Voltando ao comércio do centro de São Paulo, contaremos a história de outra loja que se estabeleceu no final da década de 1910 e cuja atividade tem reflexos até hoje na área da óptica no Brasil.

Inicialmente chamado Óptica Norte-Americana, o estabelecimento foi assim denominado por conta da formação acadêmica de seu proprietário, o Dr. José Vignoli (avô do autor destas linhas) que havia se laureado no Pennsylvania College of Optics and Ophtalmology na Filadélfia, EUA, em 1916. É de lá que trouxe o conhecimento e os equipamentos que o tornaram pioneiro na introdução do conceito e prática da optometria no Brasil.
OPTOMETRIA ? O QUE É ISSO ?
A optometria consiste no exame da vista para, através de lentes, corrigir anomalias e difere da oftalmologia que trata doenças da vista. São especialidades diferentes e assim reconhecidas em diversos países do mundo; afinal, um optometrista, ao perceber alguma doença nos olhos do cliente, encaminha-o para um oftalmologista. Corrigir a visão é uma coisa, ter uma doença ocular é outra. Apesar disso, houve na época muitos debates sobre o assunto e o exercício da optometria acabou sendo proibido no Brasil. Recentemente os debates voltaram ao Congresso Nacional e a polêmica, de certa forma, continua.

Em 1917, no primeiro andar de um prédio na esquina da Avenida São João com Rua Líbero Badaró, bem em frente de onde se edificaria o Prédio Martinelli, a ótica era instalada, onde, no terraço, uma placa indicava o exame de vista, a lapidação de lentes e a montagem de óculos do modelo “pince-nez”*¹ além de grandes letreiros nas janelas.
Sempre procurando inovar no campo da ótica, volta aos Estados Unidos em 1919 e passa a representar as novidades da época como as lentes bifocais “Kryptok”, “Steadfast” além da utilização das armações “Stoco”, famosas na época. Em 1922 muda-se para a sobreloja de um outro prédio na mesma Rua Líbero Badaró. Não podemos afirmar se foi uma influência de sua passagem pelos EUA, mas o fato é que era dada muita atenção à propaganda com diferentes tipos de anúncios publicados constantemente nos jornais desde o início de suas atividades.

Foram dez anos trabalhando em escritórios até que surgiu a ideia de ampliar os negócios, passando a trabalhar também com a venda de aparelhos de precisão, instrumentos de toucador, máquinas fotográficas, outros itens além da revelação de filmes fotográficos, sendo mais interessante, então, ter uma loja de rua, o que aconteceu em 1928 com a abertura da Casa Vignoli na Rua Direita, deixando então de existir a pioneira Optica Norte Americana. Nesta mesma época Dr. Vignoli se torna presidente do recém-formado Centro dos Commerciantes de Artigos Photográficos do Est. de São Paulo*².

Fato curioso é que a imagem do letreiro da loja da Rua Direita aparece duas vezes em cenas do filme “São Paulo Sinfonia da Metrópole“. Neste endereço deu continuidade a atividade da optometria e ótica inclusive com o registro da marca Manufatura Nacional de Lentes.

Sua atividade já era uma referência na cidade, pois atendia não só personalidades da época como o Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho*³ que, segundo relatos orais, chegou a ter conversações com o Dr. Vignoli para a instalação de um curso de optometria na faculdade de medicina, como também oftalmologistas, que, muitas vezes, examinavam seus pacientes, prescreviam suas receitas e indicavam o Dr. José Vignoli para executar as lentes e mudar a prescrição, se assim ele julgasse necessário.

Já em 1930, a loja, agora com uma apresentação bastante atraente, muda-se para a Rua Líbero Badaró (onde hoje encontra-se o Edifício Britânia), próximo ao Largo de São Francisco e do prédio do Automóvel Clube (depois, sede da Cia. Paulista de Estradas de Ferro). Neste local a loja foi alvo de dois roubos noticiados pela imprensa da época.
Com a proibição do exercício da optometria no início da década de 1930, Dr. José Vignoli ainda continuou com a loja, mas agora dedicada ao aviamento de receitas além do comércio que já vinha praticando. Por volta de 1940 deixou a atividade, passando a loja para seus funcionários que abriram a ótica “A Luneta” que funcionava na Praça Dom José Gaspar até alguns anos atrás.

Terminava aí a carreira daquele pioneiro que é lembrado no livro História da Óptica no Brasil, com a citação “… Vignoli era uma referência na óptica brasileira.”.
Após o fechamento da Casa Vignoli foi aberta uma empresa de pulverizadores para perfumes (Pulverizadores Vig-Vig) produto muito usado no passado. As atividades ligadas às lentes renderam o contato com a indústria do vidro, o que levou seu filho, em 1944, a abrir a Cristaleria Jaraguá.

NOTAS:
*1 Pince–nez (ou Pincenê) é um nome proveniente da língua francesa, formado a partir de “pincer” (pinçar) e “nez” (nariz). Foi um modelo de óculos usado do século XV até o início do século XX, cuja estrutura era desprovida de hastes.
*2 O Centro dos Commerciantes de Artigos Photograficos do Est. de São Paulo foi fundado em 15 de abril de 1928 e reunia os seguintes estabelecimentos (pela ordem descrita na ata de fundação): Casa Vignoli, Casa Stolze, Casa Duarte & Salerno, Casa Otto Stueek, Casa Fotoptica, Casa Pateur, Casa Lutz Ferrando & Comp. Ltd., Casa Photos Ltd., Quintella & Comp., Casa Photo Esporte, São Paulo Photographico, Casa D’Insceco e Casa Santiago.
*3 Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho (1867-1920) foi o fundador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

INFORMAÇÕES:
* A optometria nos EUA é aceita e regulamentada desde 1915 (link).
* O Pennsylvania College of Optics and Ophtalmology foi criado em 1912.
* Krypotk era a marca de uma lente bifocal de segunda geração. Hoje as lentes bifocais foram substituídas pelas lentes multifocais.
* Stoco era uma importante fabricante de produtos opticos
Bibliografia consultada:
* Arquivos e coleções familiares
* Arquivos da hemeroteca da Biblioteca Nacional
* História da Óptica no Brasil – Neto, José Moraes dos Santos – Edição Grupo Tecnol, 2005
* Aurélio Becherini – Prefeitura do Municíio de São Paulo – Edição Cosac Naify, 2009
* Diário Oficial – Edição de 25/10/1928
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