O primeiro prédio da Avenida Paulista

Realizar uma pesquisa não é somente recorrer a fontes primárias ou ao que já foi publicado, seja em jornais, revistas ou livros. A análise apurada de imagens antigas pode ser tão mais reveladora ou instigante do que qualquer outro material e, assim, despertar a curiosidade que nos leva ao aprofundamento do estudo. Ao final o objetivo deve ser reunir todas as fontes de informação e entrelaçá-las para que possamos desvendar ao menos parte da história sobre a qual temos interesse.

Foto 1 – Prédio no final da Avenida Paulista, lado direito (clique para ampliar)

Em uma destas análises, no caso, uma imagem da Avenida Paulista, um prédio nos chamou a atenção, pois não havia qualquer registro anterior de sua existência que tivesse – até onde sabemos – sido estudado ou publicado.

Por ser uma imagem do início da década de 1950 e o prédio já parecer, de certa forma, antigo, mais uma vez, surgiu a pergunta: “qual seria o primeiro prédio da Avenida Paulista?”. Até então se acreditava ser o Edifício Anchieta de 1941.

Tantos foram os desafios e dúvidas que, neste caso, acabei reunindo um grupo de amigos pesquisadores da cidade de São Paulo para que, juntos, desvendássemos o mistério do tal prédio. Além de Douglas Nascimento do Instituto São Paulo Antiga, participaram também Firmiano de Moraes Pinto (bisneto do ex-prefeito paulistano Firmiano Pinto) e Luciana Cotrim do site Série Avenida Paulista. Entre outras coisas, a beleza deste artigo é, sem dúvida, a cooperação entre os estudiosos da história da cidade.

Foto 2 – Nesta imagem com fotomontagem do Conjunto Nacional, o edifício mais antigo aparece circulado de vermelho

Em uma das imagens coletadas, uma fotomontagem do laboratório Boer, com a maquete do que seria o Conjunto Nacional projetado por David Libeskind, ficou ainda mais clara a imagem do tal prédio na Avenida Paulista, esquina com Rua Frei Caneca. Nada, nenhum registro, nenhuma informação que pudesse nos auxiliar apenas esta e outras fotos depois reunidas onde o prédio nunca era o personagem central, mas, sim, um coadjuvante no meio de tantas outras construções.

Foto 3 – Avenida Paulista em 1960, o edifício aparece indicado na seta vermelha (clique para ampliar)

Hoje, nesta mesma esquina, existe o Edifício 2000, projeto de 1975, e cujo autor é Maurício Kogan. O edifício foi inaugurado em julho de 1979 para ser a sede da Sul América Seguros em São Paulo e hoje abriga uma unidade da Universidade Anhembi Morumbi.

Foto 4 – Edifício 2000 é o primeiro da direita para a esquerda (clique para ampliar)

Mas, voltando no tempo, bem antes disso, em 1930, neste endereço existiam três casas, de numeração 37, 39 e 41 (a da esquina) e o registro telefônico da época indica que os números 37 e 39 seriam de Nahar Soubhia (no número 41, neste ano, não consta nenhuma instalação telefônica). Este local, posteriormente, recebeu o número 1972 da Avenida Paulista.

Foto 5 – O edifício em imagem aérea ampliada (clique para ampliar)

Agora, com a numeração mais recente, foi possível seguir algumas pistas e a primeira delas veio através da lista telefônica de 1945.

Neste endereço constavam alguns telefones instalados em apartamentos; a segunda pista foi uma publicação da Revista do Arquivo Municipal de 1939 onde se criticava a numeração confusa de alguns imóveis e citava o prédio da Avenida Paulista 1972 que não tinha numeração na Rua Frei Caneca, onde, em realidade, se localizavam suas garagens, provavelmente térreas.


Mas quem seriam os proprietários dos apartamentos do tal prédio? Seriam os moradores? Neste ponto, uma publicação de 1942 da Delegacia Especializada de Ordem Política e Social (DEOPS) convocando os proprietários de imóveis na cidade de São Paulo traz, textualmente, a chamada, entre outros, do proprietário (no singular) do imóvel localizado na Avenida Paulista 1972.

