Hoje temos a comodidade dos telefones celulares que nos permite falar com queremos (ou não queremos) a qualquer momento. Seja pela linha convencional, por aplicativos de troca de mensagens, redes sociais… tudo isso está na palma da nossa mão. Entretanto como qualquer tecnologia seu princípio não era assim tão fácil.
Recentemente o São Paulo Antiga publicou uma matéria sobre o sumiço do Museu do Telefone de São Paulo e muitas pessoas começaram a enviar perguntas sobre a história da telefonia na capital paulista. Isso me levou a pesquisar sobre os primórdios do serviço para contar algumas coisas interessantes, como quando foi que chegou o serviço telefônico e onde ficava a primeira central telefônica de São Paulo.
O PRIMEIRO “ALÔ”
A telefonia deu as caras na Cidade de São Paulo no já distante ano de 1878. Apenas um ano depois da chegada oficial no Brasil, em 1877, quando foi instalada aquela que era a primeira linha do país no então Palácio Imperial de São Cristóvão, na Quinta da Boa Vista, hoje Museu Nacional, no Rio de Janeiro.
O acontecimento na capital paulista, como qualquer grande novidade que chegava por essas bandas, foi bastante comentado e divulgado pela imprensa da época, como essa nota abaixo publicada no extinto jornal Diário de S.Paulo em 18 de agosto de 1878:
A nota até parece um tanto quanto fantástica, afinal Leon Rodde era anunciado como agente do “Grande Mágico da Corte”*¹ algo que hoje soa um tanto quanto surreal, mas que explicarei na nota ao final deste artigo. No dia do experimento ele e seu amigo Morris Kohn*² fizeram as demonstrações e a primeira ligação telefônica da cidade – ainda que experimental, fato que causou grande burburinho na então pequena São Paulo.
Entretanto o telefone não estreou aqui em São Paulo imediatamente após o teste. A cidade ainda não possuía uma série de coisas necessárias para o serviço inaugurar, tanto da parte técnica quanto jurídica. A telefonia ainda não tinha central, postes, cabeamentos e o principal: a concessão pública.
Como o Brasil não é um país onde se vence fácil a burocracia, a partir de 1878 houve uma verdadeira batalha de empresas interessadas em ganhar a concessão de explorar a telefonia não só na capital paulista como em diversas regiões do Brasil, e o serviço só chegaria em São Paulo em 7 de janeiro 1884. Abaixo você confere os primeiros assinantes:
DEU UMA BAITA CONFUSÃO!
Conforme já dissemos acima ocorreu uma verdadeira corrida pelas concessões para explorar o serviço de telefonia Brasil afora (São Paulo incluso) e o resultado foi uma grande confusão. Era empresa de um lado anunciando que era a concessionária, sendo contestada por outra. E no caso da lista acima da Companhia de Telegraphos Urbanos não foi diferente.
Imediatamente após a publicação da lista de assinantes acima outro concessionário surgiu e protestou, alegando que era dele o direito de instalar telefones na capital e que eles mesmo já haviam ligado também pouco mais de uma dezena de linhas. Era a empresa Álvares, Pereira & Cia.
O cenário estava aberto para uma longa batalha nos tribunais, entretanto o desfecho foi concluído em apenas três dias. Foi o tempo em que as duas empresas precisaram para se reunir e verificar quem de fato tinha direito de explorar a concessão e a vencedora foi a Companhia de Telegraphos Urbanos. A mesma com isso assumiu as linhas já instaladas pelo agora ex-concorrente e em comum acordo divulgaram duas notas no extinto jornal Correio Paulistano, em 10 de janeiro de 1884, explicando como ficaria a partir dai a operação na cidade.
