Alguns lugares de São Paulo parecem que estão estacionados no tempo. O tumulto da metrópole passa longe de alguns espaços e o que nos resta é contemplar o passado.
O Cemitério do Santíssimo Sacramento é o melhor exemplo de que a cidade parou para “descansar”. Por ser localizado bem ao lado do Cemitério do Araçá muitos se confundem pensando que trata-se do mesmo cemitério, quando na verdade são dois.
Fundado em 1899 pelo Conde José Vicente de Azevedo, este espaço mortuário está repleto de curiosidades e de sepulturas de pessoas que fizeram parte da história de São Paulo como Visconde do Rio Tinto, Toledo Malta, Rodovalho Junior e o cafeicultor José de Queirós Aranha. Também estão ali mausoléus de diversas irmandades, congregações e comunidades católicas, como o dos Jesuítas.
Dentre as autoridades católicas, população em geral e personalidades que estão sepultadas neste pequeno cemitério, uma pessoa chama a atenção: o General Dilermando de Assis.
Dono de uma trajetória bem polêmica em sua vida militar, é conhecido principalmente pelas mortes do célebre escritor Euclides da Cunha em 15 de agosto de 1909 e seu filho, Euclides da Cunha Filho, o Quidinho, em 4 de julho de 1916. Em ambos os casos, curiosamente, em legítima defesa.
O motivo do primeiro assassinato foi um caso de relacionamento amoroso. O então jovem militar Dilermando de Assis mantinha um caso com Anna Ribeiro, até então esposa de Euclides da Cunha. O caso incomodou bastante o escritor, que resolveu tomar satisfações com Dilermando.
Euclides foi até a Pensão Monat na Estrada Real de Santa Cruz, atual Avenida dom Hélder Câmara no bairro de Piedade, Rio de Janeiro, onde estavam hospedados Anna, Dilermando e Dinorah- este último, apesar do nome, era irmão de Dilermando.

Ilustração da Tragédia de Piedade. (O Malho)
O episódio ficou conhecido como “A Tragédia da Piedade”. Euclides entrou na pensão gritando “matar ou morrer”. Acertou primeiramente Dinorah que tentou defender o irmão, mas a tragédia já estava anunciada. Dilermando chegou a ser alvejado, mas revidou e atingiu Euclides que veio a falecer.
Dinorah, jogador de futebol do Botafogo, chegou a se recuperar e jogar algumas partidas, sendo campeão estadual em 1910, mas a sua saúde estava fragilizada perdendo os movimentos da perna gradativamente. Anos mais tarde, mais precisamente em 1921, deprimido, acabou por cometer suicídio na cidade de Porto Alegre.

Velório de Euclides da Cunha na Academia Brasileira de Letras
Se a história já não fosse até ai trágica o bastante, ela ainda teria continuação em contornos que mais se parecem de um filme. Sete anos após a morte de Euclides da Cunha seu filho decidiu vingar-se da morte de seu pai. Foi atrás de seu padastro, Dilermando, em um cartório do Rio de Janeiro onde o alvejou pelas costas. Contudo Dilermando estava armado e reagiu prontamente, matando seu enteado.
Na fotografia a seguir, as marcas de tiros atribuídas a Euclides da Cunha Filho no corpo de seu padastro Dilermando de Assis:
Apesar da polêmica e de toda a tragédia familiar envolvendo o caso, Dilermando de Assis foi absolvido nos dois casos alegando legítima defesa. Mesmo assim, por mais que justificasse sua inocência em livros e entrevistas, sua biografia continha um rastro de sangue.
A absolvição na justiça não foi acompanhada pelos meios jornalísticos, onde a popularidade de Euclides da Cunha como jornalista e escritor sobrepujava a do militar, que sempre foi visto pela imprensa como o grande vilão, juntamente com Anna de Assis.
Com tamanha pressão, viúva de seu primeiro marido e enlutada de seu primogênito era natural que o relacionamento de Anna com Dilermando sofresse um grande desgaste. Depois de algum tempo, separou-se de Dilermando e seguiu sua vida, enquanto o militar mudou-se para São Paulo como que se quisesse deixar o passado e recomeçar a vida.

Na fotografia, Anna de Assis já na faixa dos 70 anos de idade
Em terras paulistas, como engenheiro, Dilermando foi responsável pelo plano rodoviário do Estado de São Paulo na década de 1930 e posteriormente diretor do departamento de Estradas e Rodagens. Também elaborou projetos para edificação de escolas e foi diretor do Instituto Geográfico e Geológico de São Paulo e membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP).
Dilermando de Assis viria a falecer em 13 de novembro de 1951, curiosamente apenas seis meses depois da morte de Anna de Assis no Rio de Janeiro. Em um jornal do Rio de Janeiro, assim foi noticiado seu falecimento:
Em sua última morada, no Cemitério do Santíssimo Sacramento, Dilermando não está sozinho. Ele transladou os restos mortais de seus pais João Candido de Assis (*1861 +1892), Joaquina Carolina de Assis (*1858 +1904) e de seu irmão Dinorah de Assis (*1889 +1921) que estavam sepultados no Rio Grande do Sul.
No mausoléu de Dilermando e família estão as fotos dele juntamente com as fotos de seus pais, como mostra a fotografia abaixo:

A fotografia de Dilermando é a do meio
Curiosidades:
- Apesar de possuir jazigo no Cemitério do Santíssimo Sacramento, onde já estavam enterrados seus pais e irmão, Dilermando teve em um primeiro momento seu sepultamento negado no local pela irmandade que administra a necrópole. Seu passado com as duas mortes e mais a relação com Anna antes de se casarem pesou a favor da negativa. Ele seria primeiramente sepultado no Cemitério São Paulo e somente anos depois levado ao Santíssimo.
- Dinorah de Assis, seu irmão, chegou a jogar no futebol paulista defendendo o extinto Sport Club Internacional.
- Após separa-se de Anna de Assis, Dilermando casou-se com uma nova esposa e desse relacionamento teve uma única filha, Dirce de Assis Cavalcanti. Ela é autora de uma interessante biografia de seu pai, chamada “O Pai”, publicada pelo selo Ateliê Editorial.
Bibliografia consultada:
- Anna de Assis: História de um trágico amor – Andrade, Jeferson de – Editora Codecri (1987)
- O Estado de S. Paulo – portal de notícias – LINK visitado em agosto de 2019.
- Correio da Manhã – Edição de 14/11/1951
Fotografias complementares:

Dilermando de Assis quando jovem

Dilermando de Assis em 1950

Dinorah de Assis aos 20 anos, quando aspirante da Marinha

Em destaque no elenco botafoguense, Dinorah de Assis (crédito: twitter @alliatti)
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