Foto 6 – Nesta imagem aérea a seta indica o edifício (clique para ampliar)

Por estarmos naquele momento em tempo da guerra deveriam estar sendo convocados  os estrangeiros possuidores de imóveis na cidade. Ou seja, temos um só proprietário e tudo nos levava a crer que os apartamentos, então, seriam todos alugados. Entretanto, não poderíamos contar com uma suposição, mas que logo se tornaria uma certeza.

Diante destas informações que foram sendo conseguidas “a conta-gotas”, restava também saber o ano da construção ou entrega do prédio cujo nome nem tínhamos conhecimento.

Mas as pesquisas continuam, cada vez mais apuradas, cada vez mais “cirúrgicas” e, finalmente, um pequeno e único anúncio de jornal nos revela, talvez, o mais importante ponto: a data de surgimento do prédio!

Anúncio veiculado na imprensa em 04/08/1936

Eis que um anúncio de 4 de agosto de 1936, publicado no Estadão pela empresa C.B.A. – Companhia Brasileira de Administração, nos informa que “… já estão sendo alugados…” – , ou seja, eram novos  os apartamentos do  Prédio Avenida  localizado na Avenida Paulista esquina com Rua Frei Caneca. Uma administradora locando todos os apartamentos de um mesmo prédio que, curiosamente, foi erguido antes de serem permitidos prédios na avenida – o que só ocorreu depois da Lei Municipal 3.571 de 7 de abril de 1937.

Foto 7 – Descritivo da Avenida Paulista e arredores para facilitar a compreensão espacial (clique para ampliar)

Com este anúncio, mais a informação da convocação, podemos afirmar que, realmente, seria uma única pessoa, um único proprietário de todo o prédio; porém, seu nome continua incógnito e os moradores eram das mais diversas origens, como podemos ver ao analisar as listas telefônicas de diferentes épocas e referentes ao prédio, tais como Rinehart, Katz, Epstein, Rothschild, Heskel, Munter, Bernhein, Seidel, Heskel, Freuthal, Bernheim, Marques, Araújo, Garcia, Marques, Ventura, Andrade e Pistoresi.

Detalhe da lista telefônica do ano de 1958

Pelas poucas fotos disponíveis podemos considerar que o prédio tinha sete andares, com seis ou mais apartamentos por andar, alguns com face para a Avenida Paulista e outros para a Rua Frei Caneca.

Ao que parece, as plantas deveriam ser diferentes, pois as unidades das extremidades contavam com um pequeno terraço. O térreo era ocupado por unidades de uso residencial ou comercial, sendo estas até certa época sem numeração específica.

Uma referência é um salão de beleza que lá funcionou entre 1943 e até, pelo menos, 1953. Tratava-se do cabeleireiro “Vicente”, que atendia senhoras e havia tido uma passagem por Paris, como nos indica um de seus anúncios.

Anúncio veiculado no Diário da Noite, edição de 24/08/1949

A foto abaixo foi de suma importância para podermos precisar quase que com total exatidão quando o prédio foi demolido.

Foto: José Moscardi / Divulgação

Sendo bastante observador é possível notar que os tapumes estão pichados com a propaganda da candidatura de André Franco Montoro para deputado federal. Ele veio a ser eleito no pleito legislativo de 1962.

Como o prédio do banco Itaú foi concluído em 1963 e ele ainda está em obras na foto abaixo, é possível concluir que a demolição realmente ocorreu entre 1962 e o início de 1963.

Foto: José Moscardi (clique para ampliar)

Aí está, então, mais um mistério da cidade desvendado, porém, quem sabe, os leitores tenham mais informações sobre o “Primeiro prédio da Paulista”, o que seria uma ótima notícia para a preservação da história da cidade e de sua mais famosa avenida.

