Quem transita pela região central de São Paulo não deixa de notá-los. Belos, altos e charmosos os antigos postes de energia da Light começaram a ser implementados na cidade de São Paulo em 1927, quando a companhia de energia fechou um contrato com prefeitura e governo do Estado para reformular a iluminação pública no município.
Com o novo contrato a cidade dava um passo rumo a modernidade, deixando para trás a já antiquada iluminação feita por óleo de mamona, baleia ou lampiões a gás. Alguns postes antigos foram adaptados a esta nova tecnologia enquanto outros passaram a ser produzidos nas oficinas da Light para atender a demanda de uma cidade em crescimento.
Com o tempo, os postes foram totalmente incorporados a bela paisagem da região central. Ao anoitecer, é impossível não notar a atmosfera elegante que seus pontos de luzes trazem para as ruas de nossa cidade, e eles rapidamente tornaram-se símbolos paulistanos.
A grande maioria destes ícones de ferro fundido ostentam ornamentos que glorificam a república brasileira, através do brasão de armas e outros, mais simples, mostram flores estilizadas em ferro. Abaixo um painel com todos os diferentes postes de energia oferecidos pela Light & Power.
Algumas décadas adiante a Light não se fez mais presente na cidade de São Paulo, veio a estatal Eletropaulo e já privatizada a AES Eletropaulo e finalmente a Enel Distribuição. Mas estas transformações não mudaram a rotina dos famosos postes de luz, que permanecem até hoje pelas ruas paulistanas.
Porém, estes símbolos da cidade estão em grande parte em mau estado de conservação. Alvos de uma quase total ausência de manutenção e constantes atos de vandalismo, é cada vez mais difícil encontrar um poste totalmente preservado.
Nossa reportagem caminhou por uma extensa área da região central de São Paulo e fotografou 39 destes postes danificados. Os problemas vão de simples pontos de ferrugem a roubos de tampas e brasões. Abaixo você confere um mapa de nosso trajeto:
Para fazer a reportagem percorremos a pé o seguinte trajeto: Praça João Mendes, Praça da Sé, Rua Boa Vista, Rua São Bento, Praça Antônio Prado, Avenida São João, Largo do Paissandu, Praça Júlio Mesquita, Largo do Arouche, Avenida Vieira de Carvalho, Praça da República, Avenida São Luis, Viaduto 9 de Julho, Viaduto Jacareí, Viaduto Dona Paulina e finalmente a Praça João Mendes de volta.
A conclusão que chegamos após percorrer este trajeto mostra o quanto é ineficiente a proteção destes postes que são se confundem com a história de nossa cidade. Abertos, suas entranhas viram uma espécie de lixeira, uma vez que em quase todos os postes que encontramos abertos havia lixo em seu interior, mesmo com diversas lixeiras próximas a disposição do cidadão.
Outros postes foram fechados com cimento por iniciativa de comerciantes, cansados de esperar pelo retorno seja da prefeitura ou da concessionária. Em um dos casos, o dono de um bar esperou três anos par algum responsável ir tampar o buraco do poste diante de seu estabelecimento. Cansado de ver o mesmo virar lixeira, ele mesmo fechou.
Já outro poste, diante do imponente prédio da Secretaria da Fazenda, na Avenida Rangel Pestana, simplesmente desapareceu. Foi removido pela companhia de eletricidade há meses e nunca mais voltou. No seu lugar, apenas as marcas de que um dia foi um poste (veja última foto da galeria no final do artigo).
Além da tampa que dá acesso a fiação, o Brasão da República é um dos alvos preferidos de furtos, já que é mais ou menos fácil de ser removido por ser apenas aparafusado:

Na foto um dos brasões furtado do poste
A ousadia dos ladrões de bronze e ferro não se dá somente em locais de pouco policiamento. Até mesmo o poste localizado diante do Palácio Anchieta, a Câmara Municipal de São Paulo, foi alvo de vandalismo. Mesmo com vigilância policial 24 horas, quatro postes diante da instituição foram danificados.
O descaso e o abandono continua com os postes diante da Galeria Olido, local já revitalizado pelo poder municipal passado e que já abrigou tanto a secretaria de cultura quando o DPH (Departamento do Patrimônio Histórico) também não escaparam. O entorno da galeria, aliás, está horrivel com inúmeras pichações e sujeira em postes e paredes.
Mas quem pensa que apenas o vandalismo é culpado do péssimo estado em que se encontram os postes, engana-se. Em vários casos a culpa é da prefeitura ou da concessionária, que demoram para resolver os problemas ou simplesmente nunca atende as reclamações. Um comerciante da rua Xavier de Toledo, que não quis se identificar, reclama há cinco anos de um poste danificado na região e nunca obteve resposta.
No cruzamento da Avenida Ipiranga com a Avenida Rio Branco, bem no centro das duas vias, um destes postes além de iluminar coloca um pouco de charme a região, ficou quebrado por meses a fio (fotos 12 e 13 da galeria).
Para a guia de turismo Vera Lúcia Dias é preciso que a manutenção destes postes seja frequente e eficiente. Segundo ela, há quinze anos vem notando o estado de abandono que estes postes se encontram e neste período cansou-se de reclamar aos mais diferentes organismos, como a prefeitura, Enel e até mesmo com a Associação Viva o Centro. De suas reclamações, tudo permanece como antes. Ela ainda alerta que os turistas que circulam pela cidade, comentam o lamentável estado destes postes.
OS MOLDES AINDA EXISTEM ?
No caso dos postes de ferro, como tipo 16, a dúvida fica se os moldes para a confecção do brasão da República ainda existem. Pelo menos até a empresa ser privatizada as oficinas do Cambuci, na Rua Lavapés, mantinham os moldes para repor os brasões furtados ou danificados. O gif animado a seguir mostra como era feito o ornamento em seis passos:
O síndico de um prédio da Praça da Sé, critica zeladoria oferecida tanto pela prefeitura regional da Sé quanto pela concessionária de energia. Para ele, seria necessário uma maior fiscalização à noite, especificamente na madrugada.
Segundo ele, é neste horário que ocorrem a maioria dos atos de vandalismo e roubos de peças dos postes, letreiros de bronze dos prédios e até, os interfones de alguns edifícios são arrancados. O porteiro de outro prédio alerta que os mesmos vândalos que estão roubando as tampas de ferro e os brasões dos postes, arrancam os interfones de prédios que são feitos de alumínio.

Na ilustração o poste tipo 16
Até quando veremos este importante patrimônio paulistano sofrer com o vandalismo criminoso e o descaso público ? Porque não adotar algum material menos valioso para substituir as peças roubadas, evitando assim outras depredações ? O que foi feito com o poste da avenida Rangel Pestana que desapareceu ?
A maior vítima do vandalismo é a memória da cidade de São Paulo.
Atualização: 05/08/2019 – Consultamos o Museu da Energia de São Paulo para saber se os moldes dos brasões, tal qual os moldes de alguns postes, fazem parte de seu acervo físico ou se ainda estão em poder da empresa de energia. Assim que chegar a resposta atualizaremos este artigo.
Texto e Fotos: Douglas Nascimento
Última foto da galeria: Fabio Campoi Martins Rosa
Confira a galeria abaixo com os postes danificados na região central (clique para ampliar):
Bibliografia consultada:
- A Cidade Iluminada, vários autores , 1989, Governo do Estado de São Paulo pp 39, 44, 51, 56, 57 e 58
Comentarios