O rodoviarismo desenfreado foi uma mácula na história do desenvolvimento urbano do Brasil. No afã de interligar o país, deixaram as ferrovias que já tinha uma certa capilaridade nacional de lado e optaram por estradas, mesmo num país que em determinado momento sequer fabricava seus automóveis, já que vinham importados dos Estados Unidos e Europa.
Mesmo assim algumas rodovias foram importantes para a integração nacional e, num primeiro momento, não canibalizam as ferrovias. A principal delas a Rodovia Presidente Dutra, ligando as duas maiores cidades da nação: São Paulo e Rio de Janeiro, e que foi inaugurada em 1951.
A abertura dessa artéria de concreto e asfalto trouxe grande urbanização para diversas cidades entre a capital paulista e a então capital federal, já que muitas empresas apostaram em lotear áreas até então desprezadas por terem pouca ou nenhuma acessibilidade. Uma delas, que abordarei aqui neste artigo, foi no município vizinho de São Paulo, Guarulhos.
UM NOVO BAIRRO PARA GUARULHOS
Pouco tempo depois da inauguração da rodovia uma enorme região de Guarulhos, localizada entre as regiões de Cumbica e Bom Sucesso, portante bem distante do centro, começou a ser desmembrada e loteada: O Jardim Presidente Dutra.
O novo bairro foi loteado por mais de uma incorporadora, que viram na região um enorme potencial de venda e crescimento. Contudo, como todo lugar novo, a região não tinha nada além de mato e carecia de esgoto, luz elétrica, água encanada e transporte público.
Isso não foi um problema para a venda dos terrenos em prestações de valores e juros baixos, o que estimulou também o poder público a investir no saneamento básico do novo bairro. O transporte em um primeiro momento era apenas para os interessados em conhecer a região, que embarcavam em ônibus ou carros de praça na região central da capital paulista com destino ao Jardim Presidente Dutra.
Entre as incorporadoras que atuaram no novo bairro duas delas se destacaram, por maneiras distintas: o Lloyd Imobiliário Ltda focava na venda de terrenos enquanto o grupo das Indústrias Matarazzo focava principalmente na venda de casas prontas. Abaixo apresento um anúncio de cada uma dessas empresas (basta clicar para ver ampliado).
O Jardim Presidente Dutra agradou quem procurava um terreno amplo para construir ou casas bem mais em conta do que as disponíveis na capital paulista, e rapidamente começou a ser vendido e ocupado, o que motivou muitas melhorias da prefeitura de Guarulhos na região, inclusive com a chegada de linhas de ônibus ligando com o centro de São Paulo. Não sem alguns acidentes de percurso durante os primeiros anos.
Os empreendimentos da Matarazzo na região visava a construção de um bairro que fosse de classe média a alto padrão, contudo não chegou a ser visto no Jardim Presidente Dutra algo que se aproximasse de um bairro elitizado. Apesar disso as residências erguidas por eles eram de excelente construção, acabamento de ótima qualidade, espaçosos e de bom gosto no padrão arquitetônico.
Mesmo com o loteamento e fracionamento das terras em ruas e avenidas urbanizadas, permaneceram na região algumas áreas que não foram negociadas, que eram grandes chácaras que ainda conferiam um certo ar rural e interiorano ao bairro.
O grande crescimento urbano viria mesmo à partir da década de 1960, com o tráfego da rodovia Presidente Dutra ganhando cada vez mais volume e relevância, levando a áreas outrora não vendidas, como as tais chácaras, serem transformadas em mais residências, fábricas, transportadoras e outros empreendimentos comerciais ou de prestação de serviços.
Na década de 1970 começa a discussão de um novo aeroporto para São Paulo e a área escolhida é Cumbica, o que também abrange parte da do Jardim Presidente Dutra. Em 1977 parte do bairro e também outros vizinhos, como Jardim Maringá, são desapropriados para a construção do futuro Aeroporto Internacional de Guarulhos. Milhares de pessoas foram forçadas a mudar para outras regiões de Guarulhos, como Pimentas e Fortaleza.
