Como podem desaparecer algumas organizações que tiveram presença importante na nossa sociedade? Quando digo desaparecer é literalmente não se ter notícias do que aconteceu não só com seu patrimônio, mas com a sua memória. Evaporou.

Até hoje se pode encontrar nos sites especializados ou numa simples busca na internet pessoas que reclamam dos serviços prestados pelo Touring Club do Brasil. Ainda telefonam reclamam que não atendem, reclamam que o guincho (ainda estão no tempo do guincho e não da plataforma) não chega e assim vai, mas o curioso é encontrar relatos sobre uma cobrança anual que – ao que parece diante de alguns relatos – ainda é emitida e enviada aos sócios.
Criado no Rio de Janeiro em 9 de novembro de 1923 por 12 homens interessados em fomentar o turismo, principalmente com automóveis, o Touring Club do Brasil não parava de crescer. Sua revista, por exemplo, foi editada pela primeira vez em 1924 e em 1973 atingiu a incrível tiragem de 300 mil exemplares, sendo que o número de sócios nesta mesma época, de seus 50 anos de criação, chegava aos 500 mil. Não é pouca coisa.

Na lembrança das pessoas estão não só os carros de serviço pintados de amarelo, mas as placas brancas em forma de seta indicando os destinos turísticos além do distintivo oval “Touring Club do Brasil – BR – Brésil” orgulhosamente colocados nos carros da época e que hoje suas réplicas enfeitam alguns carros de coleção.
O criador desta estrutura foi Pedro Benjamin Cerqueira Lima que, incentivador do que chamavam “automoturismo”, não chegou a ver que a entidade que criou chegou a ter filiais em todos os estados da federação, 200 delegacias em diferentes cidades, 50 postos de gasolina, serviços de despachante, autoescola, seguro, consórcio de automóveis, socorro médico e mecânico além de outros serviços.

O Touring foi muito ativo nas comemorações cívicas e também teve grande participação quando a abertura de estradas era uma necessidade nacional. A marca mais importante deste momento histórico a nível nacional é o Monumento Rodoviário e, em São Paulo, o Marco Zero.
Na cidade de São Paulo o Touring se instalou pela primeira vez em 1º. de novembro de 1933 na Rua 24 de maio, 2 passando a atender depois de abril de 1950 na Rua Quirino de Andrade, 35 junto a Praça da Bandeira e, finalmente, se instalou numa sede própria com 4 mil metros quadrados, 3 pavimentos mais subsolo na Avenida Tiradentes, 728.
Havia uma presença constante na mídia principalmente nas revistas voltadas a automóveis e sempre mostrando seus serviços e procurando angariar novos sócios sendo que uma das modalidades de associação era a compra de um título remido e é aí que pode ter sido o início dos problemas financeiros da entidade.
Ao pagar de uma só vez a aquisição do título, por uma quantia maior de dinheiro, mas sem a obrigatoriedade de se contribuir ao longo do tempo fez com que o caixa da entidade começasse a sofrer, afinal além deste tipo de título representar “uma conta que não fecha”, passamos por um período inflacionário tremendo onde os custos não paravam de crescer de forma assustadora sem que o Touring recebesse, entre outros, pelos serviços de socorro, aliás os mais custosos.
Uma notícia de 1987 já demonstra que as coisas não iam bem, pois os empregados dos serviços de auto socorro entraram em greve e paralisaram estes serviços por quase um mês, obviamente desagradando os associados e trazendo uma desconfiança sobre os serviços prestados. Ao mesmo tempo não podemos nos esquecer dos concorrentes como o Automóvel Clube Paulista e o Autotur que prestavam os mesmos serviços.
Um fator que prejudicou e praticamente acabou com a relevância deste tipo de entidade no Brasil foram os serviços de socorro mecânico e assistência que as seguradoras passaram a oferecer. O Brasil, diferentemente de outros países, não tem hoje o seu clube de touring, tipo de entidade ainda com forte presença em muitas partes do mundo.
Na década de 1990 já podem ser vistas reclamações nas páginas dos jornais. Os sócios buscavam seus direitos adquiridos através da compra de seus títulos remidos, mas não havia outra solução a não ser captar mais recursos, mesmo de quem detinha este tipo de título. A solução encontrada foi a captação de uma “contribuição de emergência” aprovada em assembleia, mas que alguns sócios insistiam em contestar na justiça nos idos de 1996.
Em 1998 é publicado um anúncio no jornal O Estado de S. Paulo onde são convidados os sócios para conhecerem os novos serviços pela “…nova gerência-geral do Touring em São Paulo…” num dos quatro endereços informados e onde ainda constava o da Avenida Tiradentes, 728.

Para piorar as coisas o Touring Club do Brasil passa a fazer parte da lista dos 50 maiores devedores do INSS sendo que em 1998 a dívida alcançava a cifra de R$ 65 milhões. Não tardou para que os pedidos de falência começassem a aparecer, como um publicado em janeiro de 1999.
Interessante que mesmo após o desaparecimento definitivo do Touring, aparentemente, muitas pessoas ainda acreditam que ele ainda existe, pois num anúncio de jornal de 2007 alguém oferecia à venda um título de “Sócio Benemérito” pela quantia de R$ 20 mil e ainda deixava claro que não tinha nem mensalidade nem anuidade… Coincidência ou não, neste mesmo ano estava sendo anunciado o leilão judicial do prédio da Avenida Tiradentes, mas numa metragem menor do que a do tempo de sua inauguração. Neste endereço atualmente funciona uma empresa de armazenagem.
Eventualmente podemos encontrar ainda hoje reclamações e comentários de pessoas que procuram os serviços do Touring, mas isso não é nada diante da possibilidade de alguém estar cobrando e muitas pessoas pagando por algo que nem sabemos que fim levou.
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Bibliografia
* Touring – Revista de turismo e automobilismo. Ano XLIX – No. 374 – Ano 1973. Coleção José Vignoli
* Anúncios publicados nas revistas Mecânica Popular e 4 Rodas
* O Estado de S.Paulo – Edição de 26/06/1964
* O Estado de S.Paulo – Edição de 19/07/1998
* O Estado de S.Paulo – Edição de 28/10/2007
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