Edifício Teatral Guglielmo Oberdan

Durante este delicado período de quarentena tenho aproveitado alguns momentos livres para organizar toda a biblioteca de imagens do São Paulo Antiga, especialmente no que se diz respeito a fotografias que registrei e por algum motivo esqueci de anotar o endereço.

Hoje em dia ao fotografar pelo celular ou mesmo pela câmera fotográfica acabamos por ter a localização salva automaticamente (ao menos no meu caso) graças ao GPS, mas quando fiz as fotos deste imóvel que apresento aqui neste artigo – clicadas em 2008 – este serviço ainda não era algo que se tinha em mãos a todo momento.

Eu sempre andava com um caderninho bolso – que aliás tenho até hoje – mas neste dia específico que fotografei este imóvel eu o esqueci em casa e por isso nunca lembrei onde tirei as fotografias, ficando encostado no servidor. Felizmente agora damos luz a ele:

Clique na foto para ampliar

Está localizado nos números 71 a 75 da Rua Brigadeiro Machado, no Brás, bem próximo à Avenida Rangel Pestana e, desconsiderando o estado de conservação, repare bem na arquitetura peculiar deste imóvel e notará que é um tanto quanto incomum. O que teria sido este lugar tão estranho ?

Graças a colaboração de vários leitores conseguimos ir mais a fundo de modo a descobrir o nome do local e também como sua fachada era originalmente e o que parecia ser uma construção um tanto quanto misteriosa era bem mais normal do que se imaginava.

Fonte: Processo CONDEPHAAT 21324/1980

Construído na primeira metade dos século 20, o lugar abrigou por décadas o Edifício Teatral Guglielmo Obderdan, que além de servir de palco para o teatro amador, oferecia cursos de alfabetização de operários e também dispunha de informativos sobre acontecimentos nacionais e internacionais, servindo como núcleo de comunicação. Resumindo funcionava como uma sólida base de apoio a trabalhadores, seus familiares e interessados em geral.

Fonte: Processo CONDEPHAAT 21324/1980

Originalmente construído para abrigar um templo maçônico, o imóvel posteriormente foi adquirido pela Sociedade Italiana de Mútuo Socorro Guglielmo Oberdan. O passado relacionado à maçonaria explica bem a fachada com colunas junto à entrada e o pelicano no frontispício.

O imóvel permaneceu sem grandes alterações até meados da década de 1970, preservando seu amplo salão. O estudo de tombamento do local surge em 1980 quando o local já começa a apresentar sinais de deterioração e seu proprietário, Mario Farina, havia transformado o antigo teatro em uma moradia coletiva similar a um cortiço.

O imóvel em 1987 após o incêndio e o desabamento do telhado

Inicia-se então um longo embate entre o proprietário do imóvel e o CONDEPHAAT onde o proprietário tenta por diversas vezes interromper o processo de tombamento, que é mantido.

A partir daí ocorre uma demolição irregular de parte do prédio, que acaba por desabar e vitimar um transeunte que veio a óbito. Até que finalmente um incêndio acaba por destruir seu telhado em 1985 e deixou o prédio consideravelmente destruído, a ponto de ser irrecuperável.

Criança brinca junto aos escombros do teatro (clique para ampliar)

Após o ocorrido o imóvel segue como espaço de moradia coletiva até meados da década de 1990, quando é desocupado por completo e tem suas portas e janelas emparedadas. A área dos porões por sua vez são abertas e alargadas virando pequenos pontos comerciais.

Em 2008 quando visitamos a área e fotografamos o imóvel (vide a foto que abre o artigo e a imagem abaixo) funcionava um salão de cabeleireiros administrado por imigrantes bolivianos.

Clique na foto para ampliar

O curioso é que as transformações sofridas no imóvel de 1985 para cá deixaram o imóvel com um aspecto um tanto quanto peculiar e o velho teatro passou a chamar a atenção por parecer um templo, o que ele foi realmente em seu princípio. O pelicano seguia lá na fachada como que se observando os ciclos de vida da construção, até que em 2010 tudo veio abaixo dando lugar a um estacionamento e apagando definitivamente um fragmento muito importante do passado do Brás.

É lamentável que isto tenha ocorrido, mas fica claro que a nossa política de tombamento precisa ser revista e modernizada, caso contrário casos trágicos como este continuarão frequentes.