No começo da década de 1980, já completamente urbanizado e consolidado, o Jardim Presidente Dutra foi reconhecido como uma divisão administrativa da cidade de Guarulhos, através da promulgação da lei estadual nº 3198, de 23 de dezembro de 1981.
AS PRIMEIRAS CASAS DO BAIRRO SOBREVIVERAM?
Conforme expliquei acima não era apenas terrenos vazios negociados, uma das incorporadoras pioneiras também vendia já o lote com a casa construída e que eram, diga-se de passagem, de muito bom gosto.
Com o tempo muitas casas desse empreendimento foram recebendo reformas e mais reformas, perdendo suas características construtivas originais, distanciando-se bastante de sua base arquitetônica, entretanto ainda hoje em dia se encontra alguns desses imóveis erguidos na final da década de 1950 preservados, como estes abaixo (clique para ver a imagem ampliada):
No dia que estive no bairro circulando para produzir a matéria encontrei apenas essas duas ainda com as características originais, sendo a da foto esquerda a mais preservada. Fica aqui um pedido para quem mora ou trabalha na região e conhece outras casas como essas acima, que entre em contato para que eu possa ampliar a catalogação dos imóveis.
Entendo como urgente e necessário o tombamento de ambas para que os exemplares remanescentes da fundação do bairro não desapareçam. No entanto Guarulhos é um péssimo exemplo de preservação de patrimônio histórico, com os principais exemplares da cidade já demolidos. A conferir.
Bibliografia consultada:
* O Estado de S.Paulo – edição de 6/8/1958
* A Gazeta Esportiva – edição de 15/3/1958
* A Gazeta Esportiva – edição de 30/6/1958
* Diário Nacional – edição de 29/4/1959
* A Cigarra – edição 00204 (1951)
Respostas de 6
Que texto detalhado, excelente!
que matéria interessante! por favor, se puder, faça mais matérias sobre os bairros e locais de Guarulhos!
Puxa, o bairro em que fui criado! Parabéns Douglas pela pesquisa!
Sugiro uma matéria sobre o famoso Castelinho, que fica bem próximo da casa da primeira foto, que fica na rua Maracás.
O castelinho é um imóvel de arquitetura puramente japonesa, e provavelmente foi erguido no surgimento do Jd. Presidente Dutra, que com certeza teve ímpeto com a ocupação de vários japoneses lá, pois essas casas originais eram, em sua maioria de nipônicos e italianos.
Existem vários imóveis interessantes no bairro, com arquitetura da década de 50 e alguns até de antes disso, mas que devem ter sido modificados ao extremo nos últimos anos.
Eu saí do JPD, como chamamos o bairro, em 2015, mas meus pais moram até hoje lá.
Embora esteja bem diferente, com certeza o bairro tem uma história bem antiga, vide sua proximidade com o córrego do Cabuçú, famoso por ter sido utilizado no ciclo do ouro, dando origem ao Lavras, que fica próximo.
No mais, parabenizo você e a equipe do São Paulo Antiga por evocarem memórias em quem não mora mais aí, mas que sente saudades!
Continuem o bom trabalho!
Cordialmente,
José Carlos.
Vamos mostrar o pagode japonês muito em breve, aguarde!
Tempos andando pelas ruas do Jardim e admirando a arquitetura da década de 40 e 50, um Bairro que de início com inúmeras chácara e hortas, japoneses e descendentes em sua maioria, a arquitetura de época se destaca grandemente das demais, muitas já sofreram reformas e algumas até demolidas, o castelinho é um exemplo, este precisa de uma ”restauracao”, um resgate, mas assim ainda temos inúmeros exemplares. Certamente um tombamento seria muito bem vindo.
De continuidade a seu trabalho, certamente trará mais informações.
ATT. Ailton
Excelente matéria , cresci nesse bairro e me mudei me 1997 , mas minha irmã ainda mora lá . A casa do meu pai no início era exatamente este padrão depois ele foi modificando . Obrigado