“BRASILEIROS PRODUZINDO VEÍCULOS PARA O BRASIL”
Há algum tempo nasceu uma nova tendência de abandono: a do patrimônio industrial. E este é um tema muito importante e que deve ser estudado com mais profundidade.
É só ir aos chamados bairros operários que podemos observar diversas indústrias do passado fechadas como a usina Leite União no Pari, a empresa de borrachas Orion e Cotonifício Paulista, ambas no bairro do Belém além de algumas filiais das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo espalhadas por toda São Paulo.
Ainda podemos acrescentar as velhas fábricas que foram demolidas sucumbindo à especulação imobiliária, como a antiga sede do Açúcar União, na Mooca.
O patrimônio industrial consiste em valor social, arquitetônico ou patrimonial. A representatividade histórica da indústria para a cidade e o desenvolvimento da sociedade através da sua localização, são pontos essenciais para pedido de tombamento do imóvel.
Um bom exemplo de patrimônio industrial abandonado é a antiga fábrica de automóveis DKW-Vemag. Com um olhar saudoso, os amantes dos motores dois tempos relembram a trajetória dos Candangos, Vemaguetes, Fissores e Belcar, esse último sendo a preferência entre os taxistas da época.
A antiga fábrica foi construída em uma área de 1.091.500 metros quadrados no início da década de 40. Com uma arquitetura audaciosa foi um dos maiores impérios automobilísticos brasileiro até a década de 60.
Localizada no número 1036 da Rua Vemag, bairro de Vila Prudente, às margens do rio Tamanduateí.
Não fica muito distante do famoso Ipiranga, bairro que foi palco de um dos maiores acontecimentos de nossa história: O grito de Dom Pedro I proclamando a Independência do Brasil. Hoje quem grita e esforça-se para ter a história da Vemag preservada são os entusiastas zelosos, representados por vários proprietários de veículos e membros de clubes como o Três Cilindros.
HISTÓRICO
A Vemag iniciou suas atividades em 1945, sendo no início uma distribuidora dos automóveis Studebaker inclusive sendo esta sua razão social. Esta empresa automobilística montava e distribuia para todo Brasil veículos das marcas, Massey Harris, Studebaker, Ferguson, Kenworths e Scania Vabis.
Na década de 50, o Brasil estava passando por diversas transformações políticas tendo como presidente Juscelino Kubitschek com o seu famoso lema “cinqüenta anos em cinco”.
Isso se refletiu na indústria automobilística, pois seu governo criou o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA) e a Vemag foi a primeira fábrica que se beneficiou dos incentivos fiscais para a implantação de empresas de automóveis
O lema da Vemag era: “BRASILEIROS PRODUZINDO VEÍCULOS PARA O BRASIL“. A frase entrou para a história da indústria automotiva nacional, pois em 19 de novembro de 1956 era apresentada ao povo brasileiro a camioneta (ou perua) DKW-Vemag Universal, uma cópia do modelo fabricado pela Auto-Union, na Alemanha.
O Universal foi o primeiro veículo genuinamente nacional pelos parâmetros do GEIA, que não incluiu pequena Romi-Isetta, pois para ser considerado um carro de passeio o carro teria que possuir o mínimo de duas portas e quatro lugares
Em 1958 foram lançados o Jipe DKW-Vemag, posteriormente chamado Candango, o carro de passeio, posteriormente chamado Belcar e uma nova versão da camioneta DKW-Vemag, posteriormente chamada Vemaguet.
Já no ano de 1964, a DKW Vemag faz uma grande inovação: lança um modelo diferenciado e avançado para sua época. O DKW-Vemag Fissore, usando a base mecânica do Belcar mas com carroceria desenhada e desenvolvida na Itália. Seu design inspirou os BMWs do início da década de 70.
Veja fotos da fábrica e linha de produção da Vemag (clique para ampliar):
O FIM
A Vemag teve um papel fundamental na história automobilística brasileira. A fábrica chegou a ter cerca de 3.500 funcionários em 1967, ano que teve suas atividades encerradas.
