No ano de 2012 a rua Bela Cintra foi vítima de duas demolições bem desagradáveis para os paulistanos, nos casarões que ficavam nos números 755 e 769. Parecia que o destino das belas (e poucas) casas da rua estavam fadadas a desaparecer. Foi neste momento que descobrir esta residência foi uma grata e animadora surpresa.
A história desta casa já ultrapassa os 100 anos. Foi inaugurada em 6 de junho de 1914 após ter seu terreno adquirido por Antônia Funck Osório, viúva e fazendeira de café em Bragança Paulista, juntamente com seu genro, o médico e sanitarista baiano Alfredo Teixeira (foto abaixo). A ideia era mudar-se para a capital paulista em busca de melhores escolas para as três filhas do casal Alfredo e Anna.
Com o falecimento dos moradores, esta casa poderia ter sido mais uma a virar pó na Rua Bela Cintra, mas teve a felicidade de ter proprietários preocupados na preservação da memória urbana e do legado familiar. Herdeiros do primeiro dono da casa, e liderados pelo gastrônomo Leonard Signer E Cruz, não só mantiveram a casa como procuraram restaurá-la aos moldes originais, adaptando-a para o uso comercial. Nascia neste momento, em março de 2013, o Espaço Bela Cintra.
O São Paulo Antiga visitou o espaço e todas as dependências do imóvel. O capricho na restauração em todos os níveis e detalhes é algo admirável. O imóvel não é tombado (há uma atualização a respeito no final deste artigo) e não tem isenção de IPTU, mesmo assim não foram poupados esforços para que a casa recuperasse o vigor e esplendor de 1914.
Habitada até meados de 2012, a casa sempre esteve em excelente estado de conservação o que deixou o trabalho de restauro um pouco mais tranquilo. Abaixo a foto de um dos cômodos do imóvel quando ainda era uma residência.
Conversamos com Leonard, gerente do local. Abaixo, ele responde algumas perguntas sobre a história do imóvel:
ISPA – Qual a origem da casa ? Quem foram seus primeiros moradores ?
Leonard – Dona Antônia Funck Osório, viúva, fazendeira de café em Bragança na virada do século 20, e seu genro, médico e sanitarista baiano, Alfredo Teixeira, casado com sua única filha Anna, resolvem mudar para São Paulo em busca de uma boa educação para suas três filhas (Maria Ida e Alice). Compraram o terreno na Rua Bela Cinta, à época era número 216 (hoje é 954) em cujos fundos descreve-se uma jabuticabeira – que lá continua!
Mandaram construir a casa que foi inaugurada em 6 de junho de 1914 – dia de aniversário da Anna. A casa continua nas mãos das gerações seguintes da mesma família. Pouco depois nasce a quarta filha, Clarice. As quatro estudaram na Escola Normal Caetano de Campos, na Praça da República . Maria e Clarice viriam a ser destacadas professoras.
Maria chegou à direção do Elvira Brandão, colégio da elite à época. Clarice, além de alfabetizar crianças no mesmo Elvira Brandão, durante os 30 anos que lá lecionou, à tarde fazia o mesmo, voluntariamente, no orfanato, além de arranjar fundos para ajudar a dar roupas e brinquedos de Natal para as crianças. Organizava festas no próprio quintal da casa, como Festa da Pipoca, e angariava fundos dos alunos ricos para os do orfanato. Todos participavam das festas que eram muito concorridas e eficazes na arrecadação.
ISPA – Até quando ela serviu de residência ? Após este período ela ficou vazia ou logo foi adaptada para o uso comercial ?
Leonard – Clarice que veio a ser o centro afetivo e fonte de sabedoria da casa, nunca aceitou as ofertas ou ameaças imobiliárias que recebeu e repetia: “nasci nesta casa e aqui quero morrer“. E assim foi até que faleceu em 21 de junho de 2009, rodeada pela família, em sua própria cama. Alunas dela do orfanato, já avós, vinham visitá-la e homenagear no dia de seu aniversário, dia 21 de agosto, e no Natal. Marília, sobrinha da tia Cinha, uma sobrinha neta e a velha e fiel Geralda continuaram morando na casa até 2011 quando veio a falecer. No início de 2012, a casa deixou de ser residência.
ISPA – Quando surgiu a ideia de abrir o Espaço Bela Cintra ?
Leonard – Uma vez que a casa deixou de abrigar moradores, os herdeiros quiseram se manter fieis à memória da longa resistência da tia Cinha e da família para conservar a casa e os felizes momentos que lá vivíamos. Por outro lado, preservar a memória da cidade de São Paulo e o privilégio de ter um jardim ao lado da Avenida Paulista, têm para nós muito mais valor que haver mais um prédio na região: já há tantos… Por isso, buscamos uma forma de tornar a casa produtiva, que gerasse sua própria sustentação com sua preservação e novas funções, continuando a nova geração à sua frente. Sua localização no coração da Paulista e do mundo corporativo sugeriu seu uso para reuniões, treinamentos, lançamentos de produtos, celebrações e similares. Durante o ano de 2012 foi realizada a reforma, vindo o casarão a abrir na nova função em março de 2013.
ISPA – Por fim, quais as dificuldades de se ter um negócio em um imóvel histórico ? E quais as vantagens ?
