Palacete de Jorge Street

Quando falamos no nome de Jorge Street em estudos, pesquisas ou mesmo bate-papos sobre São Paulo a primeira coisa que vem à cabeça é a vila operária construída por ele no bairro paulistano do Belenzinho cujo nome, Vila Maria Zélia, é uma homenagem a uma de suas filhas que morreu ainda adolescente, aos 15 anos de idade. Contudo você já parou para pensar onde que Street morava?

Jorge Street não é paulistano, mas sim carioca. Apesar de desde os primeiros anos do século 20 já possuir negócios na capital paulista, precisamente a Tecelagem de juta Santana, Street nasceu e viveu uma boa parte de sua vida no Rio de Janeiro, então capital brasileira. A decisão de mudar para São Paulo aconteceu em 1915, ano que sua filha, Maria Zélia Street, faleceu.

No primeiro momento ele muda com sua família para um casarão alugado, porém no ano de 1916 adquire um palacete no bairro de Campos Elíseos que pertencia a Firmiano Moraes Pinto. Localizado na alameda Glete esquina com rua Guaianases e construído no final do século 19, entre 1895 e 1899, o imóvel passa em 1920 por uma ampla reforma para se adequar para os Street, em projeto arquitetônico executado Hyppolyto Gustavo Pujol Filho, momento que o imóvel ganhou mais requinte e ares de modernidade. A fotografia abaixo é de antes da reforma.

O palacete no final do século 19, antes de ser reformado

No período em que chega à capital paulista Jorge Street amplia seus negócios com a construção de uma nova fábrica, a Companhia Nacional de Tecidos da Juta e sua famosa vila operária já mencionada no início deste texto. Empresário em ascensão no cenário nacional Street se torna uma grande referência em especial no trato e respeito com funcionários, em uma época que direitos trabalhistas não existiam e condições de trabalho muita vezes eram desumanas, além de ser um período marcado por greves violentas em São Paulo.

O palacete de Jorge Street após a reforma executada em 1920 (clique para ampliar/crédito: Acervo CAPH / FFLCH)

Apesar de arrojado e influente Jorge Street começa a ter dificuldades já no começo da década de 1920, ocasião em que malsucedido nos negócios se vê forçado a vender tanto a fábrica de Santana com a do Belenzinho para tentar reduzir sua enorme dívida junto a credores. Mesmo se desfazendo das indústrias, Street não quita tudo o que deve a acaba perdendo seu palacete para a companhia de seguros Sul América, sendo que nem mesmo os móveis da família permitiram que retirasse da propriedade.

Falido Jorge Street muda-se para uma casa na rua Baronesa de Itu, em Higienópolis, onde vive até seus últimos dias. Sem suas empresas para administrar Street vira funcionário público e posteriormente funcionário da FIESP, de onde foi um dos fundadores. Veio a falecer de pneumonia, aos 75 anos, em 23 de fevereiro de 1939.

Face leste do palacete que pertenceu a Jorge Street (clique para ampliar / crédito: família Street)

Sem Street o palacete toma uma rumo que muitos outros palacetes do bairro de Campos Elíseos também tiveram: a educação. Em 1937 o imóvel é adquirido pelo governo paulista para que ali fosse abrigada a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP (FFCL USP). É nesta época que os dois pavilhões da residência, que eram separados, são juntados com uma nova edificação erguida entre elas sendo que neste novo espaço é instalado um grêmio estudantil e departamentos de Geologia e Paleontologia.

A planta a seguir apresenta o lote da antiga residência de Jorge Street já sob os auspícios da Universidade de São Paulo (USP):

Em 1939 o lote recebe uma nova construção em parte do terreno que antes eram áreas de lazer da velha residência para abrigar a Faculdade de Química. Esse mesmo prédio receberia uma ampliação estrutural em 1944. Na mesma década de 1940 o palacete sofreu outras intervenções, como a escavação da área do porão que após a obra passou a abrigar a turma de Biologia.

O imóvel ainda receberia outras áreas de ensino da USP nas próximas décadas e o intenso movimento de alunos aliada a poucas obras de preservação do imóvel foram deixando o antigo palacete de Jorge Street cada vez mais deteriorado. O governo paulista só concentrava investimentos de valores na nova área da universidade no bairro do Butantã e com o tempo todos os cursos ainda presentes em Campos Elíseos deixariam o imóvel definitivamente.

