Morar na região central de São Paulo requer conviver cada vez mais com um cotidiano inusitado. Cheio de significados urbanos, a vida no centro é mais prático para alguns e ruim para outros. O vai e vem de carros, movimento intenso, poluição são partes da história dos residentes desta área e os locais de lazer tornam-se raros, quase nulos.
Apesar de nos referirmos aos dias atuais, vamos relacionar ao cotidiano infantil na década de 70. Tem situações que a história não muda, persiste em nadar contra a corrente do progresso.
O então prefeito Olavo Setúbal (1975 – 1979) tinha como meta a requalificação do centro de São Paulo, uma vez que a região já se encontrava bastante degradada já na década de 70.
Várias obras já tinham sido finalizadas tais como a implantação dos calçadões que vigoram até hoje e a restruturação da Praça da Sé com a demolição do Edifício Mendes Caldeira.
Uma cidade em constante transformação com mais cimento e menos verde onde os moradores ficavam ilhados em meio à selva de pedra. Quem saia perdendo eram as crianças vivendo em prédios onde a grande maioria das vezes não possuía espaços para a recreação. Relatos da época afirmam que algumas crianças fugiam dos apartamentos para brincar nas ruas ou alguma praça.
Tendo em vista esta situação, Olavo Setúbal resolveu fazer algo inovador. Inaugura em 15 de julho de 1978 o Recanto Monteiro Lobato.
Justa homenagem a um dos grandes escritores brasileiros, o Recanto Monteiro Lobato foi um parque de recreação situado na rua Conselheiro Crispiniano, próximo da avenida São João. Tinha como meta a qualidade de vida das crianças levando brincadeiras, tranquilidade, e principalmente o espaço, tão escasso para moradores da região central.
Imprescindível ressaltar que para o Recanto sair do papel e tornar-se realidade, foi necessária a demolição do casarão que antes ocupava o espaço. Projetado por Ramos de Azevedo em 1893, a residência de José Paulino também abrigou o Quartel General do 2º Exército a partir de 1918. Em 1968 a base do Exército saiu do antigo casarão que ficou desocupado até 1977 quando foi demolido.
Voltando ao Recanto Monteiro Lobato, o espaço possuía um grande playground, pista para velocípede, uma ampla caixa de areia, quiosques, coreto, banheiros e bebedouros, além de floreiras e algumas palmeiras imperiais, as únicas sobreviventes da época do Palacete. Ao todo três mil metros quadrados de pura diversão para a garotada.
Mais do que um espaço de recreação, o Recanto ganhou visibilidade e começou a ter função cultural. Apresentações de grupos de teatro tornaram-se constantes, inclusive grupos oriundos da Argentina e do Uruguai. O Recanto Monteiro Lobato começou a nos dar uma visão panorâmica da pluralidade cultural que é uma metrópole.
O Recanto tinha como vizinho o antigo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, referência de ensino da arte musical em São Paulo. Em 1982 esta tradicional instituição passou por uma grande reforma e a entrada principal passou a ser por dentro do Recanto. O projeto original do restauro previa um anfiteatro a céu aberto ao lado do Recanto Monteiro Lobato, porém nunca saiu do papel.
O que foi alegria garantida para muitas crianças, começou a se tornar um problema para o poder publico. Com o êxodo de várias famílias para outros bairros, infelizmente o local começou a ficar em desuso perdendo a sua funcionalidade. Após ser fechado, em meados da década de 90, o local teve outra utilidade: coletor geral de lixo da região central.
De espaço de lazer para espaço de coleta. No lugar de brinquedos, caçambas de lixo. Este novo espaço ficou por bom tempo tendo esta finalidade, longe da nostalgia dos adultos e alegrias dos pequenos.
Depois de mais de 10 anos com o espaço fechado, o terreno que abrigou o Recanto Monteiro Lobato finalmente voltou para os braços da população. Tornou-se uma alça de acesso para a Praça das Artes.
Inaugurada em 2012, a Praça das Artes é um marco da arquitetura paulistana. Arquitetura moderna e antiga se misturam, embalada pelo cotidiano da metrópole.
Brinquedos e brincadeiras desapareceram do local. Nada mais lembra o saudoso Recanto Monteiro Lobato que por muitos anos fez a alegria da criançada. Os mais observadores vão reparar num pequeno detalhe que ainda persiste.
A pintura na parede que margeia o antigo Cine Marrocos ainda possui desenhos geométricos é da época da inauguração. Assinado pelo arquiteto Maurício Fridman, ela prossegue como uma forma de tentar viabilizar a história do Recanto Monteiro Lobato para as futuras gerações.
Vivemos numa época que o antigo é atrasado, demolição é sinônimo de evolução. Onde o passado não é respeitado e a história é esquecida. Devemos lembrar que Monteiro Lobato foi um grande lutador pela cultura genuinamente brasileira, mas a metrópole pertence ao progresso e passa por cima de qualquer homenagem.
