A placa esquecida da Avenida Água Funda

Frequentemente critico aqui nas páginas do São Paulo Antiga a sanha dos vereadores paulistanos em alterar a nomenclatura de ruas, praças, avenidas e no caso de deputados estaduais até mesmo estações do Metrô.

Isso desecadeou na cidade uma séria de bizarrices como pontes com dois nomes (o original e o novo) ou mesmo estações de metrô com nomes duplos e desnecessários (Japão-Liberdade é um bom exemplo de levar o cidadão ao erro). Por consequência isso gera também dificuldades em pesquisas já que muitas vezes os nomes trocados atrapalham a procura de documentos antigos e até em mapas.

A placa abaixo esquecida atrás das grades de um condomínio residencial talvez seja o melhor exemplo de como essa vontade de usar o cargo para homenagear pessoas recém falecidas geram gastos desnecessários e confusões:

clique na foto para ampliar

Meio escondida atrás do gradil de um conjunto de edifícios residenciais está a placa de inauguração da Avenida Água Funda, quase na esquina da Rua Santa Cruz com a Avenida… Ricardo Jafet! Isso mesmo, caso você encontre esta placa vai ficar pensando que alguém da prefeitura instalou-a no lugar errado, afinal a Avenida Água Funda existe mas está há quase cinco quilômetros dali. Então, o que aconteceu ?

Projetada em meados da década de 1960 e inaugurada 1967 a Avenida Água Funda já chegava em nossa cidade apagando o nome de outra avenida. Pois ali anteriormente era a Avenida Tereza Cristina.

Trecho do mapa de São Paulo em 1951 – Dividimos a Avenida Teresa Cristina em duas partes, a saber:
1 – o trecho que existe até hoje
2 – o trecho que foi ampliado e rebatizado como Avenida Água Funda e, posteriormente, Ricardo Jafet.

Quando o então Prefeito de São Paulo, Faria Lima, decidiu por abrir novas avenidas e viadutos pela cidade e também duplicar outras já existentes incluiu no seu repertório de obras a duplicação e ampliação da então Avenida Teresa Cristina, que ligava basicamente o Ipiranga até o Jardim Luftala.

As obras nesta avenida se iniciaram no primeiro ano de seu mandato e se estenderam até o ano de 1967. Durante o período de obras já se havia decidido por rebatizar a Teresa Cristina como Avenida Água Funda pois ela terminaria nas proximidades do bairro da Água Funda. E assim ela foi inaugurada, em 1º de abril de 1967 data curiosamente conhecida como “Dia da Mentira”. E faz todo o sentido, afinal quem observar a placa comemorativa vai achar realmente que é uma mentira ou um engano pelo fato dela estar num local com outro nome.

A terceira mudança de nome da avenida, depois de ter sido Teresa Cristina e Água Funda, viria no ano seguinte de sua inauguração, em 1968. A motivação ? A morte de Ricardo Nami Jafet.

O Estado de S. Paulo – Edição de 19/04/1968

Mais conhecido apenas como Ricardo Jafet – que é o nome oficial da avenida – ele veio a falecer na cidade estadunidense de Cleveland, devido a uma série de complicações oriundas de uma cirurgia cardíaca. Sendo uma figura de longa carreira empresarial e pública sua morte causou consternação em São Paulo e em virtude disso a municipalidade decidiu rebatizar a Avenida Água Funda em sua homenagem.

Com a mudança do nome a placa perdeu completamente o sentido (clique na foto para ampliar)

E foi assim que em 1968 apenas alguns meses após a morte de Ricardo Jafet e pouco mais de um ano da avenida ser nomeada como Água Funda que a via foi novamente rebatizada, recebendo o nome do ilustre paulistano falecido. Já o nome Água Funda, por sua vez, foi para outra avenida bem longe dali, na região de Vila Guarani.

Com essa mudança a placa celebrava da inauguração da “Avenida Água Funda” perdeu completamente o sentido e a razão de estar ali, na agora Ricardo Jafet. Entretanto sabe-se lá por qual motivo ninguém do poder público jamais se importou em remover a placa ou colocar outra explicando que lá agora há outro nome. E o tempo foi passando, passando e o agradável condomínio que ali existe com suas ruas de paralelepípedos e bastante arborizadas construiu um muro com grande que isolou e protegeu a placa até os dias atuais.

Muro e gradil do condomínio protegem a placa de sofrer vandalismo (clique para ampliar)

Toda essa confusão no nome dessas ruas e avenidas envolvidas só deixa ainda mais claro o quão danoso é para a cidade de São Paulo deixar a atribuição de dar nomes de vias públicas por conta dos vereadores. Trata-se de um método ultrapassado, resquício do Brasil colonial e da São Paulo de outrora cujas dimensões eram minúsculas se comparadas com a cidade de hoje. O poder de dar nome aos logradouros deveria ser atribuição da Secretaria Municipal de Cultura e, em casos excepcionais, do prefeito da cidade.

