Quando se fala em obelisco na capital paulista o primeiro que vem a cabeça do paulistano é o do Ibirapuera. Entretanto, a cidade tem alguns outros obeliscos igualmente importantes e hoje falaremos de um deles e também do local onde ele está instalado há 200 anos: o Largo da Memória.
Para contar sua história voltaremos na São Paulo de 1814, quando o governo determinou a construção de uma nova estrada para facilitar a comunicação do interior paulista com a cidade. Tão logo foi incumbido desta função, o engenheiro Daniel Pedro Müller propôs não apenas a criação da estrada, mas também a construção de um largo no alargamento das ladeiras da Palha e do Piques.
A ideia era que juntamente deste largo, também fosse construído um chafariz (algo comum na São Paulo daquela época) e de um obelisco dedicado “a memória do zelo do bem público”. Enquanto o monumento seria um marco para a cidade, por ser o primeiro da cidade, o chafariz serviria não apenas para fornecer água aos moradores no entorno do largo, mas também para que burros e cavalos ao adentrar a cidade pela nova estrada pudessem se reestabelecer da longa jornada.
Uma vez aprovado, Müller contratou para erguer o monumento o pedreiro português Vicente Gomes Pereira. Para esculpir o obelisco, Mestre Vicentinho, como era mais conhecido, optou por pedra de cantaria que é a mais usada para a construção de sólidos geométricos, como os populares paralelepípedos.
Já á agua para o chafariz viria do Tanque Reúno, na atual Praça da Bandeira, segundo a Prefeitura de São Paulo. Entretanto, segundo o extinto jornal Correio Paulistano, em 1872 o local era abastecido pelo Tanque do Bixiga, que existe até hoje na rua 13 de maio.
Durante todo o século 19 é possível encontrar reclamações sobre o funcionamento do chafariz, especialmente em relação aos encanamentos que eram precários e alvos de constante manutenção. Mesmo assim, atendeu a população paulistana e viajantes com seus animais por décadas, até que em 1872 o chafariz foi removido do local e transferido para as proximidades da Estação da Luz.
O fato se devia ao sistema ferroviário mudar o eixo de transporte da cidade. Diminui-se gradativamente o transporte com burros e cavalos à medida que os trens passam a ser os protagonistas do transporte tanto vindo do interior como do litoral. Sem o chafariz, o Largo da Memória perde bastante de sua relevância.
Este ostracismo só seria encerrado no século 20, precisamente em 1917, quando para as comemorações do 1° Centenário da Independência do Brasil, decidiu-se fazer um concurso público para a construção de um novo chafariz e a reforma do Largo da Memória.
Seriam vencedores deste concurso o arquiteto Victor Dubugras e o desenhista José Wasth Rodrigues, cujo projeto de reforma trazia um novo chafariz com pórtico de azulejos onde a ilustração exibia uma cena do antigo largo. Além disso, completavam a obra uma nova escadaria feita em pedra e azulejos decorativos azuis com o brasão da cidade, que também foi escolhido por concurso público, que foi vencido também por Wasth Rodrigues em conjunto com o poeta Guilherme de Almeida, no mesmo ano de 1917.
As obras teriam inicio em 1919 e seriam concluídas a tempo da celebração do centenário da Independência do Brasil, em 1922. É importante salientar que os estilo arquitetônico do Largo da Memória e seu chafariz é o mesmo encontrado em muitas das obras que foram feitas no Caminho do Mar pelo mesmo Dubugras.
Reinaugurado com bastante pompa o marco voltou a ser um dos principais monumentos da cidade do lado do chamado “centro novo” por muitos anos, até que em meados dos anos 80 iniciou-se um processo de degradação que acompanhou o monumento até os dias atuais.
O Largo da Memória e o Obelisco do Piques hoje:
Por anos a fio o local foi considerado um dos pontos mais perigosos e abandonados da região. Apesar de ser um ponto turístico importante da capital paulista, estava constamente imundo, cheirando a urina e ocupado por toda a sorte de malandros, além de servir à noite de abrigo para moradores de rua.
Em 2014, ano que no dia 18 de outubro o monumento celebrou 200 anos de existência, a Prefeitura do Município de São Paulo, através de seu Departamento de Patrimônio Histórico (DPH) decidiu restaurar a obra. Segundo Mariana Falqueiro, chefe da Seção de Monumentos do DPH, a idéia da restauração abrange desde a reativação do chafariz através da captação de águas fluviais até a restauração dos azulejos de 1922, já que muitos deles estão pichados.
É um grande presente para a cidade a restauração dos monumentos públicos paulistanos. São Paulo é dotada de belos e importantes monumentos mas boa parte deles estão em situação de completo abandono, que se arrasta por várias administrações ao longo dos últimos anos e que não podemos atribuir a atual gestão.
Nos últimos anos através de nossas reportagens, conseguimos importantes progressos na revitalização de monumentos, como a Fonte Monumental na Praça Júlio Mesquita e o Monumento Armênio, na Avenida Tiradentes. Mas ainda é preciso recuperar o chafariz do Vale do Anhangabau, sempre desligado e o entorno do Túnel 9 de Julho.