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Respostas de 10
Eu comecei minha vida profissional aí perto na Barão de Itapetininga em 1974. Vi construir o calçadão, vi esse casarão desocupado mas ainda vigiado pelo E.B. e vi ser demolido. Pena que o casarão tenha “rodado” mas esse espaço também ficou muito bom. Já a Praça das Artes eu não conheço, saí de São Paulo em 1999. Muito bom o material publicado.
A cidade de São Paulo, não é mais nem sombra daquilo que foi nos anos 50 e finais de 60.
O centro da cidade virou uma cidade abandonada! Isto é a cidade em geral está se tornando cada dia mais feia. Parece que querem destruir os patrimônios antigos. Coisas belas e de arte criadas em seculos passados e lindíssimas mansões vindo abaixo, para dar lugar aos prédios com mais de trinta andares sem nenhuma arte.
Vários prédios que deveriam ser restaurados e ocupados por órgãos do governo estão invadidos e a aparência é de uma cidade com uma enormidade de cortiços abandonados e muito mal conservados.
Esses prédios parecem ter sido detonados por uma guerra e as ruas, praças e certos lugares onde podíamos andar tranquilamente somos molestados por drogados e assaltantes.
Talvez se as ruas do centro da cidade voltassem ser o que era antes dos calçadões seria melhor.
O prefeito Olavo Setúbal, criou os calçadões nas ruas centrais como nas ruas: Direita, São Bento, XV de Novembro, e outras. O problema é que esses calçadões estão muito mal conservados. Quando chove ficam lisos e perigosos pra fazer o pedestre cair. Sem contar as poças de água que se acumulam.
Antes eram ruas com sarjetas e bueiros para escoar as águas das chuvas.
Não era necessaria a demolição. O espago deveria ter sido feito atras´da praça incorporando o casarão, muito bonito. Haveria n usos para ele ali.
Na minha visão esse espaço coleciona uma história de equívocos. Primeiro demolem o casarão, um dos últimos remanescentes de sua espécie no gênero. Então fazem uma praça estranha, confinada, árida; uma área verde generosa poderia ao menos compensar um pouco a perda do casarão. Por fim, o poder público gasta os tubos para fazer a tal praça das artes, que consegue ser ainda mais cheia de concreto e, por tabela, ainda despejou uma das mais antigas instituições paulistanas, o Conservatório, de seu prédio original. Enquanto isso o centro novo virou uma espécie de cohab de prédios invadidos, quase que um ao lado do outro. Não é assim que o centro vai voltar a ter algum brilho novamente.
Concordo parcialmente com o seu comentário. As intervenções urbanas feitas no centro da cidade desde meados dos anos 50 para cá em geral apenas contribuíram para acentuar a degradação da região. Quanto aos prédios invadidos, a Prefeitura deveria procurar os seus proprietários, negociar a compra dos mesmos e revendê-los à população em geral. Há prédios desocupados para todos os gostos e bolsos, do pessoal da varanda gourmet aos mais humildes, como aquele esqueleto de espigão na Rua do Carmo. E precisa acabar com esse preconceito de que todo pobre é baderneiro e vive num chiqueiro que a realidade não é essa. O centro somente se reerguerá se for ocupado por todas as camadas sociais.
Ótimo comentário Emerson, concordo que falta disposição política para que o centro renasça… Desde pequeno, ando por lá e fico imaginando como seriam os casarões no seu auge, mas também sinto que muitos prédios podiam ser reformados e transformados em moradia.
No lado oposto da Conselheiro, onde é o Vale do Anhangabaú e como parte integrante da Praça das Artes, foi preservada a fachada do Antigo Cine Cairo.
Sò um breve comentario sobre a “nova” arquitetura da recem inaugurada praça das artes (que ainda nao visitei): trata-se, pelo visto, de dois paralelepipedos encaixaods em forma de “T” de concreto aparente, ambos suspensos e com aberturas variadas. Nada de novo, quase um “clasico” da arquitetura paulistana modernista dos ultimos sessenta anos; quantas obras deste tipo espalhadas pela cidade! As novas fronteiras da arquitetura nao estao neste modernismo/brutalismo de maneira, que nada mais tem de “moderno”, mas na procura de mais sustentabilidade e vivibilidade da obra que vai ser realizada. Alias, neste sentido, a arquitetura “pre-moderna” era muito mais sustentavel e confortavel. Entao, para poder falar de uma nova arquitetura paulistana seria essencial ela encarar os dois verdadeiros desafios do contemporaneo: a conservaçao do antigo (que è memoria e alma da cidade) e a sustentabilidade do novo.
Mas, ainda assim, o que falta na cidade de Sao Paulo è “simplismente” politica urbanistica …
Eu JAMAIS iria imaginar que no meio da loucura do centrão tinha existido um espaço para crianças brincarem, como vocês conseguem descobrir essas coisas???