Saguão de entrada do palacete na época em que Jorge Street ainda residia por lá (clique para ampliar / crédito: família Street)

No ano de 1970, com o palacete já vazio, o conselho universitário decide colocar o imóvel à venda, através de concorrência pública. Contudo o bairro de Campos Elíseos já começava uma transição para a decadência, com vários dos palacetes outrora abrigados por ricas famílias agora abrigando cortiços. O terminal rodoviário da Luz, inaugurado em 1961, popularizou o bairro e contribuiu para que não surgissem interessados em adquirir a propriedade num primeiro momento.

Somente em 1973, quando o palacete já estava em sua quarta concorrência pública, é que o imóvel é vendido. O novo proprietário era a Frical Administração e Serviços LTDA pertencentes a Octávio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho ambos donos da empresa Folha da Manhã S/A (jornal Folha de S.Paulo). Tão logo adquire a propriedade a empresa trata de colocar o palacete abaixo, sem cerimônias. Era o fim do Palacete de Jorge Street, ou melhor, do Palacete da USP já que a universidade foi dona do local por muito mais tempo.

Apesar da demolição nada é construído no local que permanece até hoje um terreno vazio e mal cuidado onde funciona um estacionamento. Da velha residência que outrora existiu ali restou pouquíssima coisa, sendo uma parte do muro original, na face da rua Guaianases, e a frondosa figueira que é junto com a figueira das lágrimas, tombada como patrimônio histórico paulistano.

Em algum momento a propriedade foi transferida e deixou de pertencer a Frical, passando para as mãos da Caldea Administração, cujos sócios residem no exterior. Mesmo tendo um estacionamento no local a área é mal cuidada e contribui com a deterioração do entorno.

Veja mais fotos do palacete na galeria abaixo (clique para ampliar):

NOTAS:

* 1Firmiano Moraes Pinto, político paulista, viria posteriormente a ser prefeito da Cidade de São Paulo. Seu mandato foi de janeiro de 1920 a janeiro de 1926. Apesar de ter sido dono do imóvel que posteriormente vendeu a Jorge Street, não está claro se residiu ou não no local.
* 2Octávio Frias de Oliveira, um dos donos da Frical, que adquiriu a propriedade em concorrência pública realizada em 1973, era sobrinho neto de Jorge Street.

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5 respostas

  1. Jorge Street era um empresário moderno, principalmente no respeito á dignidade de seus operários, no entanto sucumbiu, inclusive pela prática predatória e selvagem do empresariado brasileiro em geral, como se percebe na demolição, sem necessidade, dessa relíquia, por membro de uma família (Frias), ligada ao jornalismo, de onde era de se esperar algum respeito cultural. Fica mais fácil entender porque a Folha é o que é.

    1. Sem dúvida, Laurinda, dos proprietários da famigerada Folha de São Paulo não poderíamos esperar outra coisa.
      “De onde menos se espera é que não sai nada mesmo”.

    2. Era mais ou menos o que eu ia dizer. Vê-se que a Folha – por meio da família Frias – sempre prestou um desserviço à cidade de São Paulo. A propósito, trabalhei como jornalista no grupo, nos anos 90, e sofri com a precarização das relações trabalhistas já naquela época. Não registravam a carteira dos trabalhadores e não pagavam qualquer benefício, sequer transporte ou refeição. Naquela época, a empresa lucrava muito. Hoje estão decadentes; acredito que só se sustentam porque diversificaram os negócios e o forte é a área bancária (Pag Bank).

  2. Que triste fim o do palacete de Jorge Street, principalmente por ter tido como últimos donos a faculdade de humanas da USP e os sócios-jornalistas da FSP – gente que, presume-se, deveria ter cultura e zelo pelo que concerne a ela. Como acontece não raras vezes, a elite moderna é imbuída de falsa cultura e de falsa consciência, desprezando a beleza e o que se relaciona com a tradição civilizada, infelizmente. E é essa gente que vive ávida de mandar nos outros e ampliar poderio. Quando essa gente vier a saber o que é apeirokalia, muita coisa vai mudar.

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