Não tem gasolina ? Vamos de gasogênio !

Os combustíveis fósseis dominaram os transportes no século 20. Sejam motocicletas, carros, caminhões ou ônibus, todos utilizam a gasolina ou óleo diesel como principal meio para movimentar seus veículos, a economia e locomover pessoas.

Até mesmo os trens, em grandes distâncias, ao abandonarem o sistema à vapor, optaram por utilizar principalmente o diesel, deixando os trens elétricos mais ligados aos serviços de subúrbio.

No Brasil e no mundo crises relacionadas à ausência de combustíveis já abalaram a economia por diversas vezes. Seja na crise do petróleo nos anos 1970, ou ainda mais atrás no tempo, na II Guerra Mundial.

E foi durante este conflito armado que surgiu uma alternativa para suprir a falta de combustível no mundo. E no Brasil especialmente a cidade de São Paulo a usou em demasia: o Gasogênio.

Motorista apresenta o sistema de gasogênio para mulheres em São Paulo (1942)

Durante a década de 1940, nos anos em que a Segunda Guerra Mundial teve seu período recrudescimento, combustível não chegava ao Brasil e ao outros países consumidores com facilidade. A gigante brasileira Petrobras, por exemplo, só surgiria na década seguinte.

Com navios sendo afundados no Oceano Atlântico e boa parte do petróleo mundial sendo destinada aos esforços de guerra, a alternativa do gasogênio passou a ser principal opção de abastecimento de veículos.

A adoção do gasogênio em São Paulo começou a se movimentar pra valer em 1942, com a criação e instalação da Comissão Estadual do Gasogênio (CEG).

Foi essa organização público que traçou as diretrizes para a adoção do combustível em nosso Estado, bem como a padronização do treinamento para instaladores do sistema nos veículos paulistas.

Carro a gasogênio em 1945

GASOGÊNIO – O QUE É E COMO FUNCIONA ?

O principal fundamento para gerar energia através destes verdadeiros trambolhos que eram os dispositivos de gasogênio instalados nos veículos é a pirólise.

Não irei me debruçar sobre a parte técnica do gasogênio, que não é o objetivo deste artigo, deixando para isso a ótima matéria do site Auto Entusiastas, que explica isso com didatismo e maestria.

A COISA FICOU REALMENTE FEIA NO BRASIL

Com pouco ou nenhum navio petroleiro ousando atravessar o oceano para entregar combustíveis aqui, com o medo de ser afundado por algum submarino alemão, o Governo Federal adotou medidas drásticas nos transportes rodoviários, forçando de vez a adoção por quem ainda não tinha sucumbido ao gasogênio.

Decreto de 11/05/1942

Com essa portaria que determinou o racionamento da gasolina e do diesel, apenas veículos movidos a gasogênio conseguiam seguir nas estradas brasileiras sem restrições. A medida valia inclusive aos ônibus.

Na foto, ônibus de viagem movido a gasogênio

A adoção do combustível alternativo nas ruas e avenidas de São Paulo mudaram bastante o cenário automobilístico e de trânsito de nossa cidade.

Se por um lado muitos automóveis passaram a se locomover com enormes tambores nas traseiras, por outro lado houve quem passou a deixar seus carros em casa, por conta da impossibilidade de arcar com a compra do sistema, já que eram caros e importados.

Por outro lado a CEG só permitia a instalação dos kits de conversão em carros que estivesse em ótimas condições de segurança e manutenção, deixando os mais humildes à margem.

Neste momento fabricantes brasileiras passam a copiar os kits estrangeiros para produzir similares no Brasil. Essa medida facilitou a adoção por quem antes não tinha condições.

Fabricados pelas mais variadas empresas, o sistema barateou-se bastante, passando a ser vendido também em lojas mais famosas e conhecidas pelo público, como Mesbla Veículos e a Cássio Muniz.

Publicidade de gasogênio da Cássio Muniz, 1944

O preço do kit não era o único motivo de não adoção do gasogênio. O rendimento dele era muito baixo, deixando o motor perder até 35% de potência usando carvão vegetal de ótima procedência. Como as pessoas usavam também outros materiais além do carvão, a perda de potência era realmente considerável.

Outro ponto era a demora para o motor ficar pronto para que o carro pudesse partir. Em um kit de boa marca esse tempo era  de 5 a 10 minutos, porém em kits de má qualidade o tempo poderia ser o triplo.

Uma saída emergencial ou ligar o carro e já partir ? Sem chance ! Mesmo assim era uma volta a certa tranquilidade, como tenta mostrar a publicidade abaixo:

O combustível alternativo continuou a ser bastante utilizado até o final da II Guerra Mundial. Com o término do conflito e a volta da tranquilidade em águas internacionais, o petróleo voltou a ser abundante e entregue em todo o mundo e no Brasil, eliminado a necessidade do kit.

O gasogênio foi ao pouco caindo no esquecimento, até que se transformou em uma autêntica peça de museu.

Dados dos veículos movidos a gasogênio na cidade de São Paulo (janeiro/1942):

* Automóveis de passeio: 1176
* Caminhões: 1452
* Ônibus: 15

Anexo – Galeria de imagens sobre gasogênio (clique para ampliar):

Bibliografia consultada:

Correio Paulistano – Edição 26434
Correio Paulistano – Edição 26442
Correio Paulistano – Edição 26616
Correio da Manhã – Edição de 13/12/1943

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4 respostas

  1. Excelente matéria, parabéns Douglas!

    Importantes etapas vividas pelos nossos antepassados, dificuldades que não tivemos, mas que talvez por eles lembrarem bem, eram muito mais simples do que nós, fato que talvez devamos tentar entender os momentos difíceis e ter o respeito e foco um pouco mais próximo de como eles faziam, os tempos difíceis podem retornar de outras formas.

  2. Também adorei. Super interessante. Se ouvi falar sobre Gasogênio, foi uma ou pouquíssimas vezes, muito de passagem. Vivendo e aprendendo. Notei a cara de pau de alguns anunciantes, dizendo que a aparência do automóvel não sofreria nada, com aquele trambolhão instalado na traseira. Pelo jeito, a publicidade enganosa, assim como outros maus costumes deste país, não é recente. Se o ser humano realmente quiser, e pensar no meio ambiente antes de visar somente os lucros, encontrará fontes ecológicas de combustível e de energia, o que já vem sendo feito por pessoas mais esclarecidas.

  3. Gostei muito da matéria, despertou a lembrança da minha infância, nessa época eu tinha em torno de 8 anos e lembro dos carros e ônibus que trafegavam com aqueles cilindro na trazeira. Meu pai comprava uma revista que dava notícias da guerra, com fotos de batalhas e eu gostava de ler; o nome da revista era ” Em Guarda” .

  4. Parabéns pela matéria divulgada trazendo-me saudosas lembranças do centro de São Paulo. Meu pai, Ernesto Palmieri, filho de imigrantes italianos que aqui aportaram em 1898. Meus avós abriram uma casa de chapéus e coroas localizada ao lado da catedral da Sé, ainda em construção, ligando com a Praça João Mendes. Violista, meu pai tocava em festas e bailes, até no carnaval. Como prático de farmácia, trabalhava na Drogaria Elekeiróz, situada na Av. São Bento, próximo ao largo de mesmo nome. Era entusiasmado pela nossa Cidade, sempre mostrando ruas e edifícios, muitos deles já demolidos, infelizmente. Exemplo disse foi o Cine Santa Helena, uma grande perda. As saudades são muitas e, por vezes sinto-me transportado para esse tempo que, embora não mais volte, faz parte de minhas raízes.
    Muito obrigado.

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