Em 6 de agosto de 1978 tal qual aconteceria em abril de 2025, o mundo recebia a notícia da morte do Sumo Pontífice da Igreja Católica Apostólica Romana. Na época foi o fim do pontificado de Paulo VI após 15 anos e 46 dias. Mal o vaticano se preparava para o funeral e um brasileiro anunciava à imprensa: sou candidato a sucessão papal. Mas antes de contar esta história hilária (e genial) vamos voltar um pouco no tempo.
Nascido no município paulista de Ribeirão Pires, Roberto Bottacin Moreira ou apenas Roberto Bottacin, como é mais conhecido, é um injusto desconhecido de nossa história, cuja lembrança e reconhecimento ficou mais restrito à cidade onde viveu, e que aqui procurarei apresentá-lo aos leitores. Nascido em novembro de 1935 ele teve uma vida intensa, sendo jogador de futebol, contador, escritor, político, contestador e, claro, um grande gozador.
GOLEIRO DO JUVENTUS DA MOOCA

Sua paixão pelo esporte começou cedo e ainda garoto começou a jogar futebol e sua posição era a de goleiro. Durante sua trajetória como atleta atuou por equipes como Palmeiras, Olaria (RJ), Atlético Mineiro e Clube Atlético Juventus, o qual era apaixonado e costumava dizer que se tratava “do maior time mundo”.
Jogando no clube da Mooca chegou a disputar posição de goleiro titular com o lendário Oberdan Cattani, ídolo de Juventus e Palmeiras, o que deixa evidente que Bottacin tinha talento como jogador. O recorte abaixo é de um desses jogos onde o treinador ficou em dúvida entre os dois atletas.

Seu nome também é visto em outras escalações do Juventus entre os anos de 1953 a 1956. Contudo após um período como goleiro, abandona o futebol e a carreira esportiva, passando a se dedicar a outras profissões e hobbies. Ainda sobre futebol costumava dizer, em tom de brincadeira: “Joguei no Juventus e não me deixaram jogar no Ribeirão Pires FC da minha cidade”.
EDITOR E ESCRITOR
Apesar de formado como técnico em contabilidade, e ter atuado como contador em Ribeirão Pires, não é com essa profissão que Bottacin se destaca, mas sim como escritor. Amante das letras teve mais de 10 livros publicados (veja lista no final deste artigo). Entre seus livros os temas abordados foram principalmente sobre história, mas sobrou tempo para escrever sobre política, imigração, romance e seu tema favorito: nazismo.

Aliás este tópico foi o que mais dedicou-se a destrinchar em sua carreira de escritor, publicando cinco títulos. Importante salientar aqui que Bottacin em seus textos sobre o terceiro reich foi pioneiro, sendo um dos primeiros escritores no mundo a discorrer sobre a fuga de líderes nazistas para a América do Sul, algo que depois seria escrito a exaustão especialmente por autores estadunidenses e argentinos.
O CIDADÃO POLÊMICO E POLÍTICO
Bottacin foi atuante politicamente em Ribeirão Pires durante toda a sua vida. Sempre presente nas sessões da câmara municipal, não era raro ser visto nos corredores e galerias do local discutindo sobre problemas e soluções de sua cidade, seja com governistas ou oposicionistas, e até sendo retirado do plenário por algumas vezes que se exaltou.
No início da década de 1960, durante a legislatura de 1959 a 1962, chegou a assumir o cargo de vereador durante o período de afastamento do titular do mandato, já que ele era o 1º suplente. Durante sua trajetória como político propôs, entre outras ações, o plebiscito municipal para a escolha do santo padroeiro da cidade.