NOTA:
*1 – O nome do bairro e da estação do metro Liberdade em nada tem a ver com a colônia japonesa que ali reside e trabalha, sendo que a alteração do nome da estação para “Japão-Liberdade” é uma verdadeira afronta e desrespeito à história da região, pois dá essa falsa impressão que o termo tem a ver com os nipônicos, quando na verdade o termo é relacionado a outra coisa.

Ali era conhecido como Largo da Forca, assim nomeado em função da presença de uma forca que era utilizada para a execução da pena de morte, que funcionou até 1870. A partir de então, o largo passou a se chamar Largo da Liberdade, e o nome se estendeu a todo o bairro.

Existem duas versões para a adoção do nome “Liberdade”ː uma diz que é uma referência a um levante de soldados que reivindicavam o aumento de seus salários à coroa portuguesa em 1821, e que teria resultado no enforcamento dos soldados Chaguinhas e Cotindiba. O público que acompanhava a execução, ao ver que as cordas que prendiam Chaguinhas arrebentaram várias vezes, teria começado a gritar “liberdade, liberdade”. Já outra versão diz que o nome Liberdade é uma referência à abolição da escravidão.

O simpático condomínio tem entrada somente pela Rua Santa Cruz, isolando o acesso pela Ricardo Jafet e indiretamente acabou por proteger a placa (clique para ampliar)

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
O Estado de S.Paulo edição de 1/4/1967
O Estado de S.Paulo edição de 19/4/1968
Dicionário de Ruas – Link visitado em 8/11/2021

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Respostas de 16

  1. NOS ANOS 70 EU TRABALHAVA NO CORREIO ENTREGANDO TELEGRAMAS…HAVIA UM TELEGRAMA PARA SER ENTREGUE NA RUA DA SAÚDE….MEUS COLEGAS PROCURARAM NA AV BOSQUE DA SAÚDE SEM ENCONTRAR A CASA.
    QUANDO O ENCARREGADO ME INCUMBIU DE ENTREGAR O MESMO.
    SABENDO DA DIFICULDADE DOS COLEGAS ME DIRIGI A REGIONAL DA PREFEITURA
    NO SETOR DE CADASTRO ENCONTREI UM SENHOR ANTIGO DE PREFEITURA E MUITO ATENCIOSO PEGOU MAPAS
    ANTIGOS DA ÁREA E ME MOSTROU UMA RUA DA SAÚDE A QUAL A AV RICARDO JAFET PASSOU POR CIMA, SOBRANDO UMA PEQUENA VILA DE CASAS NA ESQUINA DA RICARDO JAFET..ME DIRIGI ATÉ O LOCAL ENCONTRANDO A CASA E ENTREGUEI O TELEGRAMA QUE ERA NOTÍCIA DE MORTE…O FATO ME DEU UM DIA DE FOLGA NO SERVIÇO..

  2. Infelizmente daqui a alguns anos quem nascer, não conhecerá mais a história de São Paulo, pois, nada mais restará do que era São Paulo antiga, tenho 86 anos e conheci muito bem Sampa e hoje nada mais existem, prédios antigos mesmo tombados viram ruinas ,casas antigas mesmo estando em condições de moradias , colocam abaixo para construir prédios e assim São Paulo vai morrendo com sua história.

  3. “Toda essa confusão no nome dessas ruas e avenidas envolvidas só deixa ainda mais claro o quão danoso é para a cidade de São Paulo deixar a atribuição de dar nomes de vias públicas por conta dos vereadores. Trata-se de um método ultrapassado, resquício do Brasil colonial e da São Paulo de outrora cujas dimensões eram minúsculas se comparadas com a cidade de hoje. O poder de dar nome aos logradouros deveria ser atribuição da Secretaria Municipal de Cultura e, em casos excepcionais, do prefeito da cidade.” [2]

  4. Tenho dois comentários: um deles é uma crítica à alteração dos nomes de ruas do município de santo Amaro sem qualquer respeito ao nosso município, do qual meu tio avô foi o último prefeito. a justificativa é que muitas ruas tinham nomes iguais no centro de São Paulo. mas qual o município mais antigo? deveria se respeitar a nossa história, pelo menos!
    O segundo comentário é algo mais curioso: anos atrás, 1996, lecionei para uma aluna, japonesinha , a qual foi embora com a mãe e irmão para o Japão. Era uma excelente aluna de matemática! Eis que, um belo dia, aparece um senhor na minha casa, me procurando para entregar uma correspondência que viera do Japão, era dela. Mas o homem não era carteiro. Era um parente o qual eu não conhecia, e reconheceu pelo sobrenome que aquela correspondência, vinda do Japão, fora parar em sua casa. e foi assim que reencontrei parte da minha família e conheci parentes que nem sabia da existência, apenas meus pais. São parentes paternos, e me pai já falecera a muito! Morávamos no Veleiros, mas só sabia que existiam, e não tinha a menor ideia de quem eram e endereços! Coisas de D´us, sem dúvida!

