Algumas ruas da Bela Vista, especialmente nas proximidades da Rua Abolição, reservam gratas surpresas. São construções antigas muito bonitas, algumas preservadas outras não, em ruas que levam o nome de jardins, como a Rua Jardim Francisco Marcos e a Rua Jardim Heloisa.
Uma outra rua bem interessante é a Rua Comendador José Xavier Gouveia, também travessa da mesma Rua Abolição. É nela que existe uma série de sobrados geminados pequenos mas muito charmosos, como estes da foto a seguir.
É um loteamento muito interessante, composto por 12 sobrados erguidos entre as décadas de 30 e 40. Sendo sete delas no lado direito da via e cinco do lado esquerdo. Apesar de todas elas serem tombadas pelo CONPRESP em NP3*¹, boa parte das residências estão bastante descaracterizadas por alterações realizadas antes do tombamento ter sido decretado.
A casa de número 36, alvo de nossa reportagem, não estava descaracterizada mas bastante deteriorada, como mostra a fotografia a seguir:
Recuperar esta casa e preservar as características originais da fachada era um desafio dos proprietários, que procuraram o Arquiteto Fábio Lanfer Marquez para executar um projeto de restauro que além de manter a originalidade da casa, trouxesse conforto aos moradores.
Após uma extensa reforma tanto na parte interna como externa o resultado ficou excelente.
O São Paulo Antiga conversou com o arquiteto responsável pelo projeto:
SPa: Como surgiu a ideia de restaurar o sobrado ? Foi do proprietário ou sua ?
Fábio Lanfer Marquez (FLM): A idéia de restaurar o sobrado surgiu junto com a compra do mesmo, o qual acompanhei a escolha por ser um cliente próximo. O restauro entrou no plano, primeiro porque sem reformá-lo não havia condições para morar dignamente, e em segundo, porque os proprietários possuem uma incrível sensibilidade artística e histórica. Na escolha privilegiaram um imóvel com localização mais central, com quintal, quartos grandes e valor baixo.
SPa: Partindo da reforma, qual foi sua ideia ao recuperar a residência ?
FLM: Era necessário intervir de forma a possibilitar o uso atual e contemporâneo do espaço. O uso é a questão principal para qualquer bem antigo que se deseja preservar. Ele é o fator que mantém vivo o interesse, a memória, e demonstra as necessárias manutenções de um lugar ou objeto. Numa casa antiga isto é possível principalmente com a adequação das infraestruturas elétrica e hidráulica. Normalmente esta última é acompanhada da quebra de parte dos revestimentos. No caso específico desta obra a troca dos revestimentos não representou um problema pois eram posteriores aos originais e já em estado ruim de conservação. A questão foi escolher um material que se adequasse bem à proposta. Com relação ao estilo, procurei o equilíbrio entre acabamentos simples e rebuscados, proporcionando ora contrastes, ora releituras.
SPa: Quais os maiores desafios ao recuperar um imóvel como este ?
FLM: Acredito que o maior desafio seja o cuidado na intervenção, nas decisões de obra. Muitos itens acabam sendo decididos no local, pois dependem de uma situação existente encontrada em cada fase da obra. É necessário bastante critério entre o que se deve manter, o que descartar, e o que recuperar.
SPa: Como foi a experiência de recuperar uma construção antiga.
FLM: A experiência foi a melhor possível, principalmente pelo desafio apresentado na situação inicial. A superação deste veio no fato que mesmo com materiais e técnicas simples o resultado ficou bem evidente. Ver a satisfação do cliente, e a recuperação de uma parte, mesmo que pequena, da ocupação histórica paulistana é gratificante.
SPa: Fale um pouco mais sobre a Lanfer Arquitetura.
FLM: Trata-se de uma proposta que usa experiências distintas como base para um escritório de arquitetura, mas também um se apresenta como um pequeno ambiente virtual de repertório para discussão de projetos e idéias.
São iniciativas como esta, partindo de donos conscientes de sua missão em preservar a história arquitetônica da cidade, e de arquitetos preocupados em recuperar ao invés de simplesmente demolir e construir algo novo, que dão para nossa cidade anseios de um ambiente mais sustentável e agradável. Conciliar o antigo com o moderno é algo imprescindível para os dias atuais. Coexistir é muito melhor que demolir.
Nosso parabéns aos proprietários e o desejo que sejam muito felizes em sua nova residência e votos para que novos projetos criativos como este continuem aparecendo. Deixamos aqui o elogio também ao Arquiteto Fábio Lanfer Marquez pelo trabalho desenvolvido e pela gentileza de ceder as imagens do imóvel.
Quem quiser conhecer um pouco mais do trabalho desenvolvido pela Lanfer Arquitetura, clique no link abaixo:
www.lanferarquitetura.com
*¹ Tombamento NP3: “Preservação parcial do bem tombado. Quando se tratar de imóvel, deverão ser mantidas as características externas, a ambiência e a coerência com o imóvel vizinho classificado como NP1 ou NP2, bem como deverá estar prevista a possibilidade de recuperação das característias arquitetônicas originais.” (Res.22/Conpresp/02)
Veja mais fotos do sobrado (clique na miniatura para ampliar):
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