No lugar hoje cercado de arranha-céus, que hoje se chama Praça da Bandeira, existiu, outrora, um largo que se chamava “Largo da Memória”, nome este dado pela Câmara Municipal. O povo, porém, passou a chama-lo de Piques.

O Piques era o limite da cidade, do lado de um campo onde havia uma capelinha sob o patrocínio de Nossa Senhora da Consolação. Disso resultou o nome de um bairro, de um cemitério e de uma rua.
Na ladeira, hoje chamada Rua Quirino de Andrade, havia uma porteira e, depois dela, o caminho de Itu ladeado de campos. O Largo do Piques era uma espécie de bacia ou fundo de buraco, por ele passando o riacho Anhangabau (Rio do Diabo).
Ali, sobre o riacho, o governador Lorena*¹ mandara fazer uma pequena ponte, chamada “Ponte do Lorena”, em 1794. Logo abaixo, nas proximidades da atual Praça do Correio, outra ponte fora construída sobre o riacho: a “Ponte do Açu”, Anhangabau de Baixo.
Na parte do então chamado Anhangabau de Cima, o terreno subia para a atual Rua Xavier de Toledo e terminava em um grande barranco, mais tarde chamado de “O Paredão”*².

Em 1814 ocupava o governo de São Paulo o Marquês de São João da Palma, em substituição ao governo de uma junta governativa, formada pelo bispo d. Mateus Pereira, pelo ouvidor dr. Nuno de Locio e pelo chefe de esquadra Miguel de Oliveira Pinto.
Com o fim deste governo provisório acaba também uma terrível seca que assolara a lavoura paulista.O novo governo determinou então que com um material que se achava abandonado nas proximidades da ponte do Lorena (pedras e ferro velhos), o engenheiro militar (mais tarde marechal) Daniel Pedro Muller mandasse levantar um obelisco, como lembrança do término da famosa seca de 1814 e da normalização do governo paulista. São Paulo, nesse ano, deixou de ser governado por uma junta administrativa para ser por um governador.
E assim, em 1814, o obelisco foi inaugurado, sem festa, sem solenidade, sem a presença das autoridades, por um funcionário público que, no meio de meia dúzia de curiosos o entregou a municipalidade.
E o largo, no qual se levantara o obelisco, feito como lembrança, recebeu o nome de Largo da Memória, dado pela Câmara de Vereadores.
O povo, vendo que aquele obelisco lembrava uma ponta de lança furando o espaço, passou a chama-lo de “pique” ao invés de obelisco ou pirâmide. Já o largo, que primitivamente chamava “Largo da Ponte” foi batizado como Largo da Memória. Porém ficou desde cedo conhecido como Largo do Pique, alterado posteriormente para Largo do Piques.
O obelisco foi construído pelo pedreiro Vicente Pereira, em 1814, sob as vistas do engenheiro militar Daniel Muller, e foi reformado e embelezado como está hoje, no governo municipal de Washington Luís, em 1921.

Lembre-se que nesse local houve um mercado de escravos, em tempos idos. Os donos de negros ou mulatos, quando queriam vendê-los os levavam ao Largo do Piques, onde, aos sábados, havia leilões e compra e venda de gente escravizada. O escravo era considerado mercadoria e dava-se a eles o nome de “peça”. Uma peça, duas peças, eram um escravo, dois escravos.
Alguém que quisesse vender ou comprar escravos ia ao mercado de negros do Largo do Piques.
*1 Bernardo José Maria Lorena e Silveira governou São Paulo como interino de 05 de maio de 1786 a 4 de junho de 1788.
*2 Originalmente a Rua Xavier de Toledo era chamada de Rua do Paredão.
*3 Artigo de autoria do jornalista e historiador Assis Cintra e publicado originalmente no jornal A Gazeta, edição especial de 25/01/1954 do IV Centenário da Cidade de São Paulo. Algumas palavras e acentuações foram adaptadas para a gramática atual.
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Respostas de 14
Bom Dia, excelente artigo, aqui no Rio de Janeiro após escavações para realização de grande obra, encontraram o que foi o Cais do Valongo aonde eram desembarcados os escravos e depois conduzidos a um deposito em frente,que ainda existe e que por muito tempo foi utilizado como deposito do Exercito.
Dizem que toda a área no entorno será revitalizada. Aguardamos.
Interessantissimo! Gostei em especial do pedaço de mapa, que nos permite visualizar com exatidão as mudanças que a cidade passou.
Durante muito tempo o Largo do Piques foi uma espécie de porta de entrada da cidade e onde tropeiros vindos de todas as regiões do estado davam de beber às suas mulas, em seu entorno haviam várias hospedarias voltadas para eles, os caminhoneiros daquela época.
Ótimo artigo, como sempre! Parabéns,Douglas!
O obelisco ainda existe? faltou fotos dos dias atuais.
Sandro, claro que existe. Se você ler o artigo até o final verá o link para a segunda matéria, onde mostramos como ele é hoje e como estão as suas condições.
Verdadeira aula de história do Brasil! Belo e triste registro….
A origem do bairro do Bexiga é lá, na hospedaria do Sr.”Bixiga”, não sei o seu nome.Era conhecido por esse apelido por ter um rosto bexiguento, ou seja cheio de “perebas” no rosto?
Douglas parabéns pela matéria de enorme relevância para o povo negro. Esta memória foi estrategicamente ocultada.
Também sou historiador, por gentileza qual é a fonte das imagens?
Muito agradecido!
Obrigado pelos comentários. Os dados bibliográficos constam no último parágrafo.
Amei muito as informações.
saberia dizer a autoria do desenho? é de época ou algo idealizado posteriormente? Grato.
É de um livro antigo que temos aqui no acervo, preciso encontrar para ver o título dele e te passar.
Ótimo artigo! Parabéns, Douglas, também fico no aguardo do título do livro que consta o desenho! Obrigada!