O Castelinho de Perus

Apesar da pouca ou quase nenhuma atenção dada por nossas autoridades ao patrimônio histórico e arquitetônico das periferias, e não se estimular o estudo da história dos bairros no nosso sistema de ensino, a cultura paulistana mesmo assim é bastante prolífica e isso também vale para a nossa arquitetura.

Muitas das obras interessantes de São Paulo nem sempre foram feitas por arquitetos de grande renome, mas por desconhecidos que deixaram sua marca espalhada pela capital paulista de leste a oeste e de norte a sul. Sejam eles os célebres “capomastri” italianos ou mesmo pedreiros de outras nacionalidades ou regiões do Brasil, são vários os trabalhos dignos de nota pela cidade.

E uma dessas obras marcantes é pouco conhecida pela grande maioria dos paulistanos e está localizada no extremo norte na cidade. Trata-se do curioso Castelinho de Perus.

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HISTÓRICO:

Localizado no número 1800 da avenida Fiorelli Peciccacco esquina com a rua Cosme dos Santos e não muito distante da estação Perus da CPTM, o castelinho é uma verdadeira obra de arte a céu aberto, um trabalho digno de uma pessoa com muito talento e, sem dúvida, bastante paciência.

A residência é uma das mais antigas de Perus e foi construída para abrigar a família de um imigrante espanhol, originário da região de Córdoba que chegou ao Brasil na faixa dos vinte anos fugindo da ditadura franquista e do clima de guerra europeu desta época. O nome dele: João Rufino Fernandes Moreno.

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Figura eclética, João Rufino era químico de profissão e músico de paixão. Trabalhou naquela que foi a mais famosa empresa da região de Perus: a Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus. Na lendária fábrica de cimento, fechada definitivamente em 1987, ele trabalha no laboratório. Nas horas vagas de trabalho João Rufino, que era músico profissional, alternava entre tocar saxofone, uma de suas grandes paixões, com a criação desta magnífica e peculiar obra de arte em forma de residência.

De acordo com familiares de João Rufino todo o cimento utilizado foi trazido da própria Portland e os azulejos vieram de diversas fontes, não de lojas mas de casas da região e de outros locais bem mais distantes. Ele mesmo moldava os azulejos e os caquinhos a seu gosto, formando em caixas de madeira os mais variados formatos e símbolos, que depois de moldados eram espalhados por toda a fachada do imóvel. O autor tinha uma predileção especial por ovos, pois é o item que mais se repete nos mais variados estilos, dentro de taças, bandejas, cestas e pratos.

Ovos aparecem em vários pontos da fachada, tal qual neste ponto.

O GAUDÍ DE PERUS:

Admirar o Castelinho de Perus é observar nele um trabalho artístico que de certa maneira nos remete a um dos mais admirados espanhóis de todos os tempos: Antoni Gaudí. Expoente do modernismo catalão, sua obra era repleta de materiais como cerâmica, além de vitral, marcenaria e ferro forjado.

João Rufino tem a mesma origem espanhola de Gaudí e, homem culto que era, é provável que tenha conhecido a vasta obra de seu conterrâneo ilustre e nela se inspirado. Como é falecido e ninguém o entrevistou a tempo, jamais saberemos. No entanto é impossível observar esta casa e não lembrar de Gaudí e até mesmo do chileno Jorge Selarón, autor da famosa escadaria Selarón, no Rio de Janeiro.

Obras de Antoni Gaudí (esquerda) e de Jorge Selarón (direita) – clique para ampliar

De acordo com o depoimento de um bisneto dele em uma entrevista de anos atrás, João Rufino viajava muito a Santos de onde trouxe muitos dos caquinhos que utilizou na decoração da fachada de sua residência. Ele teria também decorado uma casa de maneira muito similar naquela cidade litorânea, mas sua localização ou atual existência é desconhecida.

PATRIMÔNIO PAULISTANO:

João Rufino Fernandes Moreno e seu saxofone (Crédito: Acervo da família)

Me causa muita tristeza saber que até hoje o Castelinho de Perus não foi oficialmente reconhecido como patrimônio histórico paulistano e nem mesmo foi agraciado com uma placa do inventário Memória Paulistana, concedido pelo Departamento do Patrimônio Histórico (DPH).

O São Paulo Antiga se compromete aqui a levar essa história ao conhecimento do departamento, bem como solicitará um pedido de tombamento do castelinho. Fica aqui o convite a empresas da região de Perus que apóiem a preservação desse bem precioso deste bairro paulistano. Se estiver na região, não deixe de parar para contemplar e tirar algumas fotos. Faça turismo na sua cidade, todos ganham.

GALERIA DE FOTOS (clique para ampliar):

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17 respostas

  1. Que coisa linda, preciosidade!!!
    Parabéns pela descoberta e de divulgar para todos.
    Vanderlei A. Zago (Campinas/SP)

  2. História muito interessante seria bom se podesse visitar eu sou morada de perus aqui tem muitas histórias boas do bairro

  3. Bela reportagem Douglas! Conheço o local castelinho de Perus e realmente é bem antigo. Setores públicos do bairro parecem não se preocuparem com historias, mas não vem ao caso. Parabéns e continue com suas descobertas para desfrutamos delas.

  4. Eu vi esse castelo quando o ponto de ônibus foi desviado e o ponto fica em frente a esse castelo,na hora que eu vi me chamou muito a atenção fiz até um vídeo pra minha esposa, de tanto que achei muito bonito realmente o dono teve muito bom gosto de fazer ele assim , e de fato a história e maravilhosa ..

  5. Morei em Perus durante 34 anos, me mudei em jan 2017, nasci em 1982. Ah, o Castelinho. Que saudades. Não sei nada sobre ele nem seu morador. Faz parte da paisagem de quem por ali passa. O observei muito tanto à pé quanto de ônibus.

  6. Eu sou moradora de Perus fiquei encantada com a historia do Castelinho, desconhecida por muitos de nós, moradores.
    Sabia que o Castelinho era antigo, só não sabia que era da época da Fabrica de Cimento Portland. Vou perguntar para a minha mãe e meus tios se eles se lembram da construção do Castelinho… eles eram crianças e estavam sempre na Fábrica de Cimento (que é próxima) pois meu avô trabalhou lá.

  7. Meus pais sairam da V Mariana S.P. quando eu tinha 04 anos e se mudaram para Perus em 1969. Cresci nos sítios dos arredores de Perus e estudei no Suzana de Campos e Brigadeiro Gavião Peixoto e muitas foram as vezes que passei de frente ao castelinho e muito me chamava a atenção povoando a imaginação…me mudei de Perus, em 1999.
    Que alegria conhecer a história do castelinho entranhado como se fosse uma raiz de uma grande e colorida árvore em azulejos. Gratidão pela reportagem Douglas Nascimento.

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