Informações complementares:

A Companhia Brasileira de Administração foi fundada em 1931 com o objetivo de administrar imóveis. Seu presidente era o Sr. Erasmo Assumpção Júnior e a diretoria era formada por outros personagens da elite social da época.

Anúncio da Companhia Brasileira de Administração – Julho/1935

Vicente cabeleireiro chegou a fazer um anúncio na revista O Cruzeiro em 1943 informando de sua chegada a São Paulo e de sua passagem por Paris. Num de seus anúncios informa estar vindo acompanhado de outro cabeleireiro do Rio de Janeiro

*1 A lista dos moradores se refere àqueles que possuíam uma linha telefônica na época e seus nomes constavam das listas telefônicas de assinantes e endereços em diferentes épocas. Estas listas eram distribuídas aos assinantes, estavam disponíveis nas lojas da Cia. Telefônica Brasileira e os nomes nelas constantes eram, portanto, públicos.

O Edifício 2000, que substituiu o primeiro edifício da Avenida Paulista em fotografia dos anos 1980.

Bibliografia:

* O Estado de S. Paulo – Edição de 07/09/1936 pp 1
* O Estado de S.Paulo – Edição de 27/07/1979 pp 10
* Revista do Arquivo Municipal – 1939 – Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional
* Correio Paulistano – Edição de 29/05/1938 pp 13
* Correio Paulistano – Edição de 18/10/1942 pp 8
* Diário da Noite – Edição de 29/08/1949 pp 6
*O Cruzeiro – Edição ? – Ano 1943
* Conjunto Nacional – A Conquista da Paulista – Iacocca, Angelo – Ed. Fundação Peirópolis LTDA 1998
* São Paulo – Spala Editora – RJ 1979/92
* Álbum Iconográfico da Avenida Paulista – Lima de Toledo, Benedito – Ed. Ex Libris 1987
* Diversas listas telefônicas antigas
* Rino Levi, Arquitetura e Cidade – Anelli, Renato e Guerra, Abílio – Ed. Romano Guerra 2001

Este texto foi produzido em parceria pelo Instituto São Paulo Antiga e o site Série Avenida Paulista. Não conhece ? Clique aqui para visitar.

Artigo atualizado em 10/07/2020 – Inserção de duas novas fotografias, conteúdo e dados bibliográficos

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Respostas de 37

  1. Parabéns pela interessante matéria. Mais do que a própria pesquisa para a cidade, o empenho de todos para concluir tais informações foram excelentes!!

  2. Belo trabalho! Ele mostra a velocidade incrível com que os imóveis na Paulista surgiam e desapareciam, sem deixar muitos vestígios…

  3. Adoro seu site, sigo você no tumblr, no Insta!! Eu trabalho bem no centro de SP na Rua Boa Vista, e sempre fico admirada ali pensando em todos aqueles prédios possíveis histórias de cada um!
    Obrigada pelo seu trabalho!

  4. Excelente reportagem. Curiosidades interessantes. Gosto muito do canal a aprecio deveras seu trabalho. Podemos fazer várias viagens , através dele . Obrigada !!!

  5. Parabéns pelo grande trabalho investigativo. Tudo isso vai dando prestígio e notoriedade a São Paulo Antiga.

    1. Obrigado. O compromisso em buscar boas fontes, conferir e cruzar informações é a base do trabalho desenvolvido em cada matéria.

  6. Supostamente, o proprietário, ou morador, anterior da casa que ficava na esquina da Paulista x Frei Caneca, onde hoje é o Banco Itaú, foi meu tio avô. Seu nome era Antonio de Moura Mendes e teve, bem depois de ter vindo de Portugal, uma casa bancária. Pelo menos é o que minha avó conta até hoje. Que eu saiba ela esteve lá hospedada quando veio de Portugal para o Brasil, em 1938. Mas aí as datas não batem; ela veio em 1938 com certeza, e se o tal prédio já “estava para alugar” em 1936, talvez a gente esteja falando de locais diferentes. Mas foi perto !

