Vila demolida – Rua Joaquina de Almeida

Sempre me pergunto o que seria de São Paulo sem as garras afiadas da especulação imobiliária… A resposta definitiva eu realmente não tenho em mãos, mas tenho a certeza de que a cidade muito provavelmente seria bem melhor do que é.

Nós não veríamos edifícios com nomes esdrúxulos, ruas estreitas com prédios cujos gabaritos destoam completamente com o entorno, não teríamos redes de esgoto e de água saturados e, principalmente, não teríamos o trânsito caótico que observamos todos os dias.

clique na foto para ampliar

Pois imagine você o quanto eu fiquei desolado ao conferir pessoalmente o triste cenário que envolve as 16 casas do lado direito da foto acima, localizadas na Rua Joaquina de Almeida na região de Água Rasa. Nenhuma das residências do lado esquerdo da imagem sobreviveu, foram todas elas demolidas.

A razão da demolição é a mais simples e óbvia possível. Vieram abaixo para dar lugar, muito em breve, a um novo empreendimento em uma região que atualmente está sofrendo demais com a exagerada verticalização.

casas 10 e 9 (clique na foto para ampliar)

Não se deixe levar pela imagem acima que fotografei (junto com as demais) para ilustrar este artigo. Anos depois da demolição (vieram abaixo em abril de 2018) é natural que o cenário seja um tanto quanto desolador e as casas pareçam detonadas. Mas acredite, elas estavam em perfeito estado de conservação até o momento que vieram abaixo. Os grafites e o mato na calçada vieram um tempo depois.

Originalmente todas as dezesseis casas pertenciam a uma única pessoa, ou melhor, a uma única família: a Leite Carneiro. As informações sobre a vila, infelizmente, são muito escassas e não foi possível obter uma visão ampla do que ela representou no passado.

Não se sabe se eram parte de alguma vila operária de alguma empresa já inexistente por ali ou se eram apenas para locação e renda (algo bastante corriqueiro nos bairros de São Paulo). De acordo com um vizinho da propriedade as casas foram vendidas após o falecimento do proprietário original, entretanto nem sempre os testemunhos orais são 100% fiéis.

casas 2 e 1A (clique na foto para ampliar)

O que apurei de concreto é que todas as casas, de ponta a ponta (ou seja desde a Rua Voltolino até a Avenida Álvaro Ramos), foram realmente vendidas a uma empresa chamada Pontuall (com dois L) Incorporadora e Construtora. Aparentemente trata-se de uma companhia relativamente nova pois localizei apenas dois edifícios incorporados por ela, ambos na região do Tatuapé.

Do total de residências, dezesseis, quinze delas possuíam exatamente as mesmas dimensões, tamanho de terreno e área construída, sendo que apenas a casa 1 (não confundir com a 1A) tinha a área do lote dobrada e possivelmente era a casa principal ou originalmente de quem construiu a vila.

Assista abaixo ao vídeo que fizemos no local:

A minha crítica vai além da demolição de casas para erguer edifícios. Vai também para o lamentável fato dessas empresas se valerem destas áreas como “estoque” deixando anos e anos o local vazio, com mato crescendo e uma horrível sensação de abandono que invariavelmente desvaloriza e torna insegura todas as demais propriedades ao redor.

O plano diretor deveria obrigar um prazo máximo entre a compra de um terreno e o início das vendas, como por exemplo de um ano, não mais que isso. É tempo suficiente para a empresa pensar muito bem no que irá fazer na área adquirida, até porque já na compra eles sabem muito bem o que tem em mente para o terreno.

Um fim lamentável para uma vila charmosa e agradável, como tantas outras que estão desaparecendo em nossa São Paulo.

Galeria – Veja as fotos das demais casas (clique na imagem para ampliar):

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Casa – Av. Cruzeiro do Sul, 223

Esta belíssima casa com detalhes em art noveau, é o último exemplar deste tipo de construção que ainda está conservada e original na Avenida Cruzeiro do Sul, no bairro do Pari.

