Restauros não deveriam ser polêmicos e deveriam apenas recuperar uma obra cuja intervenção foi necessária. Entretanto em alguns casos não é bem isso o que acontece.
Quem não se lembra do desastroso caso de restauração de um afresco chamado Ecce Homo, no Santuário da Misericórdia de Borja, na Espanha, em 2012. A imagem do trabalho feito por uma idosa correu o mundo e virou motivo de escárnio, piadas e, claro, muitos memes.
Era questão de tempo para algo parecido, salvando-se as devidas proporções, acontecesse em território brasileiro, causando polêmica, irritação, piadas e aquela sensação de que algo não saiu como o planejado. É o caso do chafariz, cuja autoria é desconhecida, existente bem na entrada do Parque Buenos Aires e conhecida pelo nome de Anfitrite e Tritão.
Instalada no famoso parque de Higienópolis em 1916, a obra enfrentou anos e anos de descaso chegando a ficar parcialmente destruída e quase irreconhecível. Em 2005, por exemplo, Anfitrite estava sem cabeça e tanto ela quanto Tritão estavam sem seus punhos.
Quando o restauro foi anunciado meses atrás pelo Departamento do Patrimônio Histórico (DPH) – órgão da Secretaria Municipal de Cultura – foi um suspiro de esperança, afinal a obra é uma espécie de “cartão de visitas” do Parque Buenos Aires, já que fica junto à entrada. Porém depois de concluída a obra dividiu a opinião de moradores do bairro e frequentadores do parque e até ganhou um apelido jocoso por parte deles, sendo chamado de “cocozão”.
A comparação, apesar de parecer exagerada, não é de todo errada, afinal a cor do chafariz e o resultado final do trabalho de restauro que custou R$117.181,25 ficaram um tanto quanto aquém do esperado por muita gente.
Em um grupo de discussão focado em patrimônio histórico não faltaram críticas ao trabalho de restauro, com a opinião inclusive de pessoas ligadas ao próprio DPH. Com mensagens como “resultado decepcionante” e “estava melhor sem restauro” é possível ter uma noção de quanto o trabalho não agradou.
Mas é dos frequentadores do parque que a opinião mais importa, afinal são eles que diariamente convivem com o conjunto escultórico e a observam. E muitos deles ficaram furiosos com o resultado da obra, alguns deles inclusive alegam ter entrado e contato com o DPH questionando a cor e sequer foram respondidos.
O leitor Fernando Batistuzzo critica o resultado do restauro e considera que o conjunto foi mutilado. Para ele faltou sensibilidade em ouvir frequentadores antigos do parque, que poderiam dar informações sobre como era o monumento anteriormente, já que há pessoas que ali frequentam desde os anos 1940.
De acordo com a Secretaria Municipal de Cultura, em resposta aos nossos questionamentos, a escolha da cor foi feita a partir de prospecções nas quais foram identificadas a cor original de tom terroso. Contudo, acreditamos que o terroso original passa longe da cor escolhida.
Abaixo uma comparação de uma parte da escultura em dois momentos, sendo a primeira anos antes do restauro e a segunda, logo abaixo, feita após o trabalho.
Notem que aparentemente há diferenças visíveis entre o antes e depois. A inclinação da cabeça de Tritão parece diferente da imagem antiga e na nova ele ganhou um cavanhaque que aparentemente não tinha antes. A feição do rosto de ambos é nitidamente diferente da versão mais antiga.
O resultado final parece um trabalho infantil, especialmente na combinação de cores do suposto terroso e da cor do piso do chafariz. Definitivamente um trabalho que uma vez concluído merece ser revisitado e talvez refeito. De acordo com a prefeitura a obra foi feita pela Velatura Restaurações.
Outro ponto a observar é que em nenhuma das três oportunidades que visitamos o Parque Buenos Aires entre 25 de junho e 4 de julho o chafariz estava funcionando. Qual seria a razão ?
As imagens abaixo, ambas em um plano mais aberto, mostram a fonte em dois momentos distintos antes e depois da obra de restauração. Observe que antes ela estava muito mais integrada ao ambiente do parque do que agora. A coloração escolhida e o relevo da borda deu um aspecto que mais lembra um “torta de chocolate”.
Na publicação do Instagram do DPH em que o restauro da obra Anfitrite e Tritão é apresentado aos seus seguidores, o órgão afirma que a prefeitura de Paris (França) compartilhou para fins de estudos de restauro o acervo iconográfico da obra original em bronze “Fontaine du bassin Soufflot” e que isso possibilitou o restauro da similar paulistana. Se você ficou curioso de como é o conjunto escultórico parisiense clique aqui. Tivessem optado pelas cores da outra o resultado – mesmo que eventualmente não fosse o original do paulistano – seria bem mais agradável.
E você o que achou desta obra de restauro desta importante fonte paulistana ? Ficou bom ou ruim ? Deixe seu comentário!
Abaixo mais algumas imagens da obra antes e depois de sua recuperação (clique na miniatura para ampliar):