Club Fantasio / Palácio do Trocadero

A Rua Conselheiro Crispiniano, na região central da cidade, é bastante conhecida por ser repleta de edifícios hoje quase todos de uso comercial. No entanto há um século seu cotidiano era completamente diferente.

Eram anos de muitas novidades na capital, com a modernização do centro e a mudança visual caracterizada pela ocupação do chamado “centro novo” região da Praça da República e arredores cuja urbanização se acelerou bastante após a construção dos viadutos do Chá em 1892 e Santa Ifigênia em 1913.

Na Rua Conselheiro Crispiniano se localizavam alguns palacetes elegantes e suntuosos, a sua maioria construídos entre os últimos anos da década de 1890 e o início do século XX. Entre eles já publicamos anteriormente a residência de José Paulino.

Neste artigo vamos destacar um outro palacete, praticamente vizinho ao citado acima, e que teve uma existência tanto breve quanto curiosa devido a sua alta rotatividade de inquilinos e proprietários. Trata-se do palacete que fora construído no número 11 (atual 302) da Rua Conselheiro Crispiniano.

Construído em meados da década de 1890 o palacete acima foi erguido para servir de residência ao doutor Abílio Vianna, médico paulistano. Entretanto, por alguma razão desconhecida, o seu proprietário não viveu no imóvel por muito tempo sendo que na segunda metade dos anos 1900 o mesmo estava vazio e disponível para locação.

Alugado em 1909, em primeiro de junho daquele ano o imóvel seria reaberto como sede do Club Fantasio, elegante clube de damas e cavalheiros da elite paulistana de então, anunciada à época como “…uma organização toda européia, que impõem-se a aceitação da boa sociedade pelo lado confortável, correcto e inteligente pelo qual se consorciam o prazer e os bons costumes”. Sua chegada foi anunciada em alguns jornais paulistanos da época, como o extinto “O Commercio de São Paulo”:

O Commercio de Sao Paulo – 27/05/1909

A organização dedicava-se a vários eventos, como organizar bailes de carnaval, festas, jogos e reuniões sociais que à época gostavam de chamar por aqui pelo termo francês “soirée”.

Os eventos do Club Fantasio logo se transformaram em destaque no calendário da sociedade paulistana e seus eventos eram bastante concorridos, aja visto que para o carnaval do ano de 1910 o clube precisou adotar critérios rígidos para acesso aos ingressos de seu baile, evitando assim penetras e indesejados.

Membros do clube em uma de suas concorridas “soirées” em 1909. (clique na foto para ampliar)

Contudo o clube não teve longa permanência no palacete e nem mesmo grande duração. Já no começo do ano de 1910 esta sociedade publicou nos jornais paulistanos uma nota anunciando a dissolução do clube ainda em janeiro.

Correio Paulistano – 31/01/1910

As razões de tão breve existência não são claras e não foram encontradas em nenhum dos periódicos paulistanos da época. Possivelmente tratou-se de divergências entre seus fundadores, uma vez que naquele mesmo ano em outro endereço seria inaugurado o Club Novo Fantasio, por ex-participantes deste primeiro (veja nota no final deste artigo).

Veja fotografias internas do palacete no ano de 1909:
(clique na miniatura para ampliar):

SURGE O NOME “PALÁCIO DO TROCADERO”

Com a saída do Fantasio deste palacete as notícias sobre o imóvel vão se rareando nos anos seguintes, como que se estivesse em um limbo noticioso.

No início dos anos 1920 é sabido que o palacete troca de mãos e passa a pertencer a Samuel Ribeiro, abastado paulistano que também era o dono do Prédio Glória (localizado na mesma Rua Conselheiro Crispiniano) e sócio da família Guinle na então Fazenda Cumbica. Além disso Ribeiro também foi por muitos anos presidente da Caixa Econômica Federal em São Paulo. É a partir deste momento que a ilustre residência passa a ser conhecida como “Palácio do Trocadero.

Apesar de ser propriedade de Samuel Ribeiro, não se encontram notícias que colocam o imóvel como sendo sua residência. É bem possível que tenha sido adquirido apenas para renda, pois a partir de sua compra o imóvel começa a ter uma razoável rotatividade de inquilinos.

E entre estes um clube de futebol: O São Paulo Futebol Clube. A agremiação foi inquilina do Palácio do Trocadero por um curto espaço de tempo, entre 1934 e maio de 1935.

Com a saída do São Paulo do palacete um novo inquilino é anunciado aos quatro ventos e passa a ter sua sede no local: O Centro do Professorado Paulista (aqui chamaremos pela sigla CPP). Curiosamente o então presidente desta instituição era um ilustre paulistano e torcedor ardoroso do clube que deixara o imóvel: Sud Mennucci.

O palacete em 1935 já como sede do CPP (clique na foto para ampliar)

Fundado em 19 de março de 1930, o CPP teve como primeira sede uma sobreloja no Prédio Martinelli. Neste famoso edifício ficou até meados de 1932 quando se estabeleceu no famoso edifício da Rotisserie Sportman. Porém no início de março de 1935 o CPP foi forçado a deixar o local pois o prédio fora vendido para as Indústrias Reunidas F. Matarazzo, que por sua vez decidira demoli-lo para ali erguer sua futura sede administrativa.

Na busca por um novo endereço para abrigar o CPP eis que surge a ideia de ocupar o imóvel da Rua Conselheiro Crispiniano. Apesar da ideia da instituição em ficar ali por alguns anos até conseguir adquirir sua sede própria, no início de 1936 a Prefeitura de São Paulo contata o proprietário e também o CPP pois almejava ali estabelecer o plenário da Câmara Municipal.

