Em uma cidade como São Paulo, assim como em tantas outras, os nomes das ruas são, muitas vezes, homenagens a cidadãos ilustres; mas nem sempre conseguimos associar estes nomes a personagens cuja história aprendemos nas escolas.
Entre tantos nomes, alguns merecem ser mais bem conhecidos como é o caso do paulistano delegado João Amoroso Netto que dá nome a uma praça – Praça Delegado Amoroso Neto (sic) – no bairro da Casa Verde, no término da Avenida Ordem e Progresso.
Trazer esta história é resgatar um pouco da atuação de paulistas da São Paulo antiga para o enriquecimento de nossa memória.
Advogado e delegado de carreira, João Amoroso era filho de Tomaz Amoroso, italiano de origem e cuja família veio ao Brasil, depois de passar pelo Uruguai onde estabeleceram diversas escolas de música pelo país vizinho, e que abriram o Grande Bazar Musical Amoroso na Rua São Bento, e de dona Rosa Amoroso que manteve em São Paulo uma loja de artigos femininos.
Nascido em São Paulo em 15 de dezembro de 1910, formou-se em direto pela faculdade do Largo de São Francisco e, na carreira de delegado, representou o Brasil em várias reuniões internacionais de polícia criminal.
Mas não era só na carreira que se destacava, pois era muito ligado às letras, tendo sido o 1º. secretário da Academia de Letras da faculdade de direito, escreveu diversos artigos sobre crimes, publicou o livro Dioguinho (confira logo abaixo) sobre a vida do então famoso bandido, editou a revista “Investigações”, além de ser colecionador e grande conhecedor das artes.
Como colecionador, uma publicação de 1949 descrevia seu apartamento na Avenida São João como sendo “um misto de museu e arsenal” devido à quantidade de peças que iam desde porcelanas, joias antigas, pinturas, documentos, muitas armas antiquíssimas e outras mais modernas, que ilustravam as diversas fases da história da humanidade. Ter uma coleção assim e estudá-la requer um nível de cultura geral que o delegado, sem dúvida, tinha, afinal, era referência no meio.
Sempre ligado às letras publicava diversas crônicas, muitas delas com mistérios de casos policiais como a publicada em uma edição de 1931 na revista A Cigarra na qual descrevia o caso de um suicida que tirou a própria vida apaixonado que estava por uma cantora lírica… Eram outros tempos onde até os casos policiais eram mais, digamos, interessantes.
Sempre os casos tratados por Amoroso Netto eram destaque, traziam emoção, afinal, muitos deles tinham ligações internacionais e a divulgação não era instantânea como hoje, trazendo então uma pitada adicional de suspense.
Um caso interessante foi a chegada de um assassino portenho acompanhado por dois pistoleiros uruguaios no aeroporto de Congonhas. Um aviso da Interpol do Uruguai acionou o colega brasileiro. No desembarque houve troca de tiros em plena ala internacional do aeroporto. Tiros de uma “45” e de uma metralhadora que haviam sido trazidas dentro do avião… imaginem só isso nos dias de hoje! Uma aeromoça foi atingida na perna e os bandidos foram extraditados e o pistoleiro preso no Brasil, pois responderia por tentativa de homicídio.
Amoroso Netto foi o primeiro sul-americano a ser eleito pela entidade para fazer parte, por 3 anos, do grupo de 9 diretores mundiais da Interpol. E isso, devido à sua atuação sempre precisa como no caso da assassina internacional Eva Polanski que foi presa em São Paulo, deportada e julgada em Hamburgo, na Alemanha e do estelionatário internacional Albert Marcel Champy que havia se instalado no Brasil em 1956. Através da atuação de Amoroso Netto, a Interpol abriu dois escritórios no Brasil, na época chamados de “bureaux”, um em São Paulo e outro no Rio de Janeiro.
