Imagino que não deveria ser difícil arrumar um emprego nos bairros do Brás, Belenzinho ou Pari nas primeiras décadas do século 20. Bem, com a quantidade de lojas hoje em dia também não deve ser, mas naquela época os três bairros e mais a vizinha Mooca fervilhavam de fábricas de tudo quanto é segmento, não sendo por acaso que a grande greve de 1917 estourou primeiro nessas regiões.
Do passado fabril do Belenzinho pouco resta ainda em funcionamento. Os galpões industriais ainda seguem pelo bairro como da Orion ou mesmo da Brinquedos Estrela, contudo hoje se conta nos dedos de uma mão só quais sobreviveram até o século 21. Uma que ficou no passado e deixou saudades é o lendário Pastifício Aracy:
Fundada em 1937 pelos empresários Manoel Lourenço e Nicolino Braga o pastifício oficialmente tinha o nome de Lourenço e Braga Ltda e ficava originalmente localizada no número 159 da avenida Celso Garcia (atual 683), no Brás, onde se produzia e vendia macarrão, além de comercializar café torrado e moído, produtos em conservas etc. Era uma produção pequena mas eficiente, que inicialmente atendia principalmente a numerosa comunidade de imigrantes italianos da região, ávidos por massas frescas.
O pastifício foi crescendo em relevância e em produção e suas instalações, com o tempo, se revelariam pequenas, levando a empresa a procurar uma nova área na região para expandir seus negócios em uma fábrica maior e mais moderna. Logo encontraram um terreno de pouco mais de 1400 m² no Belenzinho, não muito distante da fábrica original, onde construíram as novas instalações.
E assim, em 29 de outubro de 1951, era inaugurada uma nova fábrica no número 102 da rua Júlio César da Silva, totalmente moderna e preparada para atender a demanda em larga escala dos mais variados tipos de massas. A fábrica importou da Itália muitos de seus novos equipamentos ,elevando a produção diária com o consumo de mais de 5000 sacas de farinha, além de 8000 dúzias de ovos por mês.
Na inauguração, entre os novíssimos equipamentos italianos, a sensação era a máquina industrial de produzir ravióli, a primeira desse tipo a ser instalada no Brasil e com capacidade de 110 unidades por minuto (grande para a época). Na ocasião da cerimônia de inauguração a empresa também anunciou para poucos meses adiante a chegada primeira máquina de capeletti.
Com a nova fábrica em operação o antigo endereço não foi desativado, passando a ser exclusivamente a loja da empresa. A fotografia abaixo, do ano de 1951, mostra como era o estabelecimento que atendia ao público consumidor, na avenida Celso Garcia:
A prosperidade da empresa foi evoluindo com o passar dos anos, mesmo com o aumento da concorrência no setor alimentício de massas. A empresa teve dezenas de registros de aumento de capital entre as décadas de 1950 e 1970, bem como a entrada de novos sócios ligados às famílias fundadoras, como Aurora Braga e Emília Lourenço.
Abaixo você confere mais fotografias da fábrica da rua Júlio César da Silva, feitas por ocasião na inauguração desta nova sede:
O FIM
Os anos 1970 que não foram bons para o Pastifício Aracy que começa, sem alardes, a enfrentar problemas neste período. As notícias e a publicidade sobre a empresa meio que desaparecem nesta época, não deixando claro as razões das dificuldades.
Desta década em diante as informações que foi possível apurar são as constantes na Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP), sendo que é ali que obtive a informação que a empresa teve sua falência decretada pela 22a vara cível da capital em 1980. Era o fim do Pastifício Aracy.
O QUE RESTOU?
Você, leitor, já deve estar se perguntando se restou alguma coisa do prédio fabril da rua Júlio César da Silva e a resposta, felizmente, é sim. O imóvel trocou de proprietário anos depois da falência e passou a ser locado para outros estabelecimentos industriais, dos mais variados segmentos. Por longos anos o espaço foi ocupado por uma empresa têxtil chamada Seiki. Eles ainda existem mas mudaram-se para outro endereço do bairro.
A fachada foi reformada e foi transformada por completo, de nada lembrando que ali um dia existiu um pastifício, como você pode conferir na foto abaixo tirada no ano de 2024. Não é das fachadas mais bonitas do mundo, contudo é muito bem cuidada, inclusive com sua calçada típica paulista.
Contudo, felizmente, o legado do extinto e saudoso Pastifício Aracy não desapareceu por completo deste galpão fabril, e pode ser conferido se você tiver a sorte de passar pela calçada em um dia que a porta da fábrica estiver aberta.
Apesar das várias reformas que o imóvel sofreu desde 1980 para cá, seja lá quantos proprietários e inquilinos ocuparam o espaço desde então, todos mantiveram preservado o belíssimo painel de azulejos que fica logo na entrada da velha fábrica, do lado esquerdo, que você confere a seguir:
Trata-se de uma linda arte pintada sobre azulejos representando a plantação e colheita de trigo (ingrediente base do pastifício, junto com os ovos) em um cenário europeu. Painéis artísticos de azulejos são muito comuns nas casas antigas da região do Brás e Belenzinho e foi uma excelente escolha para adornar a entrada da fábrica.
A obra é trabalho de Armando Moral Sendin (*1928 +2020) artista renomado que destacou-se como escultor, desenhista pintor e ceramista. Entre seus diversos trabalhos de pintura em azulejos, destaca-se o da biquinha de São Vicente (SP) realizado junto com seu irmão Waldemar Moral Sendin, este último, por sua vez, que assinava suas obras como Ateliê Artístico Moral.
Que esta obra de arte continue preservada!
Dados técnicos da empresa:
Razão social: Lourenço & Braga Ltda
Nome fantasia: Pastifício Aracy
Abertura: 31/7/1937
Endereço inicial: Avenida Celso Garcia, 159 (atual 683)
Primeiro número de telefone: 93-6991
Endereço final: Rua Júlio César da Silva, 102
Encerramento: 1980 (falência)
Respostas de 4
Tenho 75 anis, e minha infância foi na Júlio Cezar da Silva, 133, onde funcionava a alfaiataria do meu psi, Luiz Iazzetta, puxa, revivi td isso com a história do Pastificio Aracy, qtas lembranças, morávamos em frente. Grata
História interessante, parabéns pela matéria rica em detalhes.
E não era roxo o pacote de macarrão Aracy? O espaguete não vinha em pacotes fora dos padrões de hoje, uns 40 cm?
Meu pai foi o Contador deste grande Pastificio ARACY.Ele lutou muito para sanar dívidas da empresa. Mas familiares dos donos Sr. Lourenco e sr Braga não ajudavam. Meu pais tentou impedir que as dívidas aumentassem, mas gastavam muito além do que a empresa podia.