A dinâmica da Cidade de São Paulo é algo muito maluco. De um dia pro outro, do nada, casas desaparecem e viram prédios, monumentos são roubados e somem para sempre, ruas, avenidas e até estações do Metrô mudam de nome e, olha que curioso, banco passa a ser uma loja.
Bem na verdade nem é raro uma agência bancária virar outro tipo de estabelecimento. Afinal cada vez temos menos agências físicas, à medida que os bancos vão ficando mais eletrônicos e centrados na internet, seja com aplicativos ou através de seus respectivos sites. Contudo, acho que essa foi a primeira vez que um prédio inteiro de um banco virou uma loja de rede.
Estava eu com a minha patroa e um casal de amigos passeando pelo centro quando as duas esposas decidem entrar numa loja da rua São Bento dessas que vende de tudo, de panelas a circuladores de ar, e muitos utensílios domésticos. Eu particularmente não gosto de entrar em lojas, mas como não é tão seguro ficar de bobeira em calçadões do centro, optei por acompanhá-las dentro do estabelecimento.
Completamente desinteressado pelos artigos da loja em si – ah se fosse uma livraria rsrs – comecei a olhar para outros detalhes do estabelecimento. Foi quando me deparei para a luxuosa (e antiga) luminária que se repete pelo teto do local. Não era jamais uma iluminação projetada para um comércio, mas algum outro tipo de atividade.
Essas luminárias antigas me deixaram muito intrigado sobre o que poderia ter sido esta espaço antes de ser a loja. Lembro claramente que uns vinte anos atrás era uma agência do Banco Bradesco nesse local, mas eu acreditava que deveria ser algo ainda mais antigo, pois é comum um banco ir comprando outro até que quem não é da área perca completamente o rastro de qual era o banco original. Isso é mais frequente do que você, leitor, pode imaginar, tanto que dois bancos vizinhos a essa loja com edifícios icônicos, o Banco de São Paulo e o Banco do Estado de São Paulo (Banespa), até hoje muita gente pensa equivocadamente que foi o mesmo banco em épocas diferentes.
A minha ansiedade-curiosidade (caminham juntas, sempre) atingiu a escala máxima quando eu fui até o fundo da loja e pude observar – bem escondidos atrás de pilhas e pilhas de produtos – um relógio na parede e também estes vitrais artísticos com cenário da região:
Obviamente ninguém ali sabia explicar o que eram esses painéis, o que é até compreensível. Mas com a curiosidade aguçada fui atrás para descobrir o que tinha sido originalmente ali. E foi através de pesquisa que acabei encontrando a resposta: o local foi construído para ser a sede do Banco Nacional da Cidade de São Paulo.
Fundado em 1924 este banco existiu até o início do ano de 1957 quando foi incorporado pelo Banco Indústria e Comércio de Santa Catarina S/A (INCO). Nesta incorporação o banco levou não apenas a carteira de clientes e suas respectivas contas e investimentos mas todos os imóveis, ou seja, esse pequeno edifício de seis andares da rua São Bento também foi junto.
Curiosamente o edifício não ficaria nas mãos do banco INCO por muito tempo pois em 1968 foi a vez do Bradesco ir às compras e adquirir os catarinenses. Com a aquisição foram novamente os imóveis e o local passou a ser uma agência do banco Cacique e depois Bradesco, que funcionou até o início dos anos 2000. Posteriormente a agência foi fechada e o local passou a ser usado para o comércio, até que em 2017 e até o presente momento funciona a Lojas Mel.
Cá com os meus botões penso que a loja não deu muita trela para esses vitrais e detalhes do prédio. O empresariado brasileiro não é muito apto a lidar com cultura e fico imaginando aqui o potencial de divulgação que é perdido pelas Lojas Mel em não dar destaque para essas particularidades do imóvel. Eu mesmo voltei lá já duas vezes, só por conta desses detalhes históricos.
Veja mais fotos do local atualmente:
A história do edifício:
Agora que sabemos a origem da loja que era banco, vamos saber um pouco mais sobre este prédio da rua São Bento. A princípio pode até dar a impressão em alguma foto que é mais uma arranha-céu da região, mas na verdade trata-se de uma construção relativamente pequena com apenas seis andares.
O prédio do Banco Nacional da Cidade de São Paulo, cujo nome aliás é uma imitação paulistana do nome original do Citybank, que é Banco Nacional da Cidade de Nova York. Foi construído a partir de 1941 e inaugurado no segundo semestre de 1942 com projeto, construção e decoração de Francisco Matarazzo Neto e colaboração de Lucian Korngold.
O edifício de linhas retas e clássicas foi quase que totalmente revestido de mármore travertino e como dispositivo de segurança, por ser um banco, tinham grades de proteção que eram levantadas automaticamente do subsolo. O andar térreo, de atendimento ao público e onde atualmente é a loja, dispõe de um pé direito de 7,5 metros de altura.
Os demais andares eram originalmente dispostos da seguinte maneira:
1º e 2º andares contabilidade
3º andar secretaria e escritórios de diretoria
4º andar escritórios, salão nobre e terraço
5º andar enfermaria e almoxarifado, além de terraço
6º andar casa das máquinas, central telefônica e outro terraço
Por fim fica uma dúvida: no quarta andar existia uma pintura que ilustrava o mapa do Brasil feito pelo artista plástico português Eduardo Anahory (foto abaixo). Será que esta pintura ficou no edifício ou foi removida? Trata-se de uma preciosa obra de arte de um importante pintor do além-mar que durante os anos 1940 desenvolveu vários trabalhos e exposições no Brasil, inclusive com o célebre Oscar Niemeyer.
A seguir você confere uma galeria com fotos da inauguração do edifício, feitas pela saudosa revista Acrópole e um anúncio do banco:
Bibliografia consultada:
Revista Acrópole – Ano 5 – Novembro de 1942 pp 241 a 247
O Estado de São Paulo – Edição de 27/2/1957
O Estado de São Paulo – Edição de 24/8/1969
Jornal de Notícias – Edição de 10/3/1949
Uma resposta
Outro dia entrei nessa loja, entusiasmada por alguns produtos em promoção e aproveitei para dar uma volta pela loja e de fato, as luminárias e as paredes me chamaram a atenção, não sabia que havia sido um banco até que comentando e mostrando ao meu marido e daí ele falou que antes fora um banco. Não reparei nos vitrais, mas com certeza era uma São Paulo mais bonita que hoje. Bela matéria! Parabéns!!