Tenho muita confiança de que em um futuro próximo teremos todos os monumentos de São Paulo recuperados a altura da grandeza de nossa cidade.
Veja mais fotos do Largo da Memória (clique na foto para ampliar):
Reportagem da TV Gazeta em 30/10/2014 com participação de Douglas Nascimento:
Respostas de 33
Excelente pesquisa Douglas, pena que este monumento
como tantos outros no Brasil é alvo dos pichadores…
É aquela coisa: São Paulo,há várias décadas,é vista como uma cidade para se ganhar dinheiro e nada mais.Não há um amor de retribuição para esta cidade,as pessoas,sem cliché,andam apressadas,com suas próprias preocupações, e nem notam tantas e tantas belezas,tesouros mesmo,que temos por aqui.”São Paulo não pode parar”,já disse alguém.Nós temos um amor incondicional por São Paulo,mas o seu crescimento desordenado(sem cliché!),com esse amontoado de gente,entre outras coisas,faz com que bairros,monumentos,praças e edifícios sejam total ou parcialmente ignorados pelos habitantes(não é o meu caso,com certeza!!!!).
Apenas para acrescentar uma informação. Na Ladeira da Memória, onde são hoje as escadas rolantes do metrô, haviam inúmeras oficinas de cerzideiras, Elas faziam o cerzido invisível nas meias de nylon. Hoje as meias são descartáveis e imagino que a maioria dos jovens jamais tenha ouvido fazer em cerzir.
Que interessante isso Marcus!
Marcus, distante de minha cidade há mais de cinqüenta anos, eu nem imaginava que ali hoje ficassem as escadarias do Metro.
Realmente, os jovens talvez nem saibam o que é cerzir e também nem devem ter visto um ovo de cerzir a mão.
Cerzir eu conheço, só não sabia que cerziam meias de nylon mais um conhecimento!
Que cidade linda, tantas lembranças, pena que muitos nao respeitam , nao curtem tantas lembranças lindas
Parabéns ao site e ao pesquisador Sr Douglas Nascimento, sou leitor assíduo de seu site, como citado tudo é descartável hoje em dia…, ter pressa é comum é um clichê e se vive muito na banalidade, nosso povo foi acostumado, ou melhor mau acostumado a não ter interesse pelo que é belo, o que é foi construído para ser admirado e não simplesmente funcional, não se tem interesse pela história pelo passado, pela origem, agora pensem se os Italianos, os franceses e tantos outros povos que conservam a sua história através de seus monumentos e construções tivessem a mesma concepção de nos os Brasileiros …. provavelmente no lugar do coliseu, haveria um conjunto residencial, no lugar do arco do triunfo talvez um prédio de escritórios, ou um estacionamento!!!. Parabéns mais uma vez para minoria que tenta preservar, mostrar o que é belo e uma enorme vaia para quem suja, destrói, emporcalha o nosso pouco restante, e mau cuidado patrimônio histórico
Luiz Assis, bom dia!
Gostei muito dos seus comentários, mas apreciei mais as vaias.
Ola meu caro Carlos tudo bem?
Infelizmente a nossa balança pesa mais para o lado das vaias do que para as felicitações… Nunca fui a SP mas fico profundamente indignado e triste quando um casarão é demolido, quando vejo estes belos monumentos tão mau tratados, pichados entre outras atrocidades que se faz com o patrimônio histórico, mas tenho esperança que com trabalhos como os deste site, mais e mais pessoas se interessem por esta causa, despertem que o “preservar” é importante, esperamos que um dia possamos nos orgulhar dos parabéns ao invés de abaixarmos nossas cabeças diante da vaia, mas já estamos no caminho, por exemplo este belo e importante monumento será restaurado segundo esta reportagem, a obrigação do povo envolvido é de cobrar para que seja executada a restauração, sds e grato por ler meu comentário!
Simplesmente sensacional. Um marco histórico que aos trancos e barrancos resistiu. Excelente material. Parabéns!!!
O Largo da Memória com seu chafariz fica hoje meio escondido ao lado da Estação Anhangabaú do Metrô. Certo?
Certíssimo.
Douglas, embora sempre comente a excelência, a importância e o valor de seu trabalho de observação, pesquisa e divulgação de nosso patrimônio histórico, é sempre muito pouco, diante do muito que você tem feito por nossa já parca memória cultural.
Gostaria de tecer os meus comentários críticos sobre o vandalismo crescente que vem tomando conta do povo brasileiro, mas as minhas soluções são muito radiciais e este local não é o mais apropriado.
Abraços e meus cumprimentos.
Ola Carlos, gostei do croniquetas!!
Boa tarde, Luiz! Eu costumava manter o sítio croniquetas com atualizações diárias, mas as obrigações vão mais tomando tempo e os prazeres acabam relegados a segundo plano. Agradeço a visita e o comentário. Abraços!
Boa tarde Carlos, seu sítio já esta nos meus favoritos, quando postar mais novidades vou ler!! Abraço amigo!!
