A história da caravela da avenida 23 de maio

A capital paulista é uma cidade que está em constante transformação e sua atividade comercial acompanha esta mutação. Diariamente abrem novos restaurantes, bares e casas noturnas e igualmente fecham tantas outras. O dinamismo dos negócios, a especulação imobiliária e as fases que alguns bairros passam (seja de ascensão ou decadência) deixam lá no passado estabelecimentos que marcaram época.

Pensando nisso lembrei-me de um local lendário de São Paulo, que passei muitas vezes em frente mas nunca tive a oportunidade de frequentar, e que alguns dos leitores provavelmente irão se recordar ao ver a imagem abaixo.

O exótico Restaurante Caravela, na avenida 23 de Maio, em seus primeiros anos de funcionamento

Por exatos 25 anos, entre 1970 e 1995, quem transitava pela avenida 23 de Maio, uma das mais importantes artérias da cidade, deparava-se com esta grande estrutura que confundia muitos transeuntes incautos: uma curiosa e rudimentar embarcação que parecia ter sido transportada do oceano Atlântico para ser ancorada na selva de pedra paulistana.

A construção, de gosto duvidoso, e que a meu ver só perdia em cafonice para o monumento a Borba Gato, em Santo Amaro, foi o lendário restaurante Caravela. Especializado em frutos do mar, mas com um cardápio bem diversificado que ia de churrasco à tradicional feijoada, o estabelecimento foi por alguns anos uma atração da cidade, onde muitos frequentaram mais por curiosidade em conhecer o espaço do que pelas iguarias servidas.

O restaurante Caravela em fotografia da década de 70 (clique para ampliar)

Ocupando uma área de 4500 metros o local era construído em madeira e alvenaria e possuía algumas peculiaridades para atrair os frequentadores, entre elas um canhão europeu do século 17 que ficava no convés.

Apesar de estar longe das intempéries do mar aberto, o mau tempo atingiu o restaurante que, com dificuldades para se manter, acabou fechando. Foi quando iniciou a fama do lugar não ter sorte para emplacar negócios, pois dali em diante vários estabelecimentos ocuparam o espaço que outrora foi o Caravela, sendo o mais famoso deles uma danceteria.

A caravela da 23 de Maio no período em que funcionou a danceteria Latitude 3001

Chamada Latitude 3001 a casa noturna foi a segunda ocupante da caravela encalhada da avenida 23 de maio, sendo inaugurada em 1984. Foi durante a fase de danceteria, do empresário Sandro Samelli (o mesmo da lendária boate Limelight), que a caravela recebeu em suas dependências João Gilberto e a roqueira alemã Nina Hagen. Contudo as presenças ilustres não foram suficientes para manter o local em evidência que fecharia, pela segunda vez, em 1989.

Neste mesmo ano a casa reabriu completamente remodelada se transformando na Lamba-Reggae, aproveitando a febre destes dois ritmos musicais que estavam em alta naquela época. Igualmente o negócio não prosperou.

Entre o final da década de 1980 e início dos anos 1990 o local foi a danceteria Lamba-Reggae

É a partir deste momento que a caravela da 23 de maio entra em uma fase ruim, onde o que se abre rapidamente fecha, desvalorizando bastante o ponto comercial. Basta dizer que entre 1991 e 1994 o local recebe diversos estabelecimentos no espaço, como loja de materiais de construção e até mesmo um lava-rápido. Abaixo, duas fotografias destes momentos finais da velha “embarcação” (clique para ampliar):

Sem atrair interessados em alugar o espaço novamente, Antônio Rodrigues Alves, seu proprietário à época, ainda se deu ao luxo de recusar algumas ofertas de compra da área, como o de um interessado em construir um motel no local e um grupo de empresários chineses que queriam abrir um cinema a céu aberto no terreno.

Em 1995 ele é finalmente convencido a vender o espaço para a construtora Setin. Segundo reportagens da época o terreno da caravela estava sendo negociado por 6.5 milhões de dólares. Uma vez vendida a embarcação que nunca viu o azul do mar foi demolida e em seu lugar foi erguido um arranha-céu que abriga até hoje um hotel, no caso o Pullman Ibirapuera.

