Quem passa pelo cruzamento da rua Xavier de Toledo com o viaduto do Chá, outrora considerado um dos mais movimentados do planeta, e observa o edifício onde hoje funciona o Shopping Center Light, talvez não tenha ideia de que ali existiu por 15 anos outro edifício suntuoso, o antigo Theatro São José. Mas para contar esta história temos que ir até outro trecho da região central de São Paulo, em um largo que também não existe mais, o São Gonçalo.
Na metade do século 19 existia um teatro em São Paulo que era o grande espaço cultural da cidade, localizado no antigo Pátio do Colégio, era a Casa de Ópera. Naquele tempo o velho teatro já se encontrava bastante deteriorado e a municipalidade discutia a proposta de construir um novo teatro para abrigar os espetáculos da capital paulista. Em 1854 essa discussão foi iniciada, mas para o início das obras faltava definir algo muito importante: um local.
A primeira sugestão de espaço foi no Largo de São Francisco, precisamente onde hoje encontra-se o edifício que abrigou a Escola de Comércio Álvares Penteado (desapropriada em 2023 pelo governo paulista para abrigar mais um espaço da faculdade de direito) mas no final optaram por construir o teatro no Largo de São Gonçalo, atual praça Dr. João Mendes.
Inaugurado em setembro de 1864 o novo teatro abria as portas como um dos maiores do Brasil em sua época, mas não era uma bela obra arquitetônica. Pelo contrário, tratava-se de uma edificação simples e até certo ponto rudimentar, com tijolos expostos na fachada, sem acabamento em pilastras e janelas e, acredite, sem piso de alvenaria na plateia que era de terra batida. Outro detalhe, nos primeiros anos, é que não tinha cadeiras para o público, que levavam de casa seus próprios assentos.
Sem esperanças de ver o São José concluído de fato pelos seus proprietários e irritado com o vexame do principal teatro da capital paulista ser uma eterna obra inacabada, Saldanha Marinho, presidente da província (cargo equivalente ao atual de governador) decide tomar uma ação drástica: a estatização do teatro. A ação, no entanto, só tem efeito em 1873 quando a província já era presidida por João Teodoro.
Após ser encampado pelo governo o espaço passa a ser administrado por Antônio da Silva Prado – futuro prefeito da capital – que retoma as obras e finalmente conclui o São José em 1876, ocasião que é repassado novamente a particulares e reinaugurado. Entre os que se apresentaram neste teatro podemos destacar figuras como Sarah Bernhardt, Castro Alves e o maestro Arturo Toscanini.
INCÊNDIO:
Tudo ia bem até chegar a madrugada de 15 de fevereiro de 1898, quando os paulistanos são acordados com as badaladas dos sinos de alerta de incêndio da capital paulista: era o Theatro São José que estava em chamas. Até tentaram apagar o incêndio mas foi em vão, pois ao amanhecer restava apenas a fachada do edifício teatral, cujo interior, completamente destruído, era todo em madeira, restando apenas o que foi feito em alvenaria.
As causas do incêndio nunca foram determinadas com precisão, ficando em destaque uma teoria de que um funcionário que estava na preparação do baile de carnaval teria esquecido de fechar um bico de gás. O terrível acontecimento em plena época festiva deixou os paulistanos, de autoridades a populares, arrasados, afinal era o fim triste do grande teatro da cidade. A tristeza não duraria muito tempo, com a decisão de se construir um novo teatro São José tão logo fosse possível.
O SEGUNDO TEATRO SÃO JOSÉ
Logo após a virada do século 19 para o 20 começa a construção daquele que viria a ser o novo teatro São José. O local escolhido era em uma nova e mais badalada área da cidade: o centro novo, localizado do outro lado do vale do Anhangabaú e que era a nova região “queridinha” do paulistano, com edificações mais novas e modernas. Para tanto escolheu-se uma área que acreditava-se ser a melhor para o teatro: a esquina da rua Xavier de Toledo com o viaduto do Chá, então principal cartão postal paulistano.
