Casa de aluguel da “Baronesa de Limeira”

Por mais que São Paulo seja um “poço de tristeza” quando o assunto é patrimônio histórico, em virtude da especulação imobiliária, o centro paulistano hoje em dia é bastante seguro para as construções antigas que lá estão, tanto pelo tombamento em si quanto pelo pouco interesse das construtoras pela área. Isso faz com que muitas pérolas sigam preservadas, ainda que a duras penas.

Essa casa amarela localizada bem no início da avenida Brigadeiro Luís Antônio, precisamente no número 42, é uma autêntica relíquia do século 19. Sua história é bastante interessante pois nos remete a história respectivamente do Barão Limeira e sua filha, nomes importantes da história de de São Paulo, ele por ter sido vereador paulistano, benfeitor e atuante no desenvolvimento urbano da capital paulista no século 19, enquanto sua filha também chamada carinhosamente de “Baronesa de Limeira” embora não tivesse, de fato, o título, foi importante com suas atividades de benemerência.

A residência que vemos na foto que abre este artigo é uma sobrevivente. Isso deve ao fato de que não era apenas uma, mas duas casas idênticas que foram construídas no fundo do terreno da antiga (e já demolida) residência de Dona Paulina de Souza Queiroz, ou, se preferirem, a “Baronesa” de Limeira. A fotografia abaixo, do acervo da Light & Power e tirada no ano de 1900, mostra não só esta casa mas sua vizinha e “irmã” demolida e também uma parte da residência de Dona Paulina.

A casa que aparece parcialmente à direita na foto era a residência da “Baronesa de Limeira” (clique para ampliar)

As casas foram construídas para servirem de renda para Dona Paulina de Souza Queiroz pouco tempo depois dela ter cedido à prefeitura as terras que permitiram que fosse construída a atual avenida Brigadeiro Luís Antônio, à época chamada de Estrada de Santo Amaro. O brigadeiro que é homenageado com seu nome na avenida é nada menos que Luís Antônio de Souza Queiroz, avô paterno de Dona Paulina e o grande proprietário de terras nessa região (e outras) da cidade de São Paulo. O nome da avenida foi oficializado em sua homenagem em 1908.

Em algum momento nas primeiras décadas do século 20 Dona Paulina mudou-se de seu solar e o imóvel foi alugado para Manuel Artacho, que abriu no endereço uma fábrica de chapéus para senhoras que funcionou no espaço até a década de 1930. Foi nesta mesma década que a “Baronesa” de Limeira veio a falecer, precisamente em 1936.

O solar já convertido em fábrica de chapéus para senhoras

Com o passar dos anos parte dos imóveis, o velho solar e uma das duas casas de renda (a da direita), foram parar nas mãos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, que as demoliu e em seu lugar foi construído o prédio conhecido como “edifício anexo” da faculdade, que é famoso por ter uma passarela que o liga ao prédio principal da entidade sobre a rua Riachuelo. A casa amarela que mostramos aqui no artigo é a única que sobreviveu e é tombada como patrimônio histórico paulistano desde 1988.

A ESCOLA CÍVICA MISTA

O sobrado do número 42 por longos anos foi sede de uma importante instituição de ensino paulistana, que existiu desde a primeira metade do século 20 até, pelo menos, o final da década de 1960: trata-se da Escola Cívica Mixta (grafia da época) que era dirigida pela dupla Idalina e Zilda Filiolia. A escola mantinha diversas atividades de ensino, entre elas aulas de comércio, atividades musicais e atividades esportivas como basquete e ping-pong. Infelizmente existem poucas informações sobre esta escola.

CASA ESTÁ MAL CONSERVADA PELA USP

Fachada está mal conservada (clique para ampliar)

O sobrado da avenida Brigadeiro Luís Antônio pertence à prefeitura de São Paulo e ficou vazio por alguns anos até que em 2009 foi cedido para a USP – Faculdade de Direito do Largo de São Francisco com a contrapartida da entidade utilizar o imóvel para aulas para os procuradores municipais. No entanto a faculdade jamais cumpriu esse acordo o que levou o então prefeito paulistano Gilberto Kassab a pedir a devolução do bem. Após uma longa discussão entre a USP e prefeitura a cessão foi mantida e até hoje está sob administração da USP.

No entanto, tal qual uma parte dos imóveis pertencentes à USP, a casa encontra-se em péssimo estado de conservação – ao menos em sua parte externa – como é possível conferir nas fotografias atuais que ilustram este artigo. A pintura externa não é refeita há 15 anos, apresentando-se gasta e totalmente encardida, o que estimula o vandalismo das pichações. Portas, janelas e esquadrias já estão sem verniz, o que poderá ocasionar em apodrecimento da madeira, tornando uma futura reforma ou restauração ainda mais cara.

Por fim deixo minha crítica ao nome adotado pela faculdade para o sobrado: Edifício Baronesa de Limeira. O nome jogado ao alto sem qualquer explicação mais aprofundada passa para quem não conhece a falsa ideia de que ali foi a residência da baronesa o que jamais ocorreu, conforme expliquei no início deste artigo.

Uma instituição de ensino deve sempre se precaver e ensinar corretamente, isso vale também para os edifícios sob sua posse. Ao não colocar o nome no contexto induz a erros, como eu mesmo já presenciei em passeios turísticos onde guias informam que “ali residiu a baronesa” enquanto Dona Paulina de Souza Queiroz morou, na verdade, na esquina desta avenida com a rua Riachuelo.

clique na foto para ampliar

Notas e dados bibliográficos:
Nota *1 – Resolução nº 03/88 do CONPRESP
Nota *2 – Originalmente o número do sobrado era 8, posteriormente a numeração de toda a cidade foi alterada na década de 1930 e a casa passou a ser 42.

Foto antiga 1 – A Cidade da Light (1899-1930) Volume 2 – Eletropaulo 1990
Foto antiga 2 – Acervo do Instituto São Paulo Antiga

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3 respostas

  1. Eu lembro de muita coisa de São Paulo nos velhos tempos. Mas dessa casa não lembro muito(só um pouco) porque já faz muitos anos. Mas essa casa precisa de mais conservação, com essa pichação fica feia demais.

  2. Que matéria sensacional, além de manter a história antiga de São Paulo acessa, ela vem com um intuito de cobrar a preservação do bem em si a quem tem o domínio sobre ele. Certamente São Paulo seria mais bela se a especulação imobiliária fosse menos agressiva aos vários imóveis espalhados que se encontram em lastimável degradação.

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