Saiu a caravela e surgiu um hotel (clique para ampliar)
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Respostas de 11

  1. DOUGLAS parabens pelo belo e continuo trabalho ,
    So pra encorpar essa bela reportagem .
    EU conheci a CARAVELA desde sua construcao .o restaurante ,loja de materil de contrucao CHAVANTES foi tambem um Bufet PAULISTANO inclusive me casei la em 18 de setembro de 1982 .
    jose joaquim miguel ( casa amarela do Bixiga),

  2. Peço ajuda para sanar uma dúvida!
    Olá Douglas, no YouTube existe um vídeo de 1978 da Elis Regina e Adoniran Barbosa com um trecho filmado na Vila Itororó. Pelo fato de ser perto da Avenida 23 de Maio, eu aproveito para perguntar se você ou algum leitor seu saber informar que local misterioso de São Paulo era aquele que aparece a partir dos 7 minutos e 12 segundos do vídeo intitulado “Adoniran Barbosa e Elis Regina 1978”, no YouTube, e que termina aos 8 minutos e 16 segundos desse vídeo. Está sendo muito difícil descobrir que local da cidade era esse. Alguém saberia informar?
    Desde já eu fico muito grato a quem conseguir desvendar que local de São Paulo é esse hoje em dia!

      1. Douglas, vc é o cara! Sou 100% fã do seu trabalho! E além de tudo, eu te agradeço pela sua resposta tão gentil e atenciosa! Algo tão escasso em outros sites, blogs, perfis, etc… Neste vídeo de 1978, o trecho que eu mencionei é o único trecho do vídeo que não consegui identificar (já tentei de todas as formas). Todos os outros trechos do vídeo eu, e com certeza vc também, já identificamos! E vou ficar aqui aguardando para desvendar essa escadaria e esse rua misteriosas!
        O seu trabalho é simplesmente fabuloso!
        Abraços!

  3. Caro Douglas, você conseguiu identificar qual local misterioso do centro de São Paulo é aquele que aparece a partir dos 7min12s no vídeo do YT intitulado “Adoniran Barbosa e Elis Regina 1978”, e que se estende ao longo de 64 segundos ininterruptos nesse vídeo? Desde já agradeço por um retorno.

    Att,
    Seu leitor, Tiago Fernandes

  4. Caro Douglas, obrigado pela sua resposta! Se vc não conseguiu localizar, imagine nós, pobres mortais… rsrs… Mas tenho certeza que um dia, eu, como sempre por aqui visitando o seu maravilhoso site sobre a nossa querida São Paulo d’outrora, me depararei com uma bela matéria sua sobre esse vídeo do Adoniran Barbosa com a Elis Regina! Esse vídeo é uma bela amostra da São Paulo que já não existe mais! Ao descobrires o local daqueles 64 segundos enigmáticos desse vídeo que abordamos, essa bela filmagem de 1978 estará finalmente com todos os seus locais devidamente identificados! Obrigado por seu trabalho fabuloso, e boa sorte sempre!

  5. Caro Douglas, suponho que você saiba a trabalheira que deu para eu pesquisar e identificar os locais do vídeo da Elis Regina com o Adoniran Barbosa. Sendo eu inclusive seu leitor, e inscrito em seu canal no YT, acho que seria de bom tom você me dar um retorno. Você tem todo o direito de não gostar do material que lhe enviei, tanto pelo tamanho (admito que realmente ficou grande mesmo) como pelo conteúdo. Isso é um direito inalienável que você e todos têm. E não acho que você deva publicar algo que você não gostou, mesmo estando totalmente livre de colocar créditos. É seu direito sim, e eu compreendo plenamente! Mas um simples retorno, como um agradecimento, já seria um gesto grandioso e de bom tom. Reflita sobre o trato com pessoas simples e que não querem fazer mal a ninguém. Sem ironia nenhuma, desejo que você esteja bem e continue sempre com o seu valoroso trabalho para nós paulistanos!

    1. Aprovei o comentário para responder… vamos lá:
      Amigo você tem ideia de que cuido de um site, um instituo e diversas redes sociais sozinho? Só e-mails por dia chegam uns 30, sem contar as dezenas e dezenas de mensagens privadas que chegam via DM das redes sociais, WhatsApp… ainda no sábado tive um palestra para 200 pessoas no Museu do Ipiranga e um passeio. Sem contar com a minha atividade como assessor parlamentar.
      Eu sou um só, tenho vida e preciso de um tempo para mim e também para responder a todos.
      Então, antes de me cobrar sobre o tal “bom tom” pense que você não é a única pessoa que me manda mensagem e será respondido sim, quando eu conseguir.
      Não me venha por favor me pedir para refletir pois quem me conhece sabe que respondo a todos. Só não me cobre sem conhecer o sacrifício que é cuidar de tudo sozinho e ainda ouvir que estou sendo mal educado. Me poupe.
      Grato!

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