Hoje o centro de São Paulo é um grande conglomerado de edifícios, onde são raras as construções baixas ou térreas. Esse crescimento de arranha-céus deu-se principalmente entre as décadas de 1940 e 1950, época que a capital paulista teve um crescimento vertiginoso e ganhou apelido de “paliteiro da América Latina”.
Tanto é que não faltavam anúncios que divulgavam largamente esta expansão imobiliária paulistana, como a publicidade a seguir, veiculada em 1954.
Porém, esta realidade era bem diferente cerca de 30 anos antes, em meados dos anos 1920, quando São Paulo ainda estava iniciando seu crescimento, afastando-se definitivamente da pequena cidade do século 19, para a moderna metrópole do século 20. Foi nesta época que começaram a surgir prédios realmente altos em São Paulo.
Naquele tempo o prédio mais alto da cidade era o Edifício Guinle, na rua direita, com seus modestos 7 andares. E prédios maiores surgiriam na década de 20, como o Edifício Sampaio Moreira, em 1924 e o Edifício Martinelli, que tomou do próprio Sampaio Moreira o título de maior arranha-céu do Brasil, em 1929.
E foi nesta mesma década, precisamente em 1925, que se daria início a mais um grande edifício paulistano. O Palacete Riachuelo:
Até hoje um dos mais belos edifícios de São Paulo, o Palacete Riachuelo é obra de Cristiano Stockler das Neves (*1889 +1982) um dos grandes nomes da arquitetura brasileira e que entre um grande número de projetos importantes, foi autor do Edifício Sampaio Moreira (juntamente com Samuel das Neves) e da exuberante Estação Júlio Prestes, da antiga Sorocabana (hoje CPTM).
Diferente dos demais grandes edifícios paulistanos da época que eram estritamente comerciais, o Palacete Riachuelo foi destinado para fins residenciais, sendo considerado um dos primeiros prédios de apartamentos de toda a América Latina.
Apesar de seu projeto ser de 1925, suas obras se iniciaram para valer mesmo apenas no ano seguinte. É por isso que no frontão, bem no topo do edifício, está esculpido o ano de 1926. Suas obras começam a todo vapor pois a idéia era de que ele ficasse pronto em dois anos.
O local onde começava a construção do Riachuelo não tinha outra edificação à época. Tratava-se de um terreno vazio quase trapezoidal entre as ruas José Bonifácio e Falcão Filho, com uma área bastante propícia para um empreendimento desta envergadura, e com face para o então Parque Anhangabau.
As obras do Palacete Riachuelo cumpriram a meta desejada e o ediício realmente foi concluído em dois anos, em 1928. Apesar disso por alguma razão que não ainda não foi possível apurar o prédio só seria inaugurado quatro anos mais tarde, em 1932.
Construído em estilo gótico inglês tardio, o Riachuelo foi muito bem recebido pela população paulistana e logo passou a ser um dos endereços mais elegantes da cidade, em uma época em que o Anhangabaú era realmente um parque charmoso. Além disso, havia a proximidade do Theatro Municipal e a curta distância para ruas como Direita, São Bento e 15 de Novembro que eram o coração financeiro e comercial de São Paulo.
Boa parte dos apartamentos do Palacete Riachuelo foram colocados não para venda, mas para locação, permanecendo por longos anos a grande maioria das unidades na mão de poucos proprietários. Esta realidade começaria a mudar na década de 40, quando vários apartamentos foram colocados à venda.
Em 1949 o Banco Nacional Imobiliário S/A colocou anúncios em vários jornais paulistanos para venda de unidades do Palacete Riachuelo (vide anúncio abaixo). Nota-se no texto publicitário a ênfase na ausência de prédios residenciais no centro velho e a oportunidade única de se adquirir um imóvel para este fim na região.
A AMEAÇA DE DEMOLIÇÃO:
Hoje quando observamos o Palacete Riachuelo e nos admiramos com seus belos traços arquitetônicos, praticamente únicos em São Paulo, não imaginamos que por muito pouco este prédio não estaria ali nos dias atuais.