Na Alemanha em 1964, a Volkswagen comprou da Daimler-Benz metade de suas ações tornando-se um dos proprietários da Auto-Union, gerando uma grande preocupação para a Vemag quanto a renovação da licença para fabricar carros DKW.
A Vemag resolveu reagir fazendo contatos com a Peugeot, Citröen e até mesmo a Fiat, mas nenhuma teve resultado positivo. No ano seguinte a Volkswagen acabou comprando a outra metade das ações tornando-se única proprietária da Auto-Union.
Em novembro de 1966, Lélio de Toledo Piza, presidente da Vemag, declarou a imprensa oficialmente que a Vemag associava-se a Volkswagen do Brasil. Ninguém sabia ainda, mas a Vemag estava partindo para o seu fim.
A Volkswagen do Brasil em setembro de 1967 assume a Vemag e também o compromisso de que não encerraria a produção dos seus automóveis, porém, seguindo uma tendência mundial a empresa alemã retirou do mercado os famosos motores dois tempos.
Após o encerramento da produção de veículos DKW, a empresa alemã continuou com a produção de componentes para abastecimento do mercado de reposição.
A Volkswagen ainda instalou seu departamento de desenvolvimento no antigo parque industrial da Vemag onde foram desenvolvidos alguns de seus futuros veículos: Brasília, Passat e até mesmo a primeira geração do Gol. A Fábrica 2 Volkswagen, como passou a ser conhecida, ocupou as instalações da Rua Vemag até a década de 80.
A DECADÊNCIA DO LOCAL:
Sua instalação atual é o reflexo do descaso do patrimônio industrial brasileiro. A antiga fábrica que tanto brilhou no passado hoje agoniza em meio ao entulho e passa despercebida diante dos olhos da multidão que utiliza diariamente a estação de trem Tamanduateí ou que frequentam o Shopping Central Plaza, este construído justamente em uma grande área do antigo complexo industrial da Vemag.
O que restou da fábrica foi o prédio principal onde residia o complexo administrativo e a linha de montagem. Suas portas e janelas foram emparedadas. Ruínas são uma realidade neste finado espaço automobilístico e futuras instalações da estação Tamanduateí do metrô.
A Vemag é uma herança patrimonial e é o reflexo do descaso público perante o abandono do imóvel.
O que resta é fazer uma viagem ao tempo. Em 2006, em comemoração aos 50 anos do lançamento do primeiro veiculo genuinamente brasileiro, a camioneta Universal DKW-Vemag, os vemagueiros reuniram-se em frente da antiga fábrica e relembraram a trajetória da indústria automobilística que nunca vai ser esquecida, mesmo correndo o risco de ser demolida a qualquer momento.
No sentido ao contrário que acontece no Brasil, a antiga fábrica da Auto Union, atual Audi com sede na Alemanha, cidade de Ingolstad, possui um museu com toda a história da marca, inclusive constando em seu acervo um modelo de fabricação brasileira. Reflexo de um país que sabe preservar e respeitar a memória automobilística.
Veja abaixo fotos atuais da antiga DKW-Vemag (clique na foto para ampliar):
ANEXOS:
1 – Vídeo institucional da fábrica da DKW-Vemag produzido em 1964 pelo cineasta Jean Manzon
2 – Série Especial ˝Patrimônio Abandonado˝
A Rede RIT de Televisão realizou, no final de março, uma série de reportagens com o apoio da equipe do São Paulo Antiga, e uma delas foi justamente sobre a antiga fábrica da DKW. Assistam ao vídeo e confiram a participação da historiadora Glaucia Garcia de Carvalho
3 – Galeria especial: Propagandas publicitárias históricas da DKW-Vemag (clique para ampliar):
Agradecimentos: Daniel Granja e Wlademir Carvalho
Biografia consultada:
- A História da Resolução N.1 do G.E.I.A
Este artigo foi ampliado e revisado em 18 de fevereiro de 2019.