Com tanta tecnologia que vemos hoje, fica até difícil imaginar que contas de consumo sempre existiram e nunca deixaram de ser cobradas.
Hoje o consumo de água é medido por satélite – ou o funcionário da empresa lê o relógio e a conta é emitida na hora – a conta de energia, assim como outras, é debitada na conta corrente do banco ou paga por aplicativo. Assim estamos acostumados ou nos acostumando.
O fato é que a cobrança sempre existiu, mas de forma muito diferente em um tempo onde, aparentemente, o dia tinha mais horas do que hoje. Interessante, pois tudo é feito para ganharmos tempo e, cada vez mais, temos menos tempo… É para pensar.
Num lote de antigos documentos foi possível encontrar a memória destes tempos passados, onde, por exemplo, o imposto predial (IPTU) era cobrado juntamente com a Taxa de Esgottos (sic) e a linguagem de cobrança era, digamos, delicada, pois dizia que o morador “…foi contemplado no lançamento para pagamento do imposto…”. Ser contemplado dá a impressão de sorteio, de ganho, mas não era este o caso. O morador recebia o aviso de cobrança e tinha a obrigação de enviar a cobrança “…sem perda de tempo…” para o dono do imóvel que tinha 20 dias para contestar a cobrança.
Outra característica da época era a falta de muitos locais, não só para pagar, mas para fazer pedidos e reclamações. A repartição de Águas e Esgotos, dos “Serviços de Aguas da Capital” funcionava na Rua da Conceição, 117, das 7 às 16 horas nos dias úteis e lá deveriam ser tratados todos os assuntos relativos aos serviços de águas.
Em meados da década de 1950 os bancos começaram a receber as contas de consumo, mas o número de agências não era grande e nem todos os consumidores tinham conta em banco.
Imagine você indo pagar suas contas, cada uma em um lugar diferente. A “The San Paulo Gas Company, Limited” recebia as contas na Rua do Carmo, 3 e, pelo menos, trabalhava e recebia também aos sábados até às 13 horas. Esta empresa oferecia gratuitamente a regulagem dos queimadores de aquecedores e fogões para que o consumidor tivesse o melhor aproveitamento possível de seus aparelhos a gás.
E a energia elétrica? Esta era fornecida pela canadense “The São Paulo Tramway, Light & Power Co., Ltd.”, popularmente conhecida como Light, que, além da energia elétrica, administrava o serviço de bondes da cidade.
O prazo de pagamento era de até 10 dias após o recebimento da conta e esta deveria ser paga nos guichês da companhia nas agências mantidas no Brás (Av. Celso Garcia, 18-A atual 158), Campos Elíseos (Alameda Glete,63), Vila Mariana (Rua Domingos de Morais, 207) ou no escritório central na Rua Xavier de Toledo, 1. As contas em atraso só poderiam ser pagas no escritório central, assim como serem feitas as reclamações. Se você não sabia, o atual Shopping Light tem seu nome relacionado a história do prédio onde funcionou por muito tempo esta empresa de energia.
O telefone, fixo, é claro, era uma raridade e, além de tudo, bastante caro. Era o tempo onde os vizinhos pediam para dar “uma ligadinha” usando o telefone que não conseguiam ter. A Companhia Telephonica Brazileira também entregava as contas na casa dos clientes num papelzinho escrito a lápis indicando o custo do uso da linha então denominada “assinatura” e a quantidade de chamadas interurbanas feitas no período.
Em alguns casos, ao se fazer o pagamento, a empresa colava na conta quitada selos que representavam o recolhimento dos impostos – desde sempre presentes em nossas vidas.
Como ninguém inventou a roda, hoje temos todas as facilidades para pagarmos as contas, mas nem tudo fica mais fácil, pois os bancos não recebem mais este tipo de pagamento nos caixas, dificultando a vida do consumidor que passa a pagar suas obrigações de consumo nos caixas dos supermercados (atrapalhando quem foi fazer compras) ou nas lotéricas, daí as filas que nem sempre são de jogadores, mas sim de consumidores.
Ao menos agora você sabe que pagar contas não é nem novidade nem exclusividade de sua geração.
Nota:
*1 – A Light em 1948 possuía 8.768 empregados sendo 1.479 dedicados às construções hidroelétricas.
*2 – O escritório central da Light tinha em 1948 uma área de quase 30 mil m2.
Bibliografia:
– Cinqüenta anos de progresso com São Paulo 1900-1950. Edição The São Paulo Tramway, Light and Power Co., Limited – Col. José Vignoli
– A Gazeta Esportiva. Edição de 28 de abril de 1958. Pág. 31
Respostas de 24
Super interessante, José Vignoli!!! As pessoas de hoje ficam boquiabertas quando contamos o que era a vida financeira de antigamente. Eu tenho uma pequena relíquia que guardei dos meus saudosos anos 70, um carnezinho da compra do meu primeiro telefone, na zona centro de SP. Eram os tempos dos famigerados PLANOS DE EXPANSÃO, quando formavam-se filas imensas para quem quisesse adquirir uma linha telefônica. Eu, como telefonista da própria CTB – COMPANHIA TELEFÔNICA BRASILEIRA – ali na Rua Sete de Abril, tive mais facilidades para comprar. Saudade!!!
