Divulgar um filme, ou mesmo todas as produções de um estúdio cinematográfico de hoje com tanta tecnologia disponível, é bem fácil. Mas como era o merchandising dos estúdios nos anos 1920? Esta década, que foi o auge do cinema mudo, já tinha o domínio das empresas americanas.
Criada em 1924, a Metro Goldwyn Mayer, ou MGM como mais estamos acostumados a chamar, apostava em sua expansão não só nos Estados Unidos mas global, fazendo frente a seus concorrentes, como Fox e Warner. E o que a MGM fez para divulgar sua marca por todo o mundo? Criou um “trem sem trilhos”.

O trackless train como era conhecido nos Estados Unidos, foi a grande aposta do estúdio americano para divulgar seu nome e seus filmes pelo mundo.
Dotado de uma locomotiva e um carro (que alguns equivocadamente chamam de vagão) Pullman, a composição sem trilhos tinha em sua locomotiva pneus de caminhão no lugar das famosas rodas de ferro, dois motores de 90 cavalos cada, freios hidráulicos, sino e apito. Já no carro de passageiros além das poltronas, havia cozinha, bufê, aquecedores, ventilação elétrica, sistema de alto falantes e água corrente fria e quente.
O curioso é que o carro de passageiros também tinha um motor, este por sua vez de 60 cavalos, que permitia que ele andasse separado da locomotiva caso fosse necessário (como em ruas estreitas, por exemplo). E este trem, depois de desfilar pelas ruas das principais cidades dos Estados Unidos, Europa e Austrália, foi preparada para visitar a América do Sul e, é claro, São Paulo:

A vinda do “trem sem trilhos” já era algo bastante aguardado pelos donos de cinema sul-americanos. A sétima arte estava em franca expansão por estes lados e em São Paulo, não era diferente, com a abertura de novas e modernas salas de projeção, como o Cine São Bento.
Esse dia finalmente chegou, no começo de 1927. Por uma questão aparentemente logística o trem da MGM foi levado de navio primeiramente para Buenos Aires. Na capital argentina ficou pouquíssimo tempo, saindo de lá para circular pelo interior do país até chegar em Montevidéu.
Da capital uruguaia o trem embarcou rumo ao Porto de Santos, chegando em terras brasileiras no dia 28 de agosto de 1927.

A partida de Santos para São Paulo deu-se no dia 3 de setembro de 1927 e contou com o apoio de Associação das Estradas de Rodagem de São Paulo, de clubes automobilísticos paulistanos e das autoridades políticas estaduais e municipais.
A passagem do “trem sem trilhos” também serviu por aqui, além de promover os filmes da Metro (como costumavam chamar o estúdio à época) para ser exibido na 5a Exposição de Automobilismo de São Paulo.
A única fotografia conhecia do trem da MGM por aqui na capital paulista é essa a seguir, publicada alguns meses depois na extinta revista Boas Estradas, mas sem detalhes quanto ao local exato:
DE SÃO PAULO A BUENOS AIRES PELAS ESTRADAS:

Após a exibição do “trem sem trilhos” pela capital paulista, a ideia dos executivos da MGM era enviá-lo de volta até a Argentina pelas estradas nacionais, passando por várias cidades do interior de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, até chegar a Buenos Aires.
A intenção era fazer algo similar ao que realizaram nos Estados Unidos, onde o trem saiu de Los Angeles indo até Nova Iorque, porém as estradas do Brasil eram muito ruins, levando-os a novamente usar um navio.
atualização: 21/04/2025:
UM RARO REGISTRO EM ÁGUAS DA PRATA:
E quase oito anos após o artigo ser publicado uma atualização surpreendente. No início de abril de 2025 recebi o comentário de uma leitora do site, Gabriella Mancini, informando de que tinha uma foto do “trem sem trilhos” nos registros familiares e queria enviar para o portal.

A foto, incrível diga-se de passagem, foi registrada na cidade paulista de Águas da Prata durante a passagem do comboio da MGM por aquela cidade. De acordo com Gabriella seu trisavô, Coronel Christiano Osório de Oliveira, era um conhecido empresário da região e tirou a foto para a posteridade. Ele é primeiro homem à direita do que está vestindo terno branco.
Apesar da querida Gabriella não ter muitos detalhes sobre a imagem, ela informa que é no centro de Águas da Prata, diante do São Paulo Hotel, que ainda existe. O “trem sem trilhos” é acompanhado na viagem por um carro de apoio, um automóvel da marca estadunidense Buick.
Bibliografia consultada:
A Cigarra – ano 15, número 308
Correio Paulistano – edição 22818 – pp 6
Correio Paulistano – edição 23020 – pp 4
Correio Paulistano – edição 23026 – pp 7
Correio Paulistano – edição 23027 – pp 9
Revista Automovel-Club – Ano III Nº 32 – Novembro/1927
Revista Boas Estradas – edição 7- ano 1927 – 04/09/2017 – pp 241
O Estado de S.Paulo – 28/08/1927
Agradecimentos:
Ralph Giesbrecht do site Estações Ferroviárias (pela sugestão de pauta)
Professor Carlos Castilho do Clube do Carro Antigo (pela imagem do trem em Santos)
Gabriella Mancini por enviar a incrível foto do Trem sem Trilhos da MGM feita em Águas da Prata
Respostas de 13
Caraca! Genial! Ainda hoje, 90 anos depois, seria uma P. saca de marketing!
Curiosa e criativa iniciativa. Para a época e para uma São Paulo que estava começando a deixar de ser provinciana, deve ter sido um acontecimento e tanto.
Praza Deus que o Governador e os dirigentes da CPTM não leiam este post, porquê, seguramente, como a CPTM para a toda hora, por motivos vários, eles vão querer abraçar esta ideia do “trem sem trilhos” para resolver de uma vez por todas o problema do transporte público em São Paulo.
Muito bacana …parabéns por resgatar historias que jamais saberiamos que um dia existiu.
Impressionante, não fosse o São Paulo Antiga, de Douglas Nascimento, não teria conhecido tal sacada de marketing, bem avançado pra época!
Que legal. Desconhecia esse assunto. Como será que veio de Santos a São Paulo? Terá subido a serra embarcado em um trem de verdade ou terá subido por seus próprios meios, via Caminho do Mar, que era bastante estreita íngreme e sinuosa?
Subiu pela estrada mesmo, com a supervisão das autoridades
Pessoal,
Artigo atualizado com uma imagem – a única que conhecemos até o momento – do trem sem trilhos ainda na cidade de Santos, antes de subir a serra rumo a São Paulo
Senhor Douglas, gostaria de contribuir com uma imagem do acervo da minha família para este artigo. É uma foto do meu trisavô, Cel. Christiano Osório de Oliveira, na passagem do trem da MGM por Águas da Prata (SP), em frente ao Hotel/Cassino São Paulo. É um registro bastante raro, como posso te enviar a imagem?
Que sensacional Gabriella!
Me mande por email: contato@saopauloantiga.com.br ou, se preferir, pelo WhatsApp (11) 94370-7007
Devia (ou deve, não sei se esse trem ainda existe) ser curiosa a engenharia desse trem, com dois motores de 90 cv e um de 60 no vagão de passageiros, queria saber como encaixaram os três motores ali e outra, mesmo dois motores de 90 cv para um veículo desse tamanho devia ser pouco, mas era o que tinha disponível na época.
Na página https://www.facebook.com/groups/sancadeantigamente/ veremos a locomotiva na cidade de São Carlos/SP no ano de 1927……foto raríssima
Atenção: artigo atualizado hoje com uma imagem do trem sem trilhos na cidade paulista de Águas da Prata.