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17 respostas

  1. Você está ofegante….

    Esta foi de cortar o coração. Rua de viela, com paralelepípedo. E o estilo do que sobrou das fachadas não é difícil de se reproduzir, se autenticidade fosse algo imperativo. Dava até para subir mais 1-2 andares por número de porta. O Herdeiro poderia ter coordenado a venda a interessados em conjunto. O trabalho seria maior, porém poderia ter lucrado mais em dinheiro vivo.

    Sabendo que as incorporadoras “pagam por terreno ” hoje em dia, não fica difícil deduzir que o herdeiro pegou uns trocados mais apartamentos de permuta na planta. Ou seja, se vendeu por uns poucos dinheiros. Tal como Judas Iscariotes quando entregou Jesus aos Fariseus.

    Eu pressuponho que o bisavô dos herdeiros inventariados até teve gosto de construir casas de operários, quica seus operários. A geração de agora não tem nenhum elo com terra, comunidade. Um desgosto.

    O que me leva a concluir que faltam pessoas com iniciativa própria de formar cooperativas residenciais, com auto capitalização. Nada desse paternalismo absurdo de programas governamentais. As pessoas se queixam dos preços dos imóveis hoje em dia, porém, para se organizarem economicamente….

    Eu não moro na região, porém o que sei através dos locais, Agua Rasa, Mooca, Quarta Parada, eram comunidades fechadas, todo mundo sabia de todos, um olhava pelo outro. Ninguém se metia ao esperto para roubar casas.

  2. Nossa, eu conheço uma Leite Carneiro. Família da zona sul. Espero que não seja essa da vila, pois ficaria um pouco decepcionada rsrs Fico triste com o desaparecimento do patrimônio arquitetônico da cidade.

  3. Este cenário esta ficando cotidiano, infelizmente. Mesmo com a tentativa de preservação constando na Constituição, a boa vontade não existe na especulação imobiliária.

  4. Morei na Rua Anália Franco há quase 40 anos ao lado de uma casa que já foi inclusive retratada neste site, e já naquela época havia um forte processo de verticalização do bairro, o qual se acentuou muito nas décadas seguintes e hoje o bairro está totalmente desfigurado, completamente diferente daquele que conheci na minha infância.

  5. Douglas, como profundo conhecedor do assunto que sei que você é, até que ponto seria viável o tombamento da cidade? Digo não apenas para preservar imóveis de valor histórico, mas para pôr limites à especulação imobiliária desenfreada, pois como você bem observou na matéria, o que fizeram com esta vila e tantas outras é um crime que descaracteriza esses bairros outrora pacatos e aprazíveis, o bairro da Água Rasa e adjacências vive um intenso processo de verticalização a ponto de eu não mais reconhecer a Rua Anália Franco da minha infância, quase esquina com a Bom Jesus, a Vila Guilhermina também entrou no radar das construtoras, antigamente havia um único edifício de apartamentos na Rua Almeida Brandão e a especulação imobiliária atingia apenas as franjas do bairro na Gamelimha e hoje principalmente próximo ao metrô começam a pipocar mais e mais prédios, não sou purista a ponto de achar que galpões desocupados não venham a se tornar condomínios mas descaracterizar bairros inteiros indiscriminadamente destruindo todo um tecido urbano vivo, pujante e com história é um crime sem tamanho. Abraços e boa recuperação.

  6. Nós tivemos uma diarista que morou mtos anos nessa vila, bem na metade das construções. Ela contava que nunca viu o proprietário, pois o mesmo morava em Portugal. Quem controlava as finanças era um parente (talvez, um sobrinho) e enviava mensalmente os valores dos aluguéis todos para lá. Já estavam bem detonadas, com infiltrações, rachaduras, problemas de telhados e nunca ninguém aparecia para resolver. Mas se atrasassem os aluguéis, aí sim havia cobrança forte! A casa 1 era habitada por uma família enorme, cheia de crianças e jovens. Penso até que era mais de 1 família. Já se falava em venda naquela época e foi o que aconteceu quando o dono partiu..

  7. Muito triste, restauradas ficariam bonitas e os moradores se beneficiariam, a cidade também.

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