É que em 1976 ele correu um sério risco de ser demolido em virtude das obras do Metrô paulistano, que não poupou durante seu período inicial de obras, várias construções paulistanas, muitas delas históricas, como o Palacete Santa Helena, o Edifício Mendes Caldeira, o Cine República e a velha sede da Cúria Metropolitana.
A alegação da Cogep (Coordenadoria Geral de Planejamento), órgão municipal à época responsável pela construção do Metrô, é que as obras abalariam de forma irrecuperável as estruturas do edifício, causando sérios riscos a segurança de moradores. Para isso, foi orçado um valor de 11,5 milhões de cruzeiros para gastos com a desapropriação, e após as obras o local seria devolvido ao município na forma de uma praça.
Quando já parecia que nada poderia salvar este ícone arquitetônico paulistano, o então prefeito, Olavo Setúbal, determinou a preservação do edifício e ordenou que o Metrô reforçasse as instalações do Palacete Riachuelo ao invés de colocá-lo abaixo. Os custos para manter o edifício foram de 12,5 milhões de cruzeiros, apenas 1 milhão a mais que o necessário para a desapropriação.
Estava salvo o Palacete Riachuelo. Fica só no ar a indagação se não teria sido possível a mesma alternativa ao menos com o Palacete Santa Helena, a maior vítima das obras do Metrô.
O PALACETE RIACHUELO HOJE
Décadas depois de sobreviver a grande ameaça a sua existência, o Palacete Riachuelo hoje é protegido como um bem tombado da Cidade de São Paulo. Seus apartamentos hoje raramente são colocados à venda e quando são há tantos interessados que dificilmente chega a ser colocada uma placa de “vende-se” na entrada do edifício.
Não podemos esquecer que além dos apartamentos, a partir do primeiro andar, existe no piso térreo os salões destinados ao comércio. E é ali que existe uma das mais tradicionais lojas de produtos musicais dedicadas ao rock do Brasil: a Woodstock Rock Store, fundada em 1978. Quando estiver pela região, não esqueça de fazer uma visita.
Galeria de fotos externas do Palacete Riachuelo (clique na foto para ampliar):
Galeria de fotos internas do Palacete Riachuelo (clique na foto para ampliar):
Respostas de 22
Caro Douglas Nascimento, como vai tudo bem??Suas matérias são espetaculares, moro no Bairro da Penha, e todas as matérias que tem postado, conheço a maioria dos lugares, aliás todos, realmente sou admirador do seu trabalho, e também um admirador de arquiteturas principalmente as antigas. Meu primeiro trabalho como office-boy foi próximo a essa espetacular arquitetura, trabalhei na Rua Riachuelo, onde existem também excelentes prédios , concidentemente um amigo meu teve um restaurante por kilo nesse espaço, no mezanino desse prédio em frente ao metrô Anhangabaú, grandiosos abraços e parabéns pelo trabalho!!!!!
Lindo, de cara pro metro,perto de todo comércio do centro e poderia estar de cara para um parque lindo e bem conservado. Ah se todos prédios residenciais do Centro fossem assim…
Adorei saber sobre esse edifício. Tenho paixão por ele e sempre tive curiosidade de saber se era residencial mesmo ou hoje estaria ocupado por escritórios. Muito legal Obrigada
adorei saber da história. Obrigada por compartilhar.
Muito legal a reportagem e as fotos. Me deixou curioso de saber é por dentro….
Além de impedir a demolição do Palacete Riachuelo, Olavo Setúbal ainda impediria em 1976 a derrubada do Colégio Caetano de Campos na praça da República para a construção da estação do metrô.
Homem de grande sensibilidade, Olavo Setúbal foi o último governante a deixar a prefeitura bem avaliado pela população.
Detalhe: não foi eleito pelo povo mas nomeado.
Na decada de 60, estudava na Escola Tecnica de Commercio Alvarez Penteado, e ao sair das aulas, comia um cachorro quente nas Loja Americana,rumando depois para o trabalho.Passava por este predio e ficava imaginando como seria por dentro, e melhor seria se meus pais pudessem mudar do Alto da Lapa para o centrao, a fim de ficar mais proxima do trabalho e escola. Linda arquitetura. Inabalavel.
De arrancar suspiros essa obra de arte!!! Grande Sr Olavo Setubal!