    1. Kemie, o prédio do nosso artigo é o da esquina ao lado contrário do atual banco Itaú, daí sua avó eventualmente não estar errada. Explore mais o assunto com ela. Visite o nosso site parceiro Série Avenida Paulista que pode te ajudar.

  7. Gostei muito da matéria! Sigo no Instagram e adoro as fotos. Aliás, nessa primeira foto é possível ver o Pico do Jaraguá ao fundo, inimaginável nos tempos atuais.

  8. Vignoli, adorei a reportagem!!!!!
    O detalhe da lista telefónica, me levou de volta para minha infância!!!!
    O texto e fotos me possibilitaram visualizar bem a situação do Edifício!!!!
    Parabéns!!!
    Stella Nemer

  9. Fantástico. Que bom termos pessoas envolvidas com a memória da cidade como as que se dedicaram nesta reportagem. Parabéns ao Douglas por manter o site nesta com esta qualidade!

  10. Foi um prazer fazer parte desta pesquisa incrível, desvendando o primeiro prédio da Avenida Paulista que, até então, pensei ser o Edifico Anchieta, de 1941. Obrigada pela parceria.

  11. Texto muito instigante, trás mais registros das constantes mudanças da cidade. Achei curioso, na lista telefônica, dois apartamentos terem o mesmo número de telefone e proprietária, Lucie Katz.

  12. Esplêndido trabalho, sempre soube que o Edifício Anchieta tinha sido o 01 prédio a ser construído na a v. Paulista. , mas com a descoberta do fica sendo o segundo.

    ******tem uma relíquia fixada até hoje na parede do Edifício Anchieta , o telefone antigo onde funcionava o restaurante Atasca do Caetano, seria interessante tirar uma foto

  13. Lembro-me desse prédio na década de 50, quando pratricamente não havia outros prédios ali – alguns, perto do Trianon, estavam em obras, e também o Conjunto Nacional.

  14. No livro Rino Levi Arquitetura e cidade, ed. Romano Guerra, tem uma foto frontal desse edifício. Aparece junto com o edifício vizinho, o banco Itaú.

  15. Lembro-me bem do prédio, pois passava em frente a ele todos os dias, indo para o Colégio São Luiz, onde estudei de 1958 a 1964. Chamava minha atenção o fato de parecer muito velho e deteriorado já em 1958. Não posso precisar o ano de sua demolição.

  16. Sr. Vignoli Nosso condomínio (Cond. Ed. Elizabeth0, é de projeto 1936, concluído em 1938, na Praça Oswaldo Cruz, 34, ao lado do shopoing Paulista. Aqui se diz que é o segundo prédio da Paulista (mas na praça …).

  17. Só para esclarecer, o edifício à direita ao fundo da primeira foto é o Edifício Anchieta. Morei no Anchieta por alguns anos.
    Quanto ao primeiro prédio da Paulista, conheci por fora (passagem diária), mas não sabia que tinha sido o primeiro.
    Adorei a matéria, parabéns e muito obrigado!

  18. Como comentei em 8.12.2021, o Cond. Edifício Elizabeth fica na Praça Oswaldo Cruz, 34, início da Paulista, e aqui se diz que é o 2º edifício da Paulista. Agora me pergunto qual a origem desse comentário aqui dos mais antigos do condomínio. Acrescento que ele também é art-deco, de fachada um tanto similar ao edifício deste artigo, e de construção 1936-38. O responsável técnico pela execução da obra foi o conhecido e conceituado profissional de sua época o Engenheiro Civil Arthur Rangel Christoffel, diretor e responsável técnico da empresa construtora RANGEL CHRISTOFFEL & CIA. LTDA. Outro ponto em comum: também era um edifício destinado à locação de suas unidades; somente em 1954 a proprietária Pérola Byington transformou em condomínio e vendeu suas unidades. Será que este edifício do artigo também poderia ter sido construído pelo mesmo arquiteto e proprietário?

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