Made in Brás – O primeiro automóvel fabricado no Brasil

Muito já foi escrito sobre a indústria automobilística brasileira e também sobre qual teria sido realmente o primeiro automóvel produzido em nosso país.

Geralmente estes textos se referem a automóveis chamados de linha, de grande série e montados aqui, mas não efetivamente projetados, inclusive com relação ao seu motor, peça vital em qualquer veículo. Mesmo antes da implantação das montadoras, no final da década de 1940 e durante a década de 1950, tivemos algumas iniciativas isoladas,  mas sempre adaptando materiais já existentes e geralmente de procedência estrangeira.

Porém existiram iniciativas anteriores e, segundo o jornalista Vergniaud Calazans Gonçalves, a primeira máquina autopropelida (não vou chamar de automóvel) do Brasil teria sido algo parecido com um rolo compressor que circulava pelas ruas de Salvador nos idos de 1871. Porém não deixa claro no texto se havia sido fabricada por aqui, mas acredito que provavelmente não. Também cita a existência de um inventor de Pelotas (RS) que no final do Século XIX apresentaria uma novidade, “um carro que rodará para qualquer parte da cidade sem o auxílio de vapor ou de força animal.” Depois da notícia publicada no Jornal do Comércio de Pelotas nada mais se ouviu falar… 

Vale lembrar, como referência, que o primeiro automóvel – que se tem notícia – a circular no Brasil foi o trazido por Henrique Santos-Dumont e que circulou em São Paulo no ano de 1893.

Outro veículo sempre lembrado por pesquisadores da história automotiva brasileira como o primeiro automóvel fabricado no Brasil, é o caminhão construído nos anos 1920, no Rio de Janeiro, pelo engenheiro José Augusto Prestes. O Bandeirante (cuja história pode ser lida aqui):

Na foto, o caminhão carioca batizado de “Bandeirante”

Já nos adiantando no tempo, para meados da década de 1980, temos o Gurgel Cena (depois rebatizado como BR-800) que então teria sido o primeiro automóvel genuinamente brasileiro.

Seu desenho, fabricação e concepção do motor (dois cilindros opostos, refrigerado a água, sem correias, ignição computadorizada e sem distribuidor) eram genuinamente brasileiros, apesar de que alguns acabamentos eram um misto de diversas peças, usados em vários veículos de várias montadoras e ofertadas pelo mercado paralelo em sua época.

Na foto o famoso Gurgel BR 800 (clique para ampliar)

Mas afinal, haveria algum automóvel sido efetivamente fabricado e registrado documentalmente antes da iniciativa da Gurgel? Para desvendarmos esta história, voltemos ao ano de 1911 quando foi aberta a Escola Profissional Masculina de S. Paulo na Rua Miller, bairro do Brás. Nesta escola foi construído, o que acredito, seja o primeiro automóvel realmente brasileiro.

Na foto, alunos da Escola Profissional Masculina de São Paulo montando o automóvel (clique para ampliar)

No ano de 1914 iniciaram os trabalhos para a construção de um veículo com o maior número possível de material nacional. Impressionante que, fora o carburador e o magneto, todas as peças foram modeladas, fundidas, ajustadas e torneadas na própria escola.

O relatório da entidade, de 1915, se orgulha ainda em dizer que todo o ferro para o desenvolvimento do projeto veio de Minas e toda a madeira de São Paulo e do Paraná.

Destacam, com franqueza, que o modelo não é um “pródigo de perfeição”, mas que foi desenvolvido com muito esforço uma vez que “… ao construí-lo, não quisemos copiar servilmente um typo qualquer, e tanto que as disposições, as reducções, e a conformação geral do motor e das peças componentes são da nossa exclusiva creação” (aqui mantida a grafia da época).

Na foto o automóvel produzido pela Escola Profissional Masculina em testes tocado pelos próprios alunos (clique na foto para ampliar).

Infelizmente não se sabe o paradeiro de tal máquina, mas as fotos nos mostram o que podemos considerar – até prova em contrário – nossa descoberta com o sendo a do primeiro automóvel brasileiro.

