Você conhece a expressão “fazendo o triângulo” ?

É comum que algumas gírias, expressões e costumes desapareçam com o tempo. Por isso muitas coisas que são corriqueiras em uma época parecem tão estranhas ou desconhecidas anos mais tarde.

Os paulistanos mais antigos com certeza lembram-se ou fizeram uso da expressão “fazer o footing”. A expressão famosa em São Paulo especialmente até o início dos anos 1960 fazia referência a caminhada que as pessoas faziam para passear nas principais avenidas de São Paulo. Este “footing” era o momento quando as pessoas aproveitavam para visitar os cafés, olhar vitrines e, claro, paquerar.

Em São Paulo as vias mais disputadas para o “footing” eram as Avenidas Celso Garcia, Rangel Pestana e São João, além da Rua das Palmeiras. Mas e as ruas mais ao centro, como Direita, São João, 15 de novembro e Líbero Badaró ? Bem essas tinham uma expressão própria chamada “fazendo o Triângulo”.

O triângulo que se refere a frase é nada menos que o conhecido triângulo histórico de São Paulo, área onde a cidade começou e que é basicamente compreendida pelas ruas São Bento, Direita e 15 de Novembro, que formam um triângulo (veja a primeira imagem da galeria no final deste artigo).

A expressão “fazendo o triângulo” era utilizada especialmente nos últimos anos do século XIX e nas três primeiras décadas do século XX e incluía também outras ruas, como José Bonifácio, Boa Vista, Líbero Badaró e até a Praça do Patriarca.

O costume de fazer o triângulo era mais concorrido aos sábados, quando as pessoas passeavam pela região desfilando suas melhores roupas, seu melhor chapéu, além de jóias e perfumes para percorrer vitrines de lojas como Mappin, frequentar cafés e livrarias e até ultrapassar os limites da área propriamente dita, atravessando o Viaduto do Chá para frequentar o Bar e Restaurante Panamericano, na Rua Xavier de Toledo.

Na foto três senhoritas fazendo o triângulo em 1919

Era fazendo o triângulo que muitos rapazes e garotas conheciam através de paqueras aqueles que no futuro acabavam virando seus pares para o resto da vida. Muitas vezes devido a timidez não havia uma aproximação em público e especialmente as mulheres se valiam de mandar cartinhas – muitas vezes anônimas – para redações de revistas como A Cigarra, descrevendo o “príncipe encantado” que viram no tal footing, para quem sabe o rapaz responder para a redação. Já inclusive abordamos essa paquera das antigas aqui no São Paulo Antiga. Veja abaixo um exemplo típico:

A Cigarra – Janeiro/1924

Se fazer o triângulo especialmente aos sábados era concorrido, era também democrático. As ruas do centro recebiam a todos independente de posição social e era ali que pessoas da elite transitavam entre pessoas de outras camadas sociais e a imprensa da época ficava de olho.

Por isso acabou virando um costume jornais e revistas da época periodicamente mostrar fotografias, geralmente das donzelas, fazendo o triângulo. Era como uma coluna social e as pessoas se esforçavam para ir com suas melhores roupas, na esperança de sair no clichê da imprensa. Lembre-se que era um tempo onde fotografia ainda era algo raro e caro de se fazer para a maioria da população.

Além das fotografias os jornais e revistas da época mencionavam o nome daqueles que estavam a fazer o triângulo e que conseguiam ser identificados. Este recorte abaixo, do extinto jornal Correio Paulista, menciona todos aqueles que o repórter conseguiu identificar:

Correio Paulistano – 08/08/1915

A lista acima menciona vários nomes e sobrenomes bastante famosos de nossa cidade, como os Suplicy, Klabin e Whitaker entre outros. Note também que o jornal dá detalhes da vestimenta de alguns e utiliza-se de expressões da língua francesa como “mlle” uma abreviação de mademoiselle (senhorita).

O desuso da expressão fazendo o triângulo parece ter ocorrido em meados da década de 1930, quando os jornais e revistas param de mencionar, ao contrário do footing que ainda perduraria por mais algumas décadas.

PORQUE “FAZER O TRIÂNGULO” CAIU EM DESUSO ?

Não há uma explicação precisa para explicar o porque do fim da expressão, mas há uma lógica no próprio desenvolvimento urbano de São Paulo para isso. Nas duas primeiras décadas do século XX e nos primeiros anos da década de 1930 quase todo comércio elegante ou não da cidade estava concentrado na região chamada de “centro velho” da cidade, área onde o Triângulo Histórico se encontra.

Rua 15 de Novembro, centro velho, em 1931 (clique para ampliar)

Com o passar dos anos a cidade se expandiu para a região chamada “centro novo” área conhecida por estar do outro lado do Viaduto do Chá, junto ao Teatro Municipal, Hotel Esplanada e outras lojas elegantes, que atendiam em ruas como Barão de Itapetinga, 24 de Maio, Conselheiro Crispiniano entre outras.

