Nascida “Antarctica Paulista – Fábrica de Gelo e Cervejaria”, em 1888, na Água Branca, local aonde já funcionava um abatedouro de suínos chamado “Antarctica”, a fábrica de cervejas, primeira no gênero no país, tornou-se o que os publicitários costumam chamar de case de sucesso, pois já integra o imaginário coletivo das pessoas com seus produtos.
A Antarctica teve seu primeiro anúncio publicado no então jornal “A Província de São Paulo”, atual Estado de São Paulo, em 13 de março de 1889: “Cerveja Antarctica em garrafa e em barril – encontra-se à venda no depósito da fábrica à Rua Boa Vista, 50”.

Anúncio veiculado no jornal ˝A Província de São Paulo˝*¹
Sob a perspectiva do contexto histórico, o Brasil passou da fase colonial para a República, em 1889. Nesta época, o Brasil efetivamente iniciava seu processo de industrialização. Era, também, o período de forte onda imigratória, que trazia para o país mão de obra para a lavoura, mas também para as nascentes indústrias de São Paulo. O decreto n. 164 de 17 de janeiro de 1890 regulamentou e deu novas liberdades à existência das Sociedades Anônimas.
Então no dia 9 de fevereiro de 1891 foi oficialmente fundada a “Companhia Antarctica Paulista” como sociedade anônima, com 61 acionistas, dentre os quais, João Carlos Antonio Zerrenner, alemão, e Adam Ditrik Von Bülow, dinamarquês, ambos naturalizados brasileiros e proprietários da empresa Zerrenner, Bülow e Cia., exportadora e corretora de café. Eles importaram equipamentos da Alemanha para modernizar a produção de cerveja e os financiaram para a Antarctica.
E foi justamente com a fundação da Companhia Antarctica Paulista, em 1891, e da Fábrica de Cerveja Bavária, em 1892, que se marca o início da produção de cerveja em larga escala na cidade, e o fim de pequenos estabelecimentos voltados a esse tipo de atividade.
Primeiramente dirigida por Louis Bücher, que já possuía uma micro cervejaria desde 1868, a produção inicial da primeira cervejaria na Água Branca foi muito pequena, de 1.000 a 1.500 litros diários, passando em seguida para 6.000 mil.
Sobre o nome Antarctica, interessante citar que o primeiro logo feito para reproduzir a decantada cerveja, trazia dois ursos brancos polares sobre um campo de gelo, supostos habitantes do continente antártico, a Antártica (na marca, grafada como Antarctica). Mas por não haver ursos no pólo sul, o símbolo logo mudou para os dois pingüins sobre um campo de gelo, que prevalece até hoje.
BAVÁRIA NA MOOCA:
A empresa passou por sérios problemas financeiros, devido à desvalorização da moeda na época (era 1893), mas conseguiu sobreviver graças aos dois acionistas já citados, Zerrener e Bülow.
A empresa passa então a focar na fabricação de cerveja e refrigerantes. A partir de então recuperou-se e passou a crescer rapidamente, sendo que em 1904 adquire o controle acionário da Cervejaria Bavária, na Mooca, que pertencia a Henrique Stupakoff & Cia. Com capital alemão e brasileiro, dividido meio a meio, e maquinários vindos da Suíça e da Alemanha, ali se produziam as seguintes qualidades de cerveja: Pilsen, Munchen e Export, que eram vendidas em barris ou em garrafas.
Neste local, em 1920, passou a se situar a sede do Grupo Antarctica, direto da Água Branca para a Mooca, na Av. Presidente Wilson, antes conhecida por Alameda Bavária, na época ainda um subúrbio do Brás.
Para quem gosta de curiosidades, foi em 1921 que a Antarctica vendeu a antiga propriedade para o então Palestra Itália, hoje Palmeiras. E é por essa razão que o local foi conhecido como Parque Antarctica.
Para se ter noção da importância do local que um dia abrigou a maior companhia cervejeira do país, foi ali, nos idos dos anos 1910-1920, que surgiram dois outros grandes produtos de projeção mundial: a soda limonada em 1912, e o guaraná Antarctica em 1920.
Se levarmos em conta a relevância da criação desses produtos para a economia do país, afora as passagens históricas que a fábrica acompanhou, como a quase tentativa de intervenção pelo governo Getúlio Vargas, pelo fato de haver ali capital alemão, já justifica a necessidade de tombamento desse imóvel que representa o período áureo da indústria paulistana.
REGISTRO DO QUE RESTOU:
Interessante notar como se tem a impressão de que a fábrica e seus vários departamentos agora desativados, parecem ter sido esvaziados meio que às pressas, pois durante o nossa visita, foi possível vislumbrar pelas janelas de vidros quebrados, divisórias de seções, com suas respectivas placas indicativas, geladeira, algum mobiliário bem desarranjado eprateleiras vazias afastadas da parede.
Encontramos também outras peculiaridades como o nome da companhia feito com ladrilho colorido, e até mesmo a entrada do portão que dava acesso ao administrativo da fábrica, com dois grandes pinguins ensimesmados, só faltando mesmo um elemento principal para dar vida ao local: gente.
Gente que há um bom tempo deixou de ali trabalhar, gente que por ser de fábrica, dizem os antigos, sabiam como ninguém comemorar a saideira do trabalho ao término do expediente, geralmente transportado para o boteco da esquina, ou para o grêmio, aonde se podia jogar, confabular, ou simplesmente estar entre os seus num momento de descontração. O da Antarctica chamava-se ARCA – Associação Recreativa e Cultural Antarctica.
Infelizmente, do ponto de vista econômico, mas muito mais afetivo, de nossa memória, “perdemos” a Antarctica na Mooca, para a cidade de Jaguariúna, interior paulista, e para outras partes do Estado e do país.
Ela se internacionalizou, virou Ambev junto com a Brahma, em 1999, e até hoje não deu um destino certo ao seu antigo endereço. Tanto que essa área industrial tida como obsoleta e ociosa em São Paulo é alvo certo dos especuladores imobiliários.
Por isso fiz o convite ao site São Paulo Antiga, que faz um trabalho muito interessante, diria até mesmo investigativo, sobre o patrimônio histórico, artístico, arquitetônico, e por que não dizer, afetivo da nossa cidade, para que também registrasse mais uma jóia rara, ligada ao nosso patrimônio industrial que, esperamos, seja reconhecida como tal e dada a ela um destino digno de toda sua história que já faz parte da memória afetiva dos moradores da Mooca e da cidade de São Paulo.
Galeria de fotos da Antarctica Paulista (clique na imagem para ampliar):
Fotos realizadas em 2009
*1 – Crédito: A Província do Estado de S.Paulo – Edição 4281 (13/07/1889) pp.03
Autora: Elizabeth Florido – jornalista e pesquisadora sobre a história da Mooca.
Fotografias antigas: Acervo São Paulo Antiga – Fotografias atuais: Douglas Nascimento
ATUALIZAÇÃO – 27/02/2020:
Onze anos depois de nossa primeira reportagem sobre a Antarctica, retornamos ao local após sabermos que a empresa Prevent Senior adquiriu a propriedade com o objetivo de criar um grande complexo para a terceira idade.
A empresa terá um grande trabalho pela frente. Veja as fotos na galeria abaixo:
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