Veja mais duas fotos da produção do veículo (clique na miniatura para ampliar):

Bibliografia consultada:

* Relatório – Escola Profissional Masculina de S. Paulo. Typografia Casa Rosenhain, São Paulo, 1915 – Col. José Vignoli
* GURGEL – um sonho forjado em fibra. Lélis Caldeira – Labortexto Editorial, 2004
* Automóvel no Brasil 1893-1966. Vergniaud Calazans Gonçalves. Ed. do Automóvel, São Paulo
* Motor 01 UOL – Link visitado em 04/10/2021

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19 respostas

  1. Olá, bom dia.
    Alguém me disse(ou li em algum lugar) que o motor do Gurgel era de um fusca. Procede?

      1. Douglas, não é lenda urbana, o motor do Gurgel era o do Fusca partido ao meio e refrigerado a água, aliás ao longo de toda a sua história a Gurgel usou chassis e motores VW em seus modelos, além de um mix de peças de outros fabricantes, creio que nenhum parafuso utilizado seja original.

        1. Repito que você está enganado, basta ler o livro do Gurgel e todo o histórico de desenvolvimento do carro. Não me refiro aos demais veículos Gurgel, esses sim derivados do motor da Volkswagen. Os motores do BR 800 e Super Mini são deles mesmos.
          Extraído do livro: Seu motor, denominado Gurgel Enertron, não utilizava correias, bastante econômico (fazia até 25 km/l de gasolina), chegou a receber um prêmio inédito na Europa. Tinha apenas dois cilindros contrapostos e cuja capacidade cúbica era de 792 cm3, com potência de 36 cv, refrigerado a água.

    1. A Gurgel utilizou alguns chassis da Volkswagen na produção de alguns utilitários, mas no caso do BR-800, todo o projeto era da própria Gurgel, inclusive o motor. Infelizmente ela faliu justamente na época em que mais prosprerava e a tinha-se até fila para se comprar o BR-800, mas faltou-lhe capital de giro e bancos e governo não quiseram emprestar. Dizem que as multinacionais automotivas precionaram bancos e governo para emprestar dinheiro à Gurgel.

  2. Romi-iseta.
    Primeiro carro genuinamente brasileiro.
    Fabricado em Santa Barbara Doeste pelas indústrias Romi.

  3. Ao longo da história, diversas pessoas construíram artesanalmente carros aqui muito antes da chegada dos grandes fabricantes, alguns copiando modelos estrangeiros outros desenvolvendo suas próprias criações, cerca de dez anos antes do modelo da matéria aqui em São Paulo um imigrante italiano construiu um carro nos fundos da sua casa, do qual pouco se sabe, nos anos 60 o empresário Nelson Fernandes criou a Ibap (Indústria Brasileira de Automóveis Presidente) para fabricar o sedã Democrata, de projeto próprio contando com motor italiano projetado exclusivamente para ele porque já naquela época ele teve boicote dos fornecedores locais, e infelizmente o cerco foi tão grande que o carro jamais ganhou as ruas.

  4. Que sensacional! E o artigo da antiga Escola Profissional Masculina também é outra preciosidade. Parabéns, admiro muito o trabalho de vc!

    1. A Escola Profissional Masculina é hoje a Escola Técnica Estadual Getúlio Vargas, inicialmente instalada no Bairro do Brás, em 23 de setembro de 1911. Atualmente localizada no Bairro do Ipiranga.

  5. Já tivemos uma fábrica de automóvel situada na Rodovia Presidente Dutra , antes da cidade de Aparecida, nesta fábrica começou a produção do primeiro carro brasileiro e foi um automóvel tipo o landau da Ford, chamado de PRESIDENTE.

    1. Se você se refere ao Democrata, a fábrica ficava em São Bernardo do Campo e jamais funcionou, porque infelizmente o carro não passou de um protótipo.

        1. O Democrata jamais chegou a entrar em produção, sendo produzido cerca de meia dúzia de protótipos para exibição em praça pública para angariar investidores (tal como o Gurgel fez com o Mini), dos quais salvo engano apenas dois (um vermelho ao qual você deve se referir, pertencente aos irmãos Finardi, que arremataram o modelo e as carrocerias nos escombros da fábrica, e outro verde, que se encontra num museu em Brasília) encontram-se inteiros.

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