No cenário político além de ter sido candidato a vereador em 1958, pela extinta UDN, derrotado mas alçando-se à suplência, foi candidato a vice-prefeito na eleição de 1962 e a prefeito em 1966. Apesar das tentativas nunca conseguiu se eleger.
APOSENTOU UMA MULA
Foi em 1960, durante sua fase como político, que Roberto Bottacin fez o que considero ser o primeiro ato polêmico de sua intensa trajetória: aposentou uma mula que prestava serviço para a prefeitura local.
A história de Mula Menina, como era conhecida, foi marcada pelo sofrimento que era comum a esses animais até poucas décadas atrás, devido sua força e resistência. Nascida em meados da década de 1930, quando Ribeirão Pires ainda era parte de Santo André, continuou na cidade após a emancipação política, ocorrida em janeiro de 1954, e sua vida não era nada fácil.

Afinal, Mula Menina era a tração animal da carroça de lixo e por décadas trabalhou exaustivamente na limpeza da cidade. Bottacin, que como já mencionei era contador, viu na história do animal uma oportunidade para mostrar como era difícil se aposentar no Brasil e entrou com pedido, junto à prefeitura local, para aposentar a mula. E conseguiu.
Uma vez aposentado o quadrúpede passou a ter vida tranquila e ainda recebeu o título de cidadã ribeirãopirense, também proposto por Roberto Bottacin. A ideia de jubilar o animal parecia, em um primeiro momento, uma mistura de direito animal com maluquice, mas foi uma maneira genial de criticar os procedimentos demorados e burocráticos para adquirir a aposentadoria pelo INPS (atual INSS). Bottacin diria várias vezes após o caso: “no Brasil é mais fácil aposentar uma mula que um ser humano”.
O PAPA BRASILEIRO
Dois dias após a morte do Papa Paulo VI, Roberto Bottacin era destaque de uma pauta de quase uma página inteira no jornal Folha de S.Paulo. O título da reportagem: “Um paulista que descobriu que pode ser papa”.

Profundo estudioso do direito canônico da igreja católica apostólica romana, Bottacin encontrou na legislação da igreja, informações legais que preenchia os requisitos para se fazer representar no conclave e ser um dos candidatos a papa. Ciente de seu direito comunicou a cúria metropolitana de que exigia ter seu nome colocado entre os “papáveis”. A polêmica rendeu e reverberou para muito além da cidade de Ribeirão Pires. Falou não só à Folha, mas a diversos jornais do Brasil e até para a londrina rádio BBC.
Ele inclusive juntou a documentação necessária para a disputa: certidão de batismo, de crisma e um atestado de celibato fornecido pelo fórum local. A garantia de seu nome no conclave se dava pelos artigos 64 e 89 do direito da igreja, onde é dito que o leigo pode ser indicado para o cargo de Papa. Caso ele fosse aceito no conclave e eleito, antes de assumir teria que ser ordenado sacerdote.
IDEIAS MODERNAS PARA O PAPADO E CASSAÇÃO DE JOÃO PAULO II
Como se a polêmica de ser candidato ao cargo de Sumo Pontífice não fosse suficiente, Bottacin mostrou que estava estudando o caso e o Vaticano há algum tempo, tanto que na ocasião que anunciou sua candidatura trouxe junto diversas propostas para modernizar a Igreja Católica, algumas fazendo bastante sentido se olharmos como são as coisas aqui no século 21.

No “programa eleitoral” de Bottacin havia propostas interessantes como um assento na ONU para o Vaticano (até hoje participa apenas como observador permanente), a criação do cargo de presidente para Vaticano que cuidaria das funções de Estado, deixando o Papa apenas para a parte litúrgica e espiritual da igreja. Por fim também sugeriu as eleições diretas para o cargo de papa algo que parece ser inviável já que o catolicismo romano tem milhões de fieis espalhados pelo mundo.
Apesar das ideias e da possibilidade legal de ser candidato Bottacin não teve seu nome levado em consideração ou mesmo debatido no conclave, que acabou elegendo João Paulo I, cujo papado durou apenas 33 dias. Apesar de toda a discussão sobre a ideia dele ser candidato a Papa muitos amigos alegam que a candidatura foi uma maneira de criticar a ditadura no Brasil, já que não estavam ocorrendo eleições e o país vivia plena ditadura militar. Se foi um protesto de fato não há como saber.
Anos mais tarde, em 1980, Bottacin foi novamente destaque no noticiário ao anunciar que poderia propor a cassação do mandato do Papa João Paulo II, durante sua visita ao Brasil, por entender que sua eleição ocorreu de forma antidemocrática. Apesar da ameaça a ideia não foi levada adiante.