  5. Concordo plenamente que os nomes das ruas fosse atribuição exclusiva da Secretaria de Cultura. Uma solução seria uma lei que homenageasse os ilustres (pessoas e/ou eventos) apenas em logradouros novos ou na pior das hipóteses uma placa indicativa sem alterar o nome do local, parecido com as placas redondas que indicam o que ou quem viveu ou aconteceu que a SMC vem fazendo.

  6. Concordo! Existe uma farra dos nomes para as áreas públicas, quase sempre por manobras políticas de “agrados”. Uma das maneiras que se teria para diminuir e até evitar isso seria uma lei impedindo a mudança dos nomes já consolidados de ruas, avenidas, praças etc. Por mim iria mais longe, impedia nomear as ruas e avenidas com nome de pessoas daqui pra frente. Outra coisa é a discussão do merecimento de um local receber o nome desta ou daquela personalidade. Por exemplo, na semana passada foi finalmente inaugurado o Parque Augusta. Foram 40 anos de idas e vindas para aquela área fosse um parque. Muitos anônimos contribuíram e lutaram contra a força das construtoras e desinteresse de alguns prefeitos. Foi decidido que o Parque Augusta também teria o nome de Bruno Covas. Não houve uma votação pública dos envolvidos pela luta nestes 40 anos se concordam com a nomeação. Foi de cima pra baixo, como tem sido a maneira de dar nomes para áreas públicas da cidade.

  7. Pois é, eu concordo. Nós temos a Rodovia dos Trabalhadores, por exemplo, que depois passou para Rodovia Ayrton Sena, em homenagem póstuma ao mesmo.
    Eu me pergunto se não poderiam inaugurar outra coisa, uma praça, uma avenida, um parque NOVO e fazer a homenagem; pra que mudar de nome algo já batizado? ,
    É falta do que fazer mesmo!

  8. Não vejo defeito em um problema que já é público e notório esse tipo de acontecimento por parte da prefeitura, no entanto vejo como homenagem a um dos únicos bons prefeitos que por ali passaram e deixaram saudades.

  9. Boas!
    Pelo visto é mais simples “homenagear” alguém em um local que já existe um nome (popular) simplesmente acrescentando o nome da “celebridade”… Parque Augusta – Bruno Covas; Japão-Liberdade; Morumbi-São Paulo; Santos-Imigrantes e por aí vai… tipo, na dúvida, “batiza” com os dois…
    Eu morei por 31 anos logo ali perto, em uma vilinha bem charmosa (altura do 1075 da rua Santa Cruz) construída também na década de 60. Na época que mudamos para lá, disseram que antigamente a região era repleta de pequenas chácaras, mas o crescimento da cidade…. ahhh… esse veio… e a urbanização do bairro também!
    Lembro dessa placa, AV ÁGUA FUNDA, passava por ela quando ia com minha mãe à feira-livre que existe até hoje no outro lado da avenida na continuação da rua Santa Cruz.. que na realidade é continuação da rua Loefgreen…enfim, também lembro que na época todos os moradores mais antigos, chamavam a então Ricardo Jafet de Av. Água Funda… nessa época eu não entendia porque uma avenida com um nome as pessoas chamavam de outro… coisas de criança… isso que a própria Ricardo Jafet, possui também vários nomes, não é mesmo!? Av. Prof. Abrahão de Morais é um deles… isso quando lá no final, perto do cruzamento da Av. Bosque da Saúde, já chamam de Imigrantes, independente da placa!
    É isso.
    Agora, esse condomínio onde está a famosa placa esquecida… chamamos de Condomínio dos Bancários, ou simplesmente “Bancários”… acho que vale um Especial sobre ele não é ADM ?!?!
    São lindos apartamentos, amplos (3 dorm.!), bem ventilados, que mais parecem estar em um local fora da Capital (houve uma época que havia fila para alugar ou comprar um deles!!!) … todos se conhecem (ou conheciam) e as crianças podem(podiam) brincar soltas com toda segurança! (na época que morei ali perto, não existiam as grades e os fundos de algumas casas da vila que eu morei, davam para uma das ruas laterais dos “Bancários”… bem interessante! Acho que vale a pena uma pauta.
    Abs!

  10. É o que sempre digo: Vereador é o cargo mais inútil da face da terra. Nem para colocar nome em rua eles são capazes.

  11. Douglas, concordo com você.

    Homenagear pessoas que passaram, já cumpriram sua obrigação pública. Além das pessoas públicas, muitas pessoas ditas “normais” têm seus nomes destacados em vias, túneis e praças públicas.
    Todo cidadão teria esse mesmo direito, não apenas alguns que tiveram importância na vida de determinadas famílias endinheiradas e influentes na política.
    Um destaque para o viaduto María Maluf, que foi uma boa mãe, boa dona de casa. E?
    Eu também me considero tal, e teria vergonha de ter meu nome eternizado por outros motivos que não fossem apenas os por opção pessoal. Totalmente desnecessário colocar nomes que não sejam referência a fatos que realmente marcaram a vida da cidade, do país. Coisa mesmo de colonialismo…

  12. nasci aí. pra nós crianças sempre foi água funda e não ricardo jafet
    “vamos andas de bicicleta na água funda?”

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