Ah, eu tb adoraria ver um dos apartamentos por dentro!!! Sera que não tem como? Pede com jeitinho…
Excelente matéria. Parabéns. Observei este edifício pelo google street view e realmente estava curioso para saber a história e mais informações sobre ele.
Quanto ao estilo gótico inglês, seria o mesmo da santa casa?? Aliás, se me permitem, parece que há elementos mouriscos na fachada, o que tornaria seu estilo eclético. De qualquer forma, essa minha constatação é mais leiga do que técnica. Abraços.
Muito legal saber dessa atuação esclarecida do prefeito Olavo Setubal. De fato, a perda do Palacete Santa Helena na praça da Sé poderia ter sido evitada, pois a engenharia sempre consegue dar um jeito. Talvez o custo fosse inviável… Bem, fiquei curioso de saber como são os apartamentos dessa jóia. São apartamentos grandes ou quitinetes? Qual a metragem? Parabéns pelo trabalho!
Parabéns pelo site! Passo horas vendo fotos e lendo reportagens. É uma pena que São Paulo cada dia mais perca sua história. Moro em Diadema e é uma cidade que não tem nada preservado. sou apaixonado por São Paulo e suas construções me encantam. Guardam um saudosismo de um tempo que não vivi. Acho até engraçado isso. infelizmente nos dias de a ganância capitalista atua sobre tudo. poe abaixo as rugosidades espaciais que mostram o passado. Seu trabalho é ótimo e fundamental para expor as atrocidades cometidas pela cidade! Como geógrafo, veja a urgência em se preservar essas marcas históricas. Parabéns, mais uma vez.
Seu trabalho é maravilhoso Uma joia preciosa. De uma beleza que enche os nossos olhos e fertiliza a nossa imaginação.Parabéns!!
Cheguei a ver um apartamento para alugar neste palacete, porém não obtive sucesso pois era muito pequeno e por um preço EXORBITANTE, porém uma curiosidade, no elevador, a grafia da placa de saída ainda é a arcaica “SAHYDA”.
Douglas, caso precise de um “garimpador” no centro, Moro na Av. São Francisco, e trabalho próximo ao metrô Sta. Cecília (Faço questão de fazer o caminho a pé, e NUNCA tive um incidente (até agora)…
Douglas estou amando este site! Não tenho como agradecer. Estava aqui no Google procurando algum livro sobre os prédios antigos de São Paulo e me deparo com esta jóia eletrônica. Sou apaixonada por prédios antigos. Moro aqui fazem mais de 20 anos vinda do Rio de Janeiro, outra cidade cheia de história, prédios antigos e infelizmente muito abandono. Capital do império no passado, se a cultura fosse melhor preservada, teríamos muitos prédios charmosos pelos bairros. Quando vou a Europa fico babando de inveja a civilidade do povo de lá… Cheguei a entrar no curso de arquitetura ano passado e por questões logísticas acabei abandonando e hoje faço psicologia. Mas minha paixão por arquitetura e urbanismo não mudou em nada. Sempre quis saber a história deste prédio. Sempre que passo por ele fico encantada. Ele tem muita personalidade.
Artigo atualizado com novas fotos externas e galeria de fotos internas
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obrigada
Poderiam fazer algo para salvar os outros, como Mendes Caldeira, Santa Helena etc.
Felizmente bancaram o Riachuelo…graças a Deus!
Hoje poderíamos ter todos restaurados e enchendo nossos olhos!
Parabéns, pelo seu trabalho e dedicação a nossa cidade!!
como descobrir sobre os moradores do Riachuelo nos anos 70?
Que prazer em ler esta história. Não conhecia nada sobre este edifício, obrigada pela informação , uma forma de preservar a memória de nossa cidade.
Certa mesma essa observação a respeito do Palacete Santa Helena. Caso o Palacete Riachuelo não tivesse sido preservado, em seu lugar haveria uma praça ocupada como está a Sé.
vendo essa obra magnífica, deixo o poema de Mário Quintana: “Antes todos os caminhos iam/Agora todos os caminhos vêm/A casa é acolhedora, os livros poucos/e eu mesmo preparo o chá para os fantasmas”. Parece que ela pede desculpas, ao viaduto em frente, por existir. Como estava em 04/23: https://shre.ink/8EE9