O novo teatro São José não seria acanhado. Sua importância já começava com a escolha do arquiteto, o renomado Carlos Ekman, autor de outras importantes edificações como a Vila Penteado. Ekman optou por construir o novo teatro em estilo eclético, com a plateia em formato de ferradura e visão privilegiada do palco já que o arquiteto soube aproveitar muito bem o declive entre a rua Xavier de Toledo e o vale do Anhangabaú.
Inaugurado em 28 de dezembro de 1909 o novo Theatro São José era colossal se comparado ao velho teatro incendiado. Comportava 3000 espectadores (ante os 1200 do antigo), distribuídos em 387 cadeiras na plateia, 39 camarotes, 356 lugares no anfiteatro, 415 nos balcões, 629 nas galerias, além de 28 frisas. O palco, maior da cidade até aquele momento, comportava qualquer tipo de espetáculo com seu fosso capaz de receber até 70 músicos que por sua vez ficavam alojados em 13 camarins.
Muitos paulistanos após o espetáculo no Teatro São José iam jantar, beber ou mesmo apostar em alguns dos luxuosos espaços recém abertos no centro novo, como o Palais Elegant, que substituiu o Deustches Casino.
VIDA CURTA:
Quis o destino que o Theatro São José tivesse vida curta. Aliás, curta não, curtíssima. Menos de dois anos após a sua inauguração um novo teatro vai surgir praticamente em ao lado dele: é o Theatro Municipal de São Paulo, projetado pelo trio Ramos de Azevedo, Claudio Rossi e Domiciano Rossi.
A inauguração do Theatro Municipal de São Paulo é um grande baque para os proprietários do São José. Seu espaço teatral teve uma única temporada de sucesso, em 1910, com a apresentação de diversos artistas da capital do Brasil e estrelas internacionais. Porém a estreia do vizinho concorrente altera drasticamente a programação do São José para o ano de 1911 e seguintes, tendo que se contentar com temporadas menores, elencos de segunda linha e plateias reduzidas.
Aos trancos e barrancos e com parte de seus espaços alugados para lojas e profissionais liberais o São José resiste funcionando até 1919, ano que é vendido para a empresa Assunção & Cia, do empresário paulistano Paulo Assunção. Tão logo ele assume encerra as atividades teatrais do local.
Bem relacionado, Assunção logo descobre que a empresa São Paulo Tramway, Light and Power Company, popularmente conhecida apenas como Light, está em busca de um novo espaço para abrigar a sua sede. Ele procura ainda em 1919 a empresa e oferece o São José mas não há interesse. Posteriormente, em 1920, com a dificuldade em encontrar um espaço melhor, a firma canadense retoma as negociações e acaba adquirindo o teatro.
O FIM
Após adquirir o imóvel que outrora foi o teatro a Light dá um prazo para seus inquilinos deixarem o espaço, para a partir de então decidir como adaptar o prédio para suas necessidades. No entanto o que era para levar um ou dois meses acaba se estendendo por um longo período, sendo desocupado apenas em 1923.
No ano seguinte a empresa, que já ocupava o espaço, entende que as adaptações de um espaço teatral para um edifício de escritórios não será fácil nem prático. Assim em 1924 a Light decide pela demolição, colocando um ponto final na história do Theatro São José. Em 1926 o local está completamente limpo e pronto para o início das obras do futuro Edifício Alexandre Mackenzie.
Contudo a história do Theatro São José não se apagou. No início da demolição um cidadão foi até o local e decidiu comprar uma parte do material de demolição para usar em sua futura residência, que estava iniciando a construção não muito longe dali, na Bela Vista. Tratava-se do imigrante português Francisco de Castro, que usaria partes do antigo teatro para construir a famosa Vila Itororó.
Castro que havia iniciado as obras da sua vila em 1922, levou para seu canteiro de obras materiais de demolição como colunas, ornamentos e esculturas de cimento. Possivelmente a Vila Itororó é a primeira residência paulistana feita com parte de seus materiais reciclados de outro lugar. Concluída em 1929 a vila preserva até hoje, de certa maneira, a memória do antigo Theatro São José.
Galeria de fotos – Theatro São José (clique na miniatura para ampliar):