As duas notas você confere aqui (clique para ampliar):
Neste mesmo jornal, aliás, foi publicada a nova lista definitiva dos primeiros assinantes de São Paulo, com os 22 clientes da primeira companhia e os clientes da empresa que foi absorvida. A lista é esta a seguir:
Com essa confusão resolvida dava-se os primeiros passos para que o serviço de telefonia em São Paulo pudesse ser realmente adotado em larga escala, livre de amarras burocráticas e de eventuais brigas judiciais. Isso permitiu que muitos novos interessados contratassem o serviço que já no mês seguinte, fevereiro, dobrou para 70 assinantes. Número esse que nunca mais parou de crescer.
A assinatura de telefone não era barata, custava 120$000 (cento e vinte mil réis) e o serviço inicialmente só operava durante o dia. Porém apesar de inicialmente ser algo mais de elite, era uma revolução nos costumes da cidade.
Mas agora que você já sabe quando o telefone começou a funcionar em São Paulo já parou pensar onde estava localizada a primeira central telefônica da cidade ?
A PRIMEIRA CENTRAL TELEFÔNICA DE SÃO PAULO:
A primeira central telefônica de fato, era bem pequena, quase rudimentar, e funcionava no próprio escritório da Companhia de Telegraphos Urbanos instalada à Rua Direita, no Largo da Sé. Alguns anos depois, em 1890, a empresa precisou ir para um escritório maior e mudou-se para poucos metros adiante na Rua Santa Tereza.
Entretanto como o serviço de telefonia se popularizava dia após dia eles logo precisaram de um endereço mais amplo que acomodasse adequadamente a central telefônica, os escritórios, as oficinas de manutenção e, claro, as telefonistas. Foi ai que a empresa mudou-se para outro endereço: a Rua Benjamin Constant 44 (atual 174). Ali foi instalada a primeira grande central telefônica de São Paulo.
A fotografia abaixo, do ano de 1919, mostra a torre de distribuição da central telefônica. É possível ver os fios saindo da central irradiando para todos lados em direção aos postes localizados nas ruas próximas. Nessa época a empresa já estava com seu novo e definitivo nome: Companhia Telephonica do Estado de S. Paulo (no futuro a Telesp).
A fotografia foi tirada de um terreno vizinho e mostra a sede da companhia telefônica de lado. A construção à direita na foto é a frente do edifício, onde funcionavam todos os serviços da empresa citados anteriormente (manutenção, telefonistas, etc…).
A fiação aérea aos olhos de hoje parece bem estranha e tem um aspecto de que era tudo muito frágil, pois os próprios terminais e pares telefônicos ficavam meio que “no tempo” lá no alto da torre. De acordo com as informações que obtive o sistema permaneceu assim até o final da década de 1920 quando finalmente a central foi modificada e o sistema foi “enterrado” passando a funcionar por baixo das calçadas da região central da cidade.
Durante o século XX este local acima sofreu muitas mudanças e é completamente diferente da fotografia acima. Atualmente a Benjamin Constant é uma rua repleta de edifícios, agitada e até um tanto quanto caótica. A própria companhia telefônica cresceu e transferiu sua sede para o centro novo, na Rua 7 de Abril onde ali passaram a operar a grande maioria de seus serviços (muitos deles ativos até poucos anos atrás), contudo o velho prédio da Rua Benjamin Constant jamais deixaria de funcionar como uma central telefônica, atividade que é exercida ali até os dias atuais.
A CENTRAL ATUALMENTE:
A fotografia abaixo mostra um edifício comercial comum, bem mal cuidado diga-se de passagem, mas que abriga um pedaço importante da história de São Paulo, afinal a anteriormente mencionada central telefônica – a primeira oficial da cidade – está ali até hoje.