Em fins dos anos 80, minha esposa trabalhou em empresas de cobrança na rua 7 de Abril. Essa agência(posso chamara assim?) da CTB a que você se refere, ainda estava lá e, vez ou outra, comprávamos cartão telefônico para falar no orelhão…Eu me lembro que esse estabelecimento, na parte aberta ao público, era amplo e bem organizado e havia vários telefones para o público em geral usufruir. Era no térreo.
Artigo excelente!! Sempre tive essa curiosidade.
Parabéns ao autor.
Linda história em São Paulo, lembro que minha mãe sempre contava que ia com a mãe dela, minha avó, para pagar as contas no centro de SP, e aproveitavam e faziam um passeio. Obrigada por compartilhar
Estive ontem no Shopping Light e lembrei do Guarda Luizinho que ficava no farol da Xavier de Toledo em frente ao Mappin, e quando um motorista que parasse sobre a faixa de pedestre, ele abria a porta do carro e fazia os pedestres passarem por dentro do carro.
Surreal!
Eu me lembro bem dele e dos shows que ele dava para os pedestres…Mas os que transgrediam as regras, tinham de pagar penalidade….
Eu presenciei isso na travessia em frente ao Mappin e o prédio da Ligth… Todo paravam para ver as reações dos motoristas invasores das faixas de pedestres…
maravilhoso
Hoje em dia pagamos as contas por internet ou seja contas e comprovantes virtuais que se não soubermos guardar, apaga-se tudo!
Mais um ótimo artigo!
Interessantíssimo!
Bem haja, e obrigado por compartilhar!
Nossa que legal, gostei muito. Acabei me lembrando de minha juventude nos anos 60, eu fui ao centro de minha cidade (Presidente Prudente), juntamente com um colega meu que ia pagar a conta de luz . Quando chegou a vez dele na fila do caixa, o atendente perguntou: você não tem dinheiro mais trocado? Ele respondeu: pode dar o troco em vela!
Na minha cidade naquela época faltava muito a energia elétrica.
Eu cheguei a ir no prédio da light com minha madrinha para pagar a conta de luz. Era um passeio para mim que era criança, pegar o ônibus ir para a “cidade” era assim que que as pessoas falavam quando tinham que sair do bairro para ir pro centro da cidade. Muito bom relembrar.
Como eram os bons tempos lembrar. Ano 2000 para cá , provavelmente, os bancos criaram formas de pagamentos melhor e simples para os pagamentos de luz, água, telefone,…. para os consumidores pagarem sem risco em fila.e menos preocupações. Hoje em dia melhorou bastante
muito interessante a matéria! parabéns ao autor. por gentileza, haveria alguma informação quanto ao ano da foto/ capa da matéria? Há uma pessoa na foto muito semelhante ao meu pai que residiu no centro de São Paulo nos anos 40.. grato!
A foto está na publicação “Cinqüenta anos de progresso com São Paulo – 1900-1950”. Edição da The São Paulo Tranway Light and Power Co., Limited
Excelente matéria. Vale destacar a relação de bancos na propaganda do DAE que deixaram de existir.
Adorei saber!! “Exgottos” com “x” e dois “t”?! E a conta de telefone a lápis?! Obrigada por compartilhar!
Muito interessante esta postagem! Sim, parece que com todas as facilidades tecnológicas, as pessoas desses tempos tinham mais tempo do que nós.
No Estado de MG não mudou muita coisa não!
Guia de Arrecadação pra pagar Impostos,não acho app vinculado ao Governo Estadual pra nada,não que eu saiba.kkkkkkkk!
Quando eu continuo da década de 60 entre 66 e 70 quando você ia ao banco descontar um cheque você pegava uma senha que em geral era de metal com um determinado número. Quando você era chamado o caixa virava o cheque e perguntava, quanto o sr. vai receber.
Nome dos bancos:
Bco Federal Itaúsulamericano
Bco Mineiro do Oeste
Bco. Moreira Salles (do assalto 500 milhões)
Bco Comercial.
Bco. da Bahia.
Bco. Brasileiro de Descontos.
Etc….
Conferência da assinatura era em uma cartela de papel.
José Vignoli, muito interessante a história das contas de consumo dessa época em S. Paulo!
Amei ler essa matéria, espero que venham mais matérias assim, essa cultura não pode faltar em nosso conhecimento, o humanismo daquela época sem dúvidas era melhor que o de nossos dias atuais, a tecnologia revolucionou o mundo a cada dia mais, e trouxe também com ela muito frieza nas pessoas, hoje a falta de humanidade está se tornando uma normalidade…bom, ficam as doces lembranças