E se você é leitor frequente do São Paulo Antiga então deve ter notado que este nome Guglielmo Oberdan já foi mencionado aqui alguma vezes. Isso porque é o mesmo no dos famoso Cine e Teatro Oberdan, localizado há poucas quadras deste local.

Esse era um irmão menor do famoso Oberdan que mencionei no parágrafo acima, palco de uma terrível tragédia na década de 1930.

Artigo atualizado em 05/05/2020 com a colaboração de diversos leitores.

Bibliografia consultada:

* Processo CONDEPHAAT 21324/1980
* Destombamento, valor cultural e apagamento de memória: estudo de caso do Teatro e da Sede da Sociedade Italiana de Mutuo Socorro Leale Oberdan. – Soares, Carolina Pedro
* Teatro Operário na Cidade de São Paulo – SMC 1980 – Vargas, Maria Thereza
* Mapa do teatro amador da Cidade de São Paulo – ECA USP – link visitado em 04/05/2020

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Respostas de 30

  1. Por acaso vc. se refere ao edifício onde houve o Cine Oberdan que pegou fogo?Ali no Brás, na rua Firmino Whitaker?Foi uma casa de Enxovais Zelo durante muito tempo!

  2. Por acaso alguém teria foto do Teatro Colombo no Largo da Concórdia?Gostaria muito de ver!

  3. Quais seriam as mudanças necessárias nas leis de tombamento? Podemos fazer uma frente efetiva nesse sentido.

  4. Se você  leitor olhar com atenção ao frontispício, notará alguns detalhes…..

    1.Fuligem, possivelmente ou incêndio ou poluição, certamente o último.  Note como a  ação da poluição destruiu a nitidez dos detalhes em alto relevo. A poluição atmosférica em São Paulo, oriunda de onibus e automoveis e insidiosa, e conspira contra a parca beleza que a Cidade ainda conserva.  Me lembro de ter lido, ha alguns anos atrás, como a poluição atmosférica em Atenas, na Grécia, estava destruindo detalhes de coluna em templos, como o Partenon. Chuva ácida destrói mármore, estuco, granito. Que venham os veículos elétricos.  

    2.O pássaro em alto relevo me parece ser uma águia.  A época dourada dos Teatros de Cinema em São Paulo se deu nos anos 20,30,40, quando muitos deles foram erguidos na Capital, e faturaram com audiência cativa. Justamente quando a influência cultural Norte Americana de Hollywood se fazia sentir mais forte do que nunca ( daí talvez, a Águia, um símbolo icônico Americano).  Centro, Mooca, Brás, Lapa, Campos Elíseos, ingressos eram baratos, e um passatempo predileto entre a população, algo que perdurou até os anos 70-80. Jovens, namorados, namoradas, crianças, famílias.

    Na época, quando se erguia uma edificação, havia um orgulho de ostentar detalhes estéticos únicos,  quaisquer  que fossem.  Sejam colunas, detalhes em alto relevo.  

    Nao se vez mais disto, o nome do jogo passou a ser, baixar o custo construtivo, sacrificando estética,  e aumentar o nível de conforto interno. O que e perfeitamente compreensível, porém, assim mesmo….  Em tempos de outrora, poderia se dizer a influência arquitetônica  do edifício, seja pela origem do proprietário, ou de quem o construiu.  Em Campos Elíseos ou mesmo no Bras encontraria se o  padrão Italianato, um Árabe poderia erguer seu prédio com realces de Arquitetura Mourisca,  o Português usaria mais azulejos em sua obra, o Japonês traria seus marceneiros e carpinteiros.  Tudo isto, as vezes, para dizer aos seus compatriotas no novo continente e outros deixados atrás…..” Eu cheguei la e, eis meu castelo feito com minha fortuna”.  

    O mais irônico disso tudo e que, com a morte da riqueza de detalhes que transformam uma construção em algo único ( hoje em dia, tudo pasteurizado ), morreram profissões onde o pedreiro, pintor, o jardineiro, o carpinteiro,  podiam exercer um ofício, até mesmo lucrativo.  Hoje em dia, tudo pré fabricado, homogeneizado.  O mestre de obra deixou de ser mestre e mais um na linha de montagem de construções seriadas e homogeneizadas de hoje.