Assim fazer o footing continua na moda, em novas ruas da cidade e nas antigas também, enquanto citar apenas o triângulo passava a ser algo do passado, da São Paulo de outrora.

Paulistanas fazendo o triângulo em 1918

Abaixo uma galeria com fotografias de paulistanos e paulistanas fazendo o triângulo (clique na foto para ampliar):

ATUALIZAÇÃO – 12/12/2019:

Matéria publicada no extinto jornal Correio de S.Paulo em 05 de agosto de 1933 sobre os fotógrafos da Rua Direita e os tipos curiosos por eles fotografados.

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18 respostas

      1. As primeiras imagens de São Paulo que se tem notícia, foram feitas por Augusto Militão à partir de 1862.

  1. Supimpa! Parabéns por sempre trazer informações interessantes de uma época que passou, mas cujas marcas ainda estão espalhadas pela cidade.

  2. Boa tarde.

    Muito interessante esta matéria, e isso acrescenta mais cultura e conhecimento a nossa roda de conversa (isso se o celular deixar .. kkkkk)

    Acredito que caberá aqui outra expressão usada nos anos 20 semelhante ao “fazendo o triângulo” que era denominado “FOOTING” (substantivo) (princípios do século 20, empréstimo inglês recebido através do francês):

    “… no Brasil, pelo menos em alguns lugares, footing não é [hoje ele diria “era”] o esporte de pedestrianismo” [que é a acepção francesa], mas “um passeio a pé em que o esporte já não figura como propósito dominante”. Também com o significado que tinha em cidades do interior e em algumas capitais – um passeio de ida e volta, em trecho curto, de rapazes e garotas para verem o sexo oposto ou iniciarem um namoro -, o corpus apresenta vários exemplos como este: “Ponto de encontro [os shopping centers] (como os antigos footings do interior) de paquera, de exibição, compra…”

    (Ignácio de Loyola Brandão, Leia, 1989). > 5, 6.1, 6.3, 7 e 12.

    Muito obrigado e continuem nos deleitando com suas matérias sempre interessantes.Um abraço.

  3. Essa foi a época da minha avó.
    A época da inocência, do bom gosto recato e de muita classe.
    Todos bonitos e elegantes, inclusive os rapazes.
    Uma pena que essa era acabou e jamais voltará.
    A paquera da minha época! Foi na Rua Augusta e na Av. Paulista.
    Também foi muito bom e deixou saudades.
    Obrigada pelo passeio ao passado…como sempre muito interessante….

  4. Parabéns. Excelente
    MANTRA PAULISTANO DA SORTE ! 
    Venham para o Triângulo Histórico, na colina histórica, a acrópole paulistana, que tem o SubAstor, Boteco Central, Bar Salve Jorge, Casa de Francisca, Casa Mathilde, Maria Cristina Doces, CCBB, Páteo do Collegio, Solar da Marquesa, Casa da Imagem, Caixa Cultural, Edifícios Martinelli & Sampaio Moreira & Matarazzo, Café Girondino e um farol, o Farol Santander !
    Rumo à Reconquista do Triângulo Histórico – Futuro Pool de Centros Culturais, Entretenimento e Inovação a céu aberto.
    O centro de todos os centros dos paulistas e paulistanos.

  5. Douglas, fantástico artigo! Faz sentido neste momento em que a expressão “Triângulo” etá ssendo retomado por um programa da Prefeitura. Muito bom! Adoro seus comentários acerca de comportamentos. Parabéns!

  6. Sinceramente, gostaria de ter nascido em 1900 e morrido no ano de meu verdadeiro nascimento (1975) e dessa forma ter acompanhado todas as mudanças e transformações pelas quais passaram minha querida São Paulo antiga.

  7. Interessante a história!
    Sem saber, fiz o triângulo por sete anos em horários de almoço quando trabalhava na sede do Banco Nossa Caixa à rua Quinze de Novembro (entre 2003 e 2010). Além de restaurantes variados, tinha o café da Bolsa, exposições no CCBB, o mirante do Edifício Banespa e visitas ao Pátio do Colégio e Mosteiro São Bento.
    São Paulo é muito rica historicamente.

  8. Puts, trabalhei de office boy no Banco BCN que ficava na Rua Boa Vista entre 89 e 97…”fiz muuuito triângulo”…rsrsrs

  9. Que bons tempos! Cheio de romantismo e muito respeito. Vivemos outro, Século XXI. Cheio de boas descobertas pela ciência, pelas comunicações. Daqui a 100 anos nossos descendentes também verão nossas imagens. De que maneira, em quais formatos? Esse é o grande enigma..

  10. Que rico, adorei esse site. Meu parabéns, por essa linda homenagem a nossa maravilhosa cidade de São Paulo!!!

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