Corria o mês de junho de 1999 quando a Folha de S.Paulo anunciou em primeira mão que o grupo Brasilinvest, do empresário Mário Garnero, juntamente com o grupo americano MGDF (Maharishi Global Development Fund) investiriam cerca de US$ 1,65 bilhão para construir na cidade de São Paulo o que então seria o prédio mais alto do mundo: O Maharishi São Paulo Tower.
O novo arranha-céu paulistano seria um verdadeiro “Colosso de Rodes” paulistano, com 510 metros de altura e 108 andares em uma área construída de nada menos 1,3 milhão de metros quadrados. O complexo teria além de habitações e escritórios, universidade, centro de convenções, teatros, hotéis (no plural mesmo) e diversas outras comodidades, como uma estação de Metrô da linha 1. Também era prevista a construção de uma nova igreja de São Vito, já que a existente teria que ser demolida para dar espaço para o edifício. Os proponentes declararam que a futura torre piramidal iria gerar cerca de 40 mil postos de trabalho, diretos e indiretos.
Na época da divulgação do prédio os três maiores edifícios do mundo em altura eram as Petronas Towers (Malásia, 452 metros), Sears Tower (Chicago – EUA, 442 metros) e o World Trade Center (Nova York – EUA, 416 metros). Seriam todos superados pelo novato brasileiro.
GURU DOS BEATLES
Ao primeiro momento muitos questionaram o porquê do nome “Maharishi” e isso logo foi explicado, já que além de ser o nome do fundo investidor americano era também o nome de seu fundador, o monge hindu Maharishi Mahesh Yogi dono à época de investimentos milionários em mais de 15 países e famoso por ter sido guru dos Beatles na década de 1960. Além do grupo britânico seguiam os ensinamentos do indiano personalidades como Mia Farrow, Beach Boys entre outros.
O assunto logo tomou conta dos noticiários e caiu na boca do povo, afinal mesmo sendo uma cidade de muitos arranha-céus e até então detentora do mais alto edifício do Brasil – Mirante do Vale com 170 metros – a capital paulista nunca foi palco de torres muito altas, tal qual na época se via em diversas cidades dos Estados Unidos que até aquele momento abrigava a maioria dos maiores do mundo.
Para colocar a obra bilionária em execução o projeto teria que passar pela câmara municipal paulistana, afinal o gigante de concreto iria ocupar uma imensa área do bairro do Pari e seriam necessárias inúmeras desapropriações que seriam tocadas pelo grupo empresarial e pela prefeitura, que seria reembolsada pela incorporadora. Mas a desapropriação seria apenas um dos diversos obstáculos que viriam a inviabilizar Maharishi São Paulo Tower.
FORTE REJEIÇÃO
O projeto do novo maior edifício do mundo logo encontrou forte rejeição em praticamente todos os lados que tentou se viabilizar. Ganhou a antipatia em primeiro lugar muitos moradores do bairro paulistano do Pari que não viam com bons olhos aquele verdadeiro monstrengo de concreto. Logo surgiu a discussão de que o arranha-céu iria deixar muitas residência em seus arredores praticamente privados de sol, já que a altura de mais de 500 metros faria sombras enormes, deixando as casas mais frias e úmidas.
Arquitetos e urbanistas logo ficaram contra o projeto cujo estilo arquitetônico era baseado na arquitetura védica e nas escrituras sagradas do hinduísmo, uma religião praticamente desconhecida no país. Outras críticas deste mesmo grupo se davam ao fato de o projeto já ter chegado pronto ao país, sem uma discussão mais ampla de seus impactos no cotidiano e na cultura arquitetônica da cidade, projetada por alguém que desconhecia por completo a realidade urbanística de São Paulo. O então presidente do IAB – Institutos dos Arquitetos do Brasil, Pedro Cury, chegou a dizer em artigo nesta mesma Folha que o edifício parecia uma “nave extraterrestre”.
A TORRE DE PITTA
Se o prédio não em geral não agradou, ao menos um paulistano ficou bastante entusiasmado com a ideia: o então prefeito paulistano Celso Pitta. Sua gestão até hoje classificada como umas das piores de toda a história da cidade estava em sua segunda metade e caminhando para um fim melancólico. Impopular, foi alvo de inúmeras de denúncias de corrupção e improbidades durante seu mandato, cujo ápice seria em 2000 com denúncias feitas pela sua ex-mulher Nicéia Pitta. O novo edifício, apelidado pelo jornalista Mônica Bergamo à época de “Torre de Pitta” seria o factoide perfeito para o prefeito paulistano desviar a atenção dos inúmeros problemas que ele e sua administração enfrentavam.
Contudo foi o próprio Celso Pitta o responsável por enterrar o projeto de Mário Garnero ao decidir não enviar o projeto do Maharishi São Paulo Tower à Câmara Municipal. De acordo com a prefeitura paulistana à época a decisão de não levar o projeto para votação em plenário se dava pelo fato do poder municipal não ter encontrado garantias de que o capital viria o que tornava a operação um grande risco para a cidade, uma vez que só em desapropriações a prefeitura estimava gastar cerca de R$200 milhões. Era o fim do sonho do prédio mais alto do mundo em São Paulo.
Pouco tempo depois da decisão municipal de não levar o projeto em votação, seu idealizador, Mário Garnero, fez duras acusações de pedidos de propinas por parte de advogados que estariam representando alguns vereadores e o prefeito Celso Pitta. Apesar da gravidade das denúncias o fato nunca foi investigado e com a falta de interesse no projeto pelos principais candidatos à sucessão municipal, Paulo Maluf e Marta Suplicy, Garnero também desistiu optando por investimentos imobiliários em outros países.
* Artigo originalmente publicado por Douglas Nascimento na coluna São Paulo Antiga no jornal Folha de S.Paulo em 2/3/2022, republicado com autorização e atualizado com novas informações.