Vitrine” se não me engano. Na época ele tinha a ideia de restaurar o castelinho da Apa.

    1. O mais triste dessa história toda é saber que o acervo do Dr. Milton que conheci por mais de 50 , anos foi vendido , um pecado para quem cuidava com tanto amor todo aquele acervo , relíquias e documentos , creio que no final da sua vida o grande Dr. Milron acabou sendo uma vítima.

      1. Roger, a grande parte está conosco e o que não está conosco – ainda – nós sabemos com quem está.
        Nossa biblioteca se chamará “Milton Bednarski” e o acervo dele estará todo disponível para pesquisa a partir do segundo semestre.

        1. Gostaria de saber como faço para conhecer o Acervo do Dr. Milton , fui muito próximo dele e sei o quanto ele preservava tudo aquilo.
          Ficarei grato se informar .

          Obrigado .

          1. Olá Roger, este acervo é disponível para consulta aqui na nossa biblioteca apenas para os colaboradores anuais do Instituto São Paulo Antiga.
            Caso queria fazer um donativo anual poderá ter acesso.

          2. A coleção de maços de cigarros e os álbuns de fotos da criação da força pública estão comigo , eu comprei da família do Dr Milton

  13. Boa noite…meu nome e Paulo, trabalhei para o Dr.Milton, no escritorio como oficiboy na época….grande homem…

  14. Que linda história e homenagem, o tempo passa voando e agente realmente fica com a sensação de que ninguém sai vivo da vida. Amei a oportunidade de conhecer essa pessoa incrível no dia de hoje. Parabéns pelo trabalho.

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