Gostei muito de ler essa matéria. Amei as fotos e a história!
Sempre pedalando pela cidade, já fui nesse Obelisco de bicicleta… a prefeitura estava lavando o local o dia que fui pessoalmente (22-10-2014), notei as pichações…
Tem produtos que conseguem remover aquelas pichações, sem tirar os desenhos dos azulejos?
Existe ligação entre esses azulejos do obelisco de São Paulo (http://www.joaozinhomenininho.blogspot.com.br/2014/10/brasil-sao-paulo-22km.html)
com os azulejos que vi na Estrada Velha de Santos
(http://joaozinhomenininho.blogspot.com.br/2014/04/brasil-estrada-velha-de-santos-caminho.html)?
Interessante, por que quando há passeios guiados “city tour” no centro histórico, nenhum guia turístico
cita esse importante monumento?
Com admiração pelo ótimo resultado do seu trabalho jornalístico,
Cicloabraços
Joãozinho
Além do vandalismo, que acontece em diversos locais pela cidade, o problema do Largo da Memória é o estado geral do Centro. Hoje esse monumento (assim como outros) vai ser reformado, mas do jeito que está o seu uso, o local vai muito provavelmente voltar a ser desqualificado.
Vejamos: o Largo está voltado para um “fundo”, uma “quina” do Vale do Anhangabaú. Nada relevante, em termos de usufruto público. Tem até uma nesga de terreno não edificado, em frente. Depois, a escada rolante do metrô ganha em conforto e velocidade da escada em degraus do Largo. O Largo está “esmagado”, de costas para onde circula a maioria dos pedestres, que é na Xavier de Toledo. Aí, as condições não ajudam…
Como o Largo da Memória, há diversos locais “da nossa memória” q estão em desuso, ou esmagados, ou escondidos, etc., precisando de requalificação.
E, por outro lado, há locais reformados, com uso intenso, que estão “desmemoriados”, perdidos no tempo e no espaço, como o Largo da Batata. Lá não se vê batata…
Enfim, as cidades são desafios enormes.
Parabéns à reforma. É um passo.
E meus votos para a requalificação e para a recuperação da memória da cidade.
Olha, sou paulistano e tenho quase 40 anos nos costados, e já vi muitos projetos de revitalização do Largo da Memória, que não saíram do papel. Revitalizá-lo sem revitalizar o seu entorno, e o centro como um todo, é dinheiro jogado fora e trampolim para político picareta se eleger depois.
Esse monumento é lindo e cheio de história mas o que mais me encanta (e mostra o quão antigo ele é) é a árvore que fica a sua direita (esquerda de quem olha de frente)… a um tempo atrás ela estava presa por uma corrente chumbada no muro atrás (acredito que para não tombar) e ficou tanto tempo acorrentada que tratou de “engolir” a corrente. Nos dias de hoje, essa corrente foi cortada, mas a parte “engolida” pela árvore, ainda esta lá.
E esta estrada citada? Qual seria e onde estaria hoje?
Fernando, é a Rua da Consolação, que juntamente com a Rebouças e a Eusébio Matoso fazem parte de um antigo caminho indígena rumo ao interior do estado, vale ressaltar que a cidade de São Paulo àquela época era constituída basicamente pela região central e era um entreposto de tropeiros, os caminhoneiros daquele tempo.
Passei por la semana passada e resolvi pesquisar sobre o local, mega interessante a historia, e triste ver q estar abandonado! mas parabens aos que tem iniciativa e esperança de salvar os nossos monumentos que agonizam!
Parabéns!
Excelente matéria e comentários.
Creio que seja a Rua da Consolação, Fernando, que juntamente com a Avenida Rebouças faziam a trilha de quem iria montado em burros rumo ao oeste do estado.
Trabalhei próximo dali, lembro que a Ladeira foi usada pra um filme nacional, só nao sei o nome , década de 60.
Excelente matéria! Somos todos gratos pela pesquisa e apresentação da história de um pedaço de S.Paulo.
E por que Largo do Piques?
Era o sobrenome de alguém?
Pois conheci um homem de sobrenome Piques, o pai deste homem era de Bertioga, faleceu ha muitos anos e tem seu nome batizando uma das ruas da cidade.
Pique, um tipo de lança usada em combate até o fim do século XVIII. O obelisco parece a ponta de uma, no artigo, está explicitado.
Olá, Douglas !!!
V poderia me elucidar a origem do termo Piques??? Passo sempre sob a Passarela do Piques, pesquisei mas não achei nada ….
Dos monumentos mais antigos da cidade, o Obelisco do Piques no Largo da Memória é parte do pouco que restou da cidade colonial, e verdadeira preciosidade.
Já o equipamento projetado por Dubugras já nasceu anacrônico, embora anacrônica fosse a sociedade mandatária da época.
O conjunto todo (arruamento, logradouro, obelisco, equipamento de Dubugras) deve permanecer conservado.
(Celso Lago, Minas Gerais, nascido em 1959 na cidade de São Paulo)