Inicialmente são oferecidos ao CPP a quantia de 30 contos de réis como indenização para uma rápida ruptura do contrato de locação, o que é prontamente recusado. A prefeitura vendo uma negociação bem difícil reajusta a oferta de indenização para 40 contos de réis o que é aceito, levando a instituição a deixar o Trocadero em 9 de abril de 1936.

No mapa atual, a localização do antigo Trocadero atrás do Theatro Municipal

O BREVE PERÍODO DE CÂMARA MUNICIPAL

Desocupado o imóvel e oficializado o arrendamento começam as obras para adaptar rapidamente o palacete para que fosse possível receber ali as atividades da Câmara Municipal de São Paulo. De acordo com jornais da época o palacete era tão bem cuidado e amplo que foram poucas as alterações necessárias para comportar o órgão público.

A planta abaixo mostra como ficou o interior do Trocadero após as adaptações realizadas para abrigar o legislativo municipal:

Porém, como se fosse uma sina, a brevidade do ocupante do palacete seria mais uma vez a regra. Com pouco mais de um ano de uso como legislativo municipal, a decretação do Estado Novo em novembro de 1937 leva ao fechamento das câmaras municipais e assembleias estaduais por todo o país, deixando novamente o Trocadero fechado.

A partir deste momento o palacete passa a ter vários usos e inquilinos, como a Sociedade Sul-Riograndense de São Paulo, o Círculo Israelita de São Paulo e, por fim, o Departamento Municipal de Cultura (atual Secretaria Municipal de Cultura), sendo este o último inquilino do palacete. Foi durante o período de ocupação deste departamento que o Trocadero abrigou o I Festival Internacional de Cinema do Brasil em 1954.

Ao fundo do Trocadero é possível observar o Esplanada Hotel

O FIM E A POSTERIDADE:

O Palácio do Trocadero ainda sobreviveria até o ano de 1957, quando este foi demolido completamente. O terreno ficou vazio por mais de uma década, sendo que no final dos anos 1960 serviu de base de operações das obras da linha Norte-Sul do Metrô paulistano.

Posteriormente com a desocupação do terreno, já na década de 1970, é erguido um imóvel comercial que passa a abrigar uma loja de departamento conhecida como Loja Piter.

Foto: Divulgação

A Piter foi muito querida desde sua chegada, conhecida por produtos de qualidade e rapidamente sua fachada fartamente iluminada tornou-se um endereço bastante popular entre os paulistanos. Possivelmente esta loja foi a atividade que mais tempo funcionou de maneira ininterrupta neste endereço, sobrevivendo até meados dos anos 1980.

De lá para cá o imóvel já recebeu inúmeros inquilinos, intercalando com longos períodos de portas fechadas, sem jamais recuperar o brilho de décadas passadas.

CURIOSIDADE:

O Club Fantasio mencionado no início do artigo como o primeiro inquilino conhecido deste palacete, teve vida curta. Entretanto pouco anos depois de extinto ele foi refundado em 1916 com o nome de Club Novo Fantasio, desta vez em instalações bem mais modestas na Rua Boavista.

O clube ficava no andar superior desta edificação

Notas:

*1 – O anunciado baile de carnaval do Club Fantasio para o ano de 1910 acabou não sendo realizado e o dinheiro dos ingressos fora devolvido.
*2 – Por alguma razão que perdeu-se no tempo o palacete da Conselheiro Crispiniano recebeu o nome “Trocadero” em homenagem ao original e homônimo francês. Construído para a Exposição Universal de Paris, em 1878, ele foi demolido em 1935. Sua história pode ser lida neste link.

Bibliografia consultada:

* O Commercio de São Paulo – Edição 01103 – 3/8/1909 pp 3
* O Commercio de São Paulo – Edição 01206 – 14/11/1909 pp 3
* Correio Paulistano – Edição 16456 – 1/6/1909 – pp 4
* O Estado de S.Paulo, suplemento literário – Número 777 – 18/6/1972
* Revista do Professor – Ano III, Número 15 – julho/1936 – pp 2,3
* Notícias de São Paulo – link visitado em 15/01/2021
* SPFCpédia – link visitado em 17/01/2021
* Centro de Memória da Câmara Municipal de São Paulo – link visitado em 17/01/2021

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12 respostas

  1. Impressionante a riqueza de detalhes e as informações, tudo indica que precisas, de um longo período da história paulistana. Parabéns !!!

  2. Salvo engano de memória, antes de Piter, lá funcionou a loja chamada Riachuelo. Me recordo que o fachada que dava fundo para o Municipal tinha uma queda d´´agua!

  3. Pelas imagens, parece que a entrada principal do palácio era pela avenida São João, e não pela Conselheiro.

    1. Não, nada a ver. A avenida São João fica no quarteirão seguinte, sendo que entre o Trocadero e a avenida ainda tinham o Cine Marrocos, o Palacete do José Paulino, um prédio e só depois a São João. A entrada principal do casarão ficava na Praça Ramos.

      1. Estranho. Essa loja, a Piter, (onde ficava o Trocadero), eu tinha de memória que ficava na São João esquina com a Conselheiro.Mas, enfim…

        1. Olhando pelo Google Maps, a loja seria a Zapata, e não a Piter!
          Agora, eu não tenho certeza se a Zapata de “hoje”, foi em algum momento a Piter. Acho que me confundi mesmo.

  4. Chega a doer quando penso em um palacete desse sendo demolido! Era lindo demais. Parabéns pela matéria.

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