    Na Zona Leste, haviam muitos Espanhóis, Italianos, e Portugueses que trouxeram do Velho Continente, seus ofícios.  Me lembro de estar com um vovô Espanhol, seu Vivanco,  sua filha, e ele sem seu carro, e ele, já aposentado, em idade avançada, no trajeto, apontando edifícios nos quais havia trabalhado como pedreiro.  Notava-se, com evidência,  em seu apontar aos edifícios  um certo orgulho nos trabalhos que executou.  E  com o fato de poder sustentar filha, a qual abriu negócios, com fartura. Frutos de trabalho braçal.  

    1. Amigo, que venha bicicletas, pois a mineração de lítio etc para baterias é insustentável. Prejudica o meio ambiente tão ferozmente como o motor a combustão.

  5. Boa noite a todos.

    Quando olhei o pássaro na fachada lembrei logo de cara do Pelicano bicando o próprio peito para alimentar os seus filhotes famintos . Para os Maçons representa o “SÍMBOLO DE AMOR E SACRIFÍCIO”.

    “No simbolismo maçônico, o Pelicano é o emblema mais característico da caridade. É como tirar de suas entranhas o alimento de seus filhotes. Muitos vêem no Pelicano o mais lindo símbolo do amor materno.”

    Fonte: https://maconsprogressistasdobrasil.org/curiosidade-qual-o-significado-do-pelicano-para-a-maconaria/

    As colunas reforçam a imagem de que este prédio provavelmente foi um Templo Maçônico onde se reuniam em uma Loja Maçônica e/ou pertencia aos Maçons, em algum momento entre sua construção e nosso tempo atual.

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    Para maiores fontes de consulta cito abaixo para interessados o endereço para encontrar um arquivo em PDF no qual aparece a história e mais fotos deste belo Teatro:

    Fonte: https://even3.blob.core.windows.net/processos/ee7576dfe47e47d48aa4.pdf

    “DESTOMBAMENTO, VALOR CULTURAL E APAGAMENTO DE MEMÓRIA: ESTUDO DE CASO DO TEATRO E DA SEDE DA SOCIEDADE ITALIANA DE MUTUO SOCORRO LEALE OBERDAN.”

    AUTORA: CAROLINA PEDRO SOARES (carollsoares@gmail.com) – Mestranda no programa de Pós Graduação em História da Universidade Estadual de Campinas, orientada pela Prof a. Dra. Cristina Meneguello.

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    Muito obrigado e espero ter ajudado de alguma forma. Abraço.

  6. Oberdan não é um nome de um antigo Cine-Teatro de esquina que sofreu uma tragédia nos anos 30?
    Puxa… parece que teatros com esse nome são “marcados”…

  7. Uma informação, quando um prédio é Tombado, quais os direitos e vantagens e quais as obrigações e desvantagens para os propietarios,obrigada

  8. Olá, interessante a reportagem. Chamou-me a atenção que, no lugar do pelicano fotografado em 2008, me parecia haver ali uma caveira com ossos cruzados nas fotos de datas anteriores.

  9. Delícia, esta leitura, esta História Paulistana, que nossos livros de historia nao contam.

  10. NÃO CREIO SER ISSO, TENHO DÚVIDAS, HA 75 ANIS FREQUENTAVA O CINE OBERDAN NA RUA DO gasômetro OU ESTOU ENGANADO DE NOME?

  11. O imóvel chegou a essa situação atual provavelmente, por interesses imobiliários do proprietário.

  12. Será que o nome Otto Baumgarten já foi citado no São Paulo Antiga? Tem muita relevância para zona norte de São Paulo.

  13. É inacreditável! E o dono da “peluqueria” ainda teve a pachorra/indecência de pintar de azul, sem quê nem pra quê, até mais acima de seu salão. Patético e deprimente. Além de ridículo.

  14. Sou morador dos arredores e, infelizmente acompanho a deterioração do entorno desse imóvel. a citada Rua Brigadeiro Machado atualmente, serve como uma mini cracolandia, com uso de entorpecentes 24 horas por dia, além dos inúmeros estacionamentos. Sem prejuízo, cito a enorme deterioração do bairro do Brás, outrora bairro cheio de vida, hoje é apenas um local de comércio. O bairro do Pari, padece também e, logo vai virar apenas um bairro de comércio.

  15. Cara, eu morei pertinho aí, na rua cavalheiro, perto da esquina da Brigadeiro Machado. Que triste que esse prédio veio abaixo, uma tristeza.

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