MORTE E HOMENAGENS PÓSTUMAS
Após as polêmicas envolvendo a igreja católica Bottacin desaparece do grande noticiário e passa a ser mais lembrado nas atividades da sua Ribeirão Pires. Ele permanece atuante, participando de eventos, debates e do cenário cultural de sua cidade e do ABC Paulista até o final de sua vida.
Roberto Bottacin viria a falecer em 4 de maio de 2002 no Hospital e Maternidade São Lucas, vítima de um derrame cerebral. Deixou duas filhas, Carol e Carina, e uma legião de amigos e admiradores. Como homenagem póstuma o plenário da Câmara Municipal de Ribeirão Pires foi rebatizado como Plenário Roberto Bottacin Moreira. Justa homenagem.

Abaixo a relação de livros de autoria de Roberto Bottacin, todos disponíveis para consulta e leitura no Centro Histórico e Literário Ricardo Nardelli (rua Miguel Prisco 286, centro, Ribeirão Pires). Observação: os títulos não estão em ordem de lançamento
* A fuga de Hitler
* Hitler não morreu em Berlim
* Onde estará Hitler?
* Nazistas na América
* O Nazismo sobrevive ao III Reich
* Perón, a volta do nazismo
* Tijolinho e Zé Briquete
* O sacrifício de Nixon
* Cem anos de colonização Italiana no ABC (coautoria com Maria Silene)
* Ribeirão Pires, sua história
* Mauá, sua história
* Rio Grande, sua história
* Ribeirão Pires era assim
* Sobe a luz de um lampião nasceu o Ribeirão
Permanecem inéditos os títulos: Cidade Pequena Inferno Grande, Absolvição, Suzi, Confissões de uma adolescente e Ferrovia & Desenvolvimento

NOTAS:
1 – Conheci a história de Roberto Bottacin anos atrás, ao comprar um livro de sua autoria, e achei que a história dele deveria ser contada e conhecida pelos paulistanos, mas decidi aguardar uma ocasião especial. A morte do Papa Francisco e o conclave para sua sucessão me pareceu o momento ideial.
2 – Apesar de oficialmente seu nome ser Roberto Bottacin Moreira, na grande maioria de seus livros ele se apresente com o nome ligeiramente diferente: Roberto Bottacini. Não acredito ser nome artístico pelo fato de em outros livros o nome estar grafado da forma mais conhecida.
3 – Após sua morte seus familiares doaram seu acervo para o Centro Histórico Literário Ricardo Nardelli (foto abaixo), onde pode ser consultado.

AGRADECIMENTOS:
A Hamilton Kuniochi amigo de longa data e autor do projeto Manto Juventino, dedicado à preservação da história e memória do Clube Atlético Juventus, pelo auxílio prestado em encontrar algumas partidas que Roberto Bottacin atuou pelo time da Mooca.
A Edmundo Carlos, técnico arquivista do CHL que gentilmente me atendeu e forneceu as imagens antigas que ilustram este artigo.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
* A Gazeta Esportiva – Edição de 20/3/1956
* A Gazeta Esportiva – Edição de 22/3/1956
* Folha de S.Paulo – Edição de 8/8/1978
* O Estado de S.Paulo – Edição de 6/5/1980
* Diário do Grande ABC – Edição de 19/2/2013
* Site da Câmara Municipal da Estância Turística de Ribeirão Pires – link visitado em 6/5/2025