Apesar da total ausência de identificação seja no portão ou mesmo na fachada, os olhares de paulistanos mais atentos podem logo perceber que trata-se de um edifício ligado à telefonia por duas razões bem simples:
A primeira é o fato que durante todo o dia há um grande entre e sai de técnicos da operadora Vivo que se dirigem a este edifício para resolver os mais diversos problemas ligados à telefonia fixa da região central. Já a segunda é uma dica discreta presente no portão azul que serve de entrada para o imóvel. Observem abaixo:
Trata-se, portanto, de um importante endereço histórico de São Paulo que existe e funciona com a mesma função por mais de um século. Carece o local de alguma identificação que faça lembrança a tão grande relevância para a história não apenas da cidade, mas das comunicações no Brasil. Também carece de ao menos uma limpeza da fachada do edifício por parte da Telefônica-Vivo, grupo espanhol que lucra uma grande fortuna no território nacional mas que é incapaz de manter nem mesmo seu museu em pleno funcionamento.
NOTAS:
*1 – Leon Rodde – Era dono de uma curiosa loja no centro de Rio de Janeiro chamada “O Grande Mágico” onde vendia muitas curiosidades e novidades vindas da Europa e Estados Unidos, entre elas aparelhos telefônicos, câmeras fotográficas e fonógrafos.
*2 – Morris Kohn que participou da primeira apresentação de uma aparelho telefônico em São Paulo, juntamente com Leon Rodde, foi também o responsável pela primeira ligação interurbana do Brasil, quando conectou através dos fios telegráficos a estação da Cia Paulista de Estradas de Ferro, em Campinas, com a Estação da Luz em São Paulo.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
A Paisagem Paulista à época do Telefone – 1984 – Vários autores – Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
O Álbum de Afonso – Carlos A.C. Lemos – Edições Pinacoteca – 2001
Agenda Telefônica 2001 – 125 anos do Telefone (1876-2001) – Telefonica Brasil
Diário de S.Paulo – Edição 3792 – 18/8/1878 pp 2
Correio Paulistano – Edição 8218 – 7/1/1884 pp 3
Correio Paulistano – Edição 8220 – 10/1/1884 pp 2, 3
Respostas de 6
Muito legal essa história. Tem até um xará meu anexado da segunda companhia. “Pedro Jorge” ☎️
Excelente matéria. Interessantíssima.
Minha Mãe fez parte dessa Historia e trabalhou mais de 25 anos na Telesp. Se aposentou em 1993 e tambem tive o privilégio de conhecer o interior do Prédio da Rua 7 de Abril no Centro de Sao Paulo. Parabéns pela matéria…..
Pesquisa muito interessante! Caberia com certeza uma daquelas placas de que recentemente começaram a identificar pontos históricos da cidade. No térreo do número 200 (o prédio “sem janelas”) funcionou uma loja da Telesp (posteriormente Telefônica) e acredito que os pavimentos superiores também eram utilizados para os sistemas de telefonia.
Boa noite trabalho na Telefônica (Vivo ) sou técnico em telecomunicações,esse predio é ativo ainda muitos links passa para outras centrais de são Paulo , por dentro o prédio e grande várias salas e pavimentos , tem uma história que rola entre os técnicos que lá era um antigo hospital não sei qual década tanto que as escadas corrimões banheiro e paredes parece de um hospital tipo da década de 20 e 30 , é meio assombrado lá kk não sei se é vdd mas lá um lugar que tem uma energia estranha .
Pelo volume do edificio, nao me parece mais adequada a uma Central Tandem ( Trafego interurbano ), como originalmente concebido. Possivelmente apenas uma Central Local Class 5 ( Trafego Local ), e alguns equipamentos para agregar fiacao, haja visto que o espaco no Centro para planta externa e limitado.
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Alias, com a Telefonica Digital Comutada com seus dias contados em detrimento da Telefonia IP, eu nao me supreenderia que este edificio eventualmente venha a ser decomissionado. O que nao tira a sua utilidade e beleza arquitetonica.
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O que me surpreende e a 7 de Abril estar disponivel, e nao esta. Apesar do equipamento colocado de telefonia ter side encolhido consideravelmente ( um no de rede ou Central, ocupava, ate 25 anos atras, com equipamento moderno, o comprimento de um salao de festas de condominio, quando agora, uma caixa do tamanho de um refrigerador frigobar da conta do mesmo volume de trafego hoje em dia ).
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