Leonard – O maior desafio foi restaurar a casa, preservando tudo que poderia ser conservado e incorporado ao novo uso, sem falar nas dificuldades das concessionárias que pouco se interessam em atender um pequeno negócio. Foi um compromisso entre adequar os espaços para uma abordagem corporativa e a conservação da atmosfera do antigo casarão. As vantagens estão ligadas ao privilégio de oferecer um local incomparável, com uma atmosfera tranquila e confortável: uma experiência inesquecível
NOSSA OPINIÃO:
A residência é uma mostra de que São Paulo pode ser uma cidade melhor. Aliar o antigo ao moderno é uma tendência que precisa se perpetuar em nosso cotidiano. Ao invés de se demolir, como foi feito com suas vizinhas em 2012, rever a utilização do espaço, para que o imóvel continue com vida.
Ao entrar no imóvel é incrível como o barulho e a agitação da rua desaparecem. O ar fresco da residência, a tranquilidade dos ambientes e o maravilhoso jardim nos fundos nos faz voltar no tempo e imaginar como devia ser gostoso viver nesta região da cidade em 1914, quando a casa foi inaugurada.
Parabenizamos Leonard Signer E Cruz e sua família por manter vivo este pedaço importante de São Paulo.
ATUALIZAÇÃO – 5/3/2024:
Infelizmente após alguns anos funcionando o Espaço Bela Cintra encerrou suas atividades, ficando algum tempo com as portas fechadas. Posteriormente o imóvel reabriu agora como um restaurante – muito bom por sinal – chamado Quintal da Bela. Após cinco anos de atividades este estabelecimento também fechou, no início de 2023. O imóvel atualmente encontra-se disponível para locação, vide foto abaixo.
ATUALIZAÇÃO – 15/8/2024:
Finalmente fomos informados através de publicação no Diário Oficial do Município de São Paulo que o imóvel foi tombado como patrimônio histórico da cidade. A demora é vergonhosa, mas ao menos saiu a tempo de manter o imóvel preservado em suas características originais.
Galeria fotográfica (clique na miniatura para ampliar):
FOTOS EXTERNAS:
FOTOS INTERNAS:
Respostas de 21
LINDA DEMAIS. MOREI POR 13 ANOS NA MESMA RUA E SEMPRE ESPERAVA PELAS AZALÉIAS FLORIREM. BELA REPORTAGEM.
Maravilha!!!! Que pena que todos os proprietários de belas mansões como essa não fizeram o mesmo na cidade!
Adorei a matéria!
É muito lindo esse casarão e no quintal funciona a escola de Yoga Tibetano (Lótus Urbano) da queridissima Julia Signer
Que surpresa maravilhosa, parabéns aos donos…
Memórias de belezas arquitetônicas que nem sempre resistem ao poder do dinherio.
Maravilha.
Douglas Nascimento. gostaria que você fizesse uma reportagem e fotos da Casa da Dona Yaiá, atualmente um espaço de cultura.
Sempre passo em frente a essa casa e sempre não me canso de admirá-la, assim como fazia com outras duas mais à frente, na mesma rua, e que foram, infelizmente, demolidas. Como gostaria de ter tido dinheiro para comprar uma dessas duas casas, a que ficava em frente ao ponto de ônibus, e restaurá-la para morar nela. Uma pena. Ainda bem que essa ainda está a salvo da feroz especulação imobiliária que atua nessa cidade desumana.
Como seria viver nesta epoca, entre tanta beleza. Talves em futuro distante, vao dizer a mesma coisa a respeito a nossa epoca. Hum, talves tenhamos desfrutados de coisas boas no passado. Quem sabe nao eh?
Encanta-me sempre a sua dedicação e o seu esforço Douglas. Um trabalho de despertar a consciência para a preservação da história, da memória e dos bens que nos deveriam ser caros.
Cumprimento-o novamente, como cumprimento os herdeiros desta belíssima propriedade, por terem se mantido fiéis às lembranças e aos legados de seus ancestrais.
Fôssemos mais, com os meus princípios, com o mesmo respeito e a nossa memória não seria tão vaga, tão possível de ser trocada por mais alguns tostões.
Correção: Fôssemos mais, com os mesmos princípios…
Deveria ter sido maravilhoso ter vivido nesta época ..
Parabéns – herdeiros Da Sra. Antônia Funk Osório por preservarem um pedaço da história maravilhosa desta nossa cidade – S. Paulo!
Lindo! Emociona essa rara dedicação dos herdeiros de um imóvel antigo.
Por muitas vezes passei em frente a esta casa e fiquei me perguntando… O que será ai? Agora já sei. Maravilhoso e audaciosa a vontade de quem quis preserva-la. Parabéns!!!!
Todos admiram sua beleza arquitetônica,mas são poucos os que sabem como é crescer numa casa como essa.Eu tive esse previlégio!Era muito bom fazer biscoito de carinha com a Tia Cinha,brincar na casinha…Agora só resta saudade dessa que outrora foi “a nossa casa”.
Fazer o progresso preservando o antigo é possível.
Vivi lindos e alegres momentos nas festinhas juninas nesta casa …. saudades dos tempos do “Elvira Brandão”
Linda matéria.
Parabéns aos herdeiros pela iniciativa.
parabéns ao herdeiros pela iniciativa de conservar o casarão !
Passei mts domingos nesta casa.
Primas queridas.Sdds daquele tempo.
Parabéns Leonard e Julia.
Passei muitos domingos nesta casa, com as primas queridas! Saudades daquele tempo!
Parabéns Leonard e Julia.