Em maio de 1961 foi pioneiro ao apresentar um programa de televisão pelo Canal 2, TV Cultura (esta inaugurada em 1960 pelos Diários Associados) chamado de “Enquanto a cidade dorme” e que tratava de assuntos policiais, prevenção ao crime e assuntos ligados à segurança pública, porém, num formato informativo que não se compara aos programas atuais cuja qualidade é duvidosa.
Amoroso Netto faleceu muito jovem, aos 53 anos de idade e, assim, em 1963, perdíamos um grande paulistano que poderia ter contribuído por muito mais tempo pela cultura e segurança da nossa sociedade.
Na galeria abaixo confira o roteiro do programa “Enquanto a cidade dorme” e capa de uma edição da revista “Investigações” até hoje referência no meio policial:
Agradecimento à Silvana Amoroso Wagner que preservou e nos disponibilizou os documentos relativos à memória de seu pai.
Bibliografia:
– Acontecimentos Policiais – Jornal mensal – Janeiro 1963
– Revista “Elite” – Junho 1949
– Revista “A cigarra” – Dezembro 1931
– Revista Manchete – Julho 1961
– Revista “Edição Extra” – 18 de agosto de 1962
Respostas de 7
Sempre me pergunto sobre os nomes das ruas de São Paulo. “Quem será que foi esse?” é a minha pergunta de praxe, quando me deparo com um nome que, em suma(ou à priore), não me diz nada. É claro que se eu fosse fazer uma pesquisa mais detalhada, conseguiria identificar a importância desse ou daquele nome na placa. Mas fico sim pensando: “caramba, quantos nomes! Quanta gente desconhecida! Será que eles inventam essas pessoas ou serão de parentes e amigos mais chegados?”.
No caso aí da matéria, era de um delegado, porém, muitas placas(talvez a maioria) não identificam a profissão ou o adjetivo de importância(por exemplo: BENEMÉRITO fulano de tal…
Não entendi uma coisa: não eram todos homens, os bandidos que desmbarcaram em Cogonhas? O texto diz “UM ASSASSINO PORTENHO E DOIS PISTOLEIROS”. Na foto, há duas mulheres sentadas, sendo que uma delas assemelha-se à que está no carro, na próxima foto: a EVA POLANSKI. Quem seriam essas mulheres?
“Em companhia dos três pistoleiros viajavam Beatriz Belmira Alzieu e Maria Cristina Morales, sendo esta última a amante de Vilarino”. Jorge Eduardo Vilarino era o bandido. Não há qualquer relação com Eva Polanski.
Obrigado pelo retorno, mas essa sua explicação não está no texto original. Por isso perguntrei.
Parabéns pelo artigo. Pelo índice da Revista “Investigações” pode-se constatar como o nível intelectual da época era superior. O último ensaio, “Candaules, Giges e a Rainha”, foi tirado da obra de Heródoto. Outro ensaio, o dos eunucos, é de autoria de um Professor italiano de Direito Romano da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. O ensaio sobre Direito Penal e Criminologia tem como autor o famoso jurista Heleno Fragoso, cuja obra era recomendada para o curso de Direito Penal da São Francisco nos anos oitenta. Tudo isso em uma Revista “policial”. Eram outros tempos.
Essa história é incrível, mais uma descoberta minha através do trabalho de vocês, parabéns. Me fez lembrar de outra história incrível que li anos atrás numa coluna da Vejinha, sobre um italiano que roubava casas em São Paulo “pulando” e escalando telhados, algo parecido com o parkour de hoje, não lembro o nome, mas achei interessantíssimo. Vocês conhecem essa história?
Sim, o bandido mais longevo da história de São Paulo: Gino Amleto Meneghetti
Aquele que dizia: “meus roubos são mais honestos do que o comércio”. É também dele essa fala: “você sabe a diferença entre o ladrão e o comerciante? O ladrão é o distribuidor apressado das coisas que ele rouba; já o comerciante, é o ladrão paciente…”