Amor em tempos de guerra

Hoje em dia poucos sabem mas durante um bom período de tempo o Prédio Martinelli, primeiro arranha-céu de fato da cidade de São Paulo, abrigou um luxuoso hotel em parte de sua construção. Era o Hotel São Bento. Apesar do nome a entrada principal deste hotel ficava não na Rua São Bento, mas na Avenida São João, que é face mais ampla do famoso edifício paulistano.

Hospedar-se no São Bento não era para qualquer um. Tratava-se em sua época de um dos mais elegantes hotéis da cidade e suas diárias, em seu auge, custavam de 15.000 a 35.000 Réis, algo hoje próximo a algo entre R$2000 e R$4500.00.

O hotel não ocupava todo o edifício, mas uma parte dele. Eram sessenta apartamentos dispostos em sete andares do Martinelli e eram ocupados geralmente por homens de negócio, autoridades e figurões estrangeiros.

Aqui no acervo do Instituto São Paulo Antiga tínhamos já temos faz algum tempo uma carta enviada por um hóspede do hotel para uma mulher. Infelizmente parte da carta, embora datilografada, tem trechos ilegíveis por problemas na datilografia e não foi possível identificar com precisão o remetente e a destinatária, mas ao que indica trata-se, respectivamente, de Wolf (ou Wulf) e Fany.

Aparentemente a carta foi escrita e não foi enviada e apareceu muitas décadas mais tarde dentro de um livro. Teria a carta sido extraviada e nunca enviada ? Teria o autor desistido de enviar ? Ou o endereço errado a carta voltou ao remetente, no hotel ? Jamais saberemos.

Abaixo você confere a carta original escrita em papel timbrado do próprio Hotel São Bento

Na imagem, a carta original datada de 1942

Escrita por um alemão em 1942, no auge da II Guerra Mundial, a carta desperta também a curiosidade sobre quem teria sido esse hóspede. Seria um espião ? É até possível, mas jamais saberemos.

A seguir, a tradução da carta formatada tal qual a original. O gentil trabalho de tradução a carta foi feito por Danielle Naves de Oliveira, jornalista brasileira que reside na Alemanha. A ela, meu muito obrigado!


Carta 3.
São Paulo 26.3.42

Cheirinho do meu coração.

Até hoje sempre te escrevi em português, mas como ainda não consegui te contar tudo como eu gostaria, tentarei agora em alemão. E amanhã chegará novamente uma carta em português. Eu teria taaaantas coisas para te escrever, mas são coisas que eu gostaria mesmo é de dizer pessoalmente. Primeiro, o quanto te amo e o quanto sinto tua falta. É difícil de acreditar que alguém possa amar tanto quanto estou amando agora. Tomara que dure por toda a vida, pois assim será uma vida maravilhosa. Amar é maravilhoso, mas é algo que só me aconteceu agora. Claro, não a partir de hoje, mas sim todo esse tempo, sem que eu conseguisse te dizer direito. Nesse caso, são coisas que consigo dizer melhor por escrito do que falando, e é assim sempre. Algumas vezes, consegue-se dizer melhor escrevendo, outras vezes, falando. Acredito que com você acontece do mesmo jeito. Isso de ficar com um nó na garganta, como você me explicou há um tempo atrás. Comigo aconteceu hoje, fiquei com um nó na garganta quando fui convidado para jantar com Érika e outros conhecidos. Não estou com muita vontade, pois acordei com uma dor de cabeça terrível e, apesar de já ter tomado um monte de remédios, continua doendo. Acho que vou me deitar um pouco, quem sabe melhore. Georg e Erika te mandam um abraço e ela acha uma pena você não estar aqui em S.P. E você poderia pernoitar na casa dela. Sim, seria bom você estar aqui, melhor ainda se fosse comigo. Imagine quanto tempo teríamos só para nós, nós dois, sozinhos. Mas isso logo acontecerá: os negócios não vão nada mal, se bem que hoje eu não pude trabalhar; iria deixar minha coleção com um grande cliente para ele poder olhar tudo com calma. Tomara que vire alguma coisa. Deseje-me boa sorte: cruze os dedos e cuspa três vezes na terra. Mas não na sala de jantar, pois isso irritaria o Ivan. Ademais, não quero mais briga com a família. Talvez um pouquinho com a Dora, mas só por diversão. Fanyzinha, queridinha, vejo como é melhor escrever [em alemão] pois me faltam os detalhes da língua [portuguesa]. Espero que eu possa logo aprender. No mais, minha querida, não há novidade. Espero que você não fique batendo tanta perna e que também coma um pouco mais. Este aqui te beija e te abraça com muito amor

Teu [assinatura ilegível]

Abraço em sua família e nos patrões.
Como vai a senhora Weiss e o Senhor Falk?
Telefone, por favor, e um abraço especial de minha parte.

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Uma resposta

  1. Muito legal.
    Gostei do “Abraços em sua família e nos patrões